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Tributação da família

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Andrei Pitten Velloso

A tributação da família é um tema muito estudado e discutido na Europa, mas que no Brasil ainda não recebeu a atenção devida.

Por “tributação da família”, entende-se a incidência do Imposto de Renda sobre a unidade familiar.

A expressão evidencia o reconhecimento, no âmbito tributário, da família como instituição e núcleo de vida, que repercute na capacidade contributiva dos seus integrantes e, por conseguinte, requer um tratamento específico, de modo a realizar os princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da proteção à família, reconhecida pela Constituição da República como a “base da sociedade”, a ser garantida mediante “especial proteção do Estado” (art. 226, caput).

Toda a temática da tributação da família gravita em torno de duas grandes questões: (i) a repercussão que a vida em família tem na capacidade contributiva dos seus integrantes e, por consequência, na exigência de igualdade tributária; e (ii) a legitimidade – ou a exigência constitucional – dos incentivos tributários à família.

Trataremos, aqui, de apenas um dos problemas que o tema suscita, atinente ao desfavorável tratamento conferido às famílias com apenas um membro economicamente ativo. Com isso, esperamos despertar o interesse do leitor para tão importante tema, que poderá ser estudado com profundidade na doutrina especializada e, inclusive, neste artigo de nossa autoria: “A tributação da família no Brasil à luz dos princípios constitucionais”. Fórum de Direito Tributário, v. 46, p. 65-86, 2010.

Pois bem, há desigualdades manifestas na tributação das famílias em que apenas um dos membros aufere rendimentos, seja perante os contribuintes solteiros, seja frente às famílias em que ambos os cônjuges trabalham.

Perante os contribuintes solteiros, os contribuintes casados com cônjuges que não auferem rendimentos encontram-se numa situação de desigualdade por não poderem abater muitas despesas que repercutem de modo significativo na sua capacidade contributiva.

A legislação do Imposto de Renda somente prevê a dedução de R$ 1.889,64 anuais por dependente para o ano-base 2011, o que representa R$ 157,47 por mês e está muito longe de compensar a redução da capacidade contributiva advinda da necessidade de uma só fonte de renda financiar os custos de um casal ou de uma família com filhos.

Isso representa um tratamento desigual em detrimento da entidade familiar e culmina por lesar não apenas os princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, mas o próprio princípio da proteção estatal à família.

Sem embargo, não é simples a tarefa de superar essa desigualdade.

Uma solução adequada para reverter a disparidade sem abalar a neutralidade tributária seria simplesmente aumentar, de forma significativa, o valor da dedução fixa, estabelecendo-a num patamar mais realista, que se aproxime dos gastos efetivos com dependentes.

Mas também seria possível pensar em medidas de efetivo incentivo à família, como o sistema de divisão da renda familiar, denominado splitting.

No splitting, as rendas são acumuladas, mas não são tributadas como se fossem uma unidade. Efetua-se uma “redistribuição” das rendas antes da incidência tributária: elas são acumuladas, divididas (imputadas igualmente aos membros da unidade familiar) e, por fim, sujeitas à tributação em separado.

Há duas formas básicas de splitting. No splitting conjugal, a divisão da renda é restrita aos cônjuges, independentemente da existência de filhos. É o sistema adotado nos Estados Unidos, na Alemanha, na Irlanda e em Portugal. No splitting familiar ou quociente familiar, adotado na França, a renda não é dividida apenas entre os cônjuges, mas também entre os filhos dependentes. É um sistema mais elaborado que o splitting conjugal, pois considera, na própria divisão das rendas, as invariáveis despesas que os casais têm com os filhos.

O splitting nunca terá efeitos tributários nocivos para os cônjuges, sendo-lhes favorável ou, na pior das hipóteses, neutro.

Consciente desse fato, o Professor Ives Gandra da Silva Martins defende a “tributação pela metade do cônjuge que trabalha fora, se o outro cônjuge está dedicado à administração do lar, sem prejuízo da dedução já existente como dependente”, acrescentando que os incentivos tributários à família constituem “forma de valorização da sociedade pela valorização de sua célula-mater” (“A imposição tributária e a família”, in: Direito Tributário: VIII Colóquio Internacional de Direito Tributário. MARTINS, Ives Gandra; ALTAMIRANO, Alejandro C. (Coord.), São Paulo: IOB Thomson, 2006, pp. 22-23).

A técnica do splitting também seria apropriada para superar as desigualdades existentes na tributação das famílias em que apenas um dos cônjuges é economicamente ativo frente à das famílias em que ambos os cônjuges têm renda própria. Estas se beneficiam duplamente da faixa de isenção e das alíquotas intermediárias do Imposto de Renda, ao passo que aquelas não podem ter a sua renda total diluída em duas declarações, beneficiando-se apenas da limitada dedução com dependentes.

Por consequência, a carga tributária de famílias com rendas totais equivalentes mostra-se acentuadamente desigual, como este quadro comparativo, elaborado com base nas faixas de alíquota vigentes no ano-base 2011, evidencia:

Família 1 Família 2
Cônjuge 1 Cônjuge 2
1. Rendimentos tributáveis R$ 30.000,00 R$ 30.000,00 R$ 60.000,00
2. Deduções – – –
2.1. Dependente R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 1.889,64
2.2. Instrução R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00
2.3. Despesa médica R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0.000,00
2.4. Pensão alimentícia R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00
2.5. Total das deduções R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 1.889,64
3. Base de cálculo R$ 30.000,00 R$ 30.000,00 R$ 58.110,36
4. Imposto R$ 976,99 R$ 976,99 R$ 7.292,90
5. Alíquota efetiva 3,26% 3,26% 12,15%

A família 2, em que apenas um integrante aufere renda, suporta quase o quádruplo da tributação imposta à família 1.

É justamente para remediar essa disparidade que certos países adotam o sistema do splitting, de modo a chegar-se à carga tributária total suportada pela família composta por cônjuges que são economicamente ativos e auferem rendimentos equivalentes (no exemplo, de 3,26%).

Embora a técnica do splitting se mostre adequada a promover os princípios da proteção da família, da capacidade contributiva e da igualdade, a legislação brasileira não autoriza a sua utilização, o que evidencia se tratar de um problema fundamentalmente legislativo.

Sem embargo, enquanto o Poder Legislativo não age, o Judiciário não deve esquivar-se da sua atribuição constitucional de evitar ou reparar lesões a direitos dos cidadãos (art. 5º, XXXV, da CF).

Para levar a cabo tal mister, o Poder Judiciário não pode arrogar-se a função de legislador positivo, mas tem à sua disposição técnicas e instrumentos vocacionados a realizar os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, dentre eles a técnica do “apelo ao legislador” (Appellentscheidung), utilizada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, e as soluções de equidade, destinadas a afastar, no caso concreto, violações nítidas aos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva. O seu emprego requer, no entanto, uma postura consciente e arrojada.

Com essas sucintas ponderações, não esperamos ter dado respostas, mas ter atingido o nosso despretensioso objetivo, de evidenciar que o tema da tributação da família ainda deve ser muito debatido e amadurecido na sociedade e nas instituições brasileiras, a fim de que a nossa legislação fiscal seja aprimorada, tornando-se mais justa e igualitária.

Fonte: Jornal Carta Forense