Recente decisão do STF reitera o entendimento firmado por aquela Corte no sentido de que a legislação estadual pode licitamente determinar o estorno do crédito de ICMS creditado no momento da entrada da mercadoria, se ela é posteriormente comercializada por valor inferior ao da aquisição.
O princípio da não-cumulatividade do ICMS (art. 155, § 2º, I, da CF) assegura que o tributo incida sobre o valor agregado em cada uma das fases de circulação da mercadoria (desde a produção até a venda ao consumidor final), de tal modo que o imposto cobrado na operação anterior pode ser abatido daquele devido na operação subsequente, como medida de evitar sua incidência em cascata – o que pode gerar multiplicação da carga tributária até que o ciclo chegue ao final. Trata-se de garantia do contribuinte para assegurar a neutralidade da tributação (já que a superposição da carga tributária não é conveniente em nenhuma economia civilizada, além do que prejudica as empresas menos verticalizadas).
A não-cumulatividade sempre foi objeto de disputas judiciais porque os Estados, titulares da cobrança do imposto, insistem há muito tempo na delimitação dos créditos. Só para exemplificar, recorde-se a tese fazendária do crédito físico (que só permite o aproveitamento do imposto pago sobre os itens que se agregam “fisicamente” ao produto final, vedando o crédito sobre outros elementos que compõem o custo do produto), e as sucessivas prorrogações do prazo inicial para exercício do direito ao aproveitamento do crédito de ICMS sobre materiais de uso e consumo do estabelecimento (art. 33 da LC 87/96, alterado pelas LC 92/97, 99/99, 114/02, 122/06 e 138/10).
Aquilo que deveria ser, em suma, uma garantia do contribuinte, passou a ser interpretado como um favor fiscal, e cada hipótese de aproveitamento de crédito é por isso mesmo avaliada pelos Tribunais como se fosse uma benesse sujeita a restrições em homenagem à arrecadação.
Assim é que o STF – com flagrante equívoco – firmou entendimento no sentido de que “a determinação do estorno do montante do ICMS creditado ante a alienação da mercadoria por valor inferior ao da aquisição não ofende o princípio da não cumulatividade” (Agravo Regimental no RExt 317.515/RJ, j. 18/12/12, relator o ministro Dias Toffoli; o plenário do Tribunal pacificou aquele entendimento no julgamento do RExt 437.006/RJ, relator o ministro Marco Aurélio).
A venda de mercadoria por preço abaixo do custo de aquisição indica que o contribuinte já experimenta um prejuízo no negócio, ao qual pode ser licitamente acrescentado – segundo o STF – outro de natureza fiscal, correspondente ao dever de estornar o crédito do ICMS pago pela aquisição da mercadoria. E isso tudo em estrita observância do princípio da não cumulatividade.
Ora, o direito ao crédito pelo imposto pago na aquisição da mercadoria para revenda (ou do insumo, no caso de produto industrializado) não está condicionado ao preço que efetivamente venha a ser praticado na saída. Trata-se de um direito dissociado da operação subsequente – e independente do dimensionamento da base de cálculo naquela operação – porque na Constituição a única exceção ao crédito do ICMS corre por conta da saída subsequente com isenção ou não incidência (art. 155, § 2º, II, “b”). Não há exceção ao princípio da não cumulatividade para saída subsequente com preço inferior ao da entrada, e neste passo a decisão do Supremo Tribunal Federal prestigiou pura e simplesmente a arrecadação estadual, de costas para a garantia que se encerra naquele postulado.
Em todo caso, de agora em diante recomenda-se atentar para a legislação de cada Estado visando identificar regras que restrinjam o crédito do ICMS naquelas circunstâncias, com o objetivo de evitar autuações sempre que houver venda por preço abaixo do custo (estoques obsoletos, queima de estoques etc.).
Fonte: Migalhas