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Redirecionamento da execução fiscal: Possibilidade e limites materiais e processuais

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Maria Rita Ferragut*

 

I – Introdução

 

O patrimônio dos sócios e dos acionistas não se comunica com o patrimônio de suas respectivas sociedades. Não fosse assim, a atividade empresarial estaria fadada à estagnação, já que poucos se proporiam a comprometer parcela maior do que o patrimônio investido no negócio.

 

Mas nem por isso a separação patrimonial é absoluta. Tanto o Código Civil, quanto os artigos 134, 135 e 137 do CTN, regulamentam a responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, e dos administradores nas sociedades em geral. A finalidade dessas normas é zelar para que esses sujeitos cumpram, com a devida responsabilidade, as obrigações e os deveres previstos no ordenamento jurídico e nos atos constitutivos de cada sociedade.

 

O que deve ser levado em consideração, portanto, é que a responsabilidade pessoal dos sócios, acionistas e administradores – terceiros em relação à prática do fato jurídico, mas não à obrigação tributária – é exceção à regra da separação patrimonial, e só pode ser adotada em casos excepcionais, consistentes na prática de atos culposos ou dolosos devidamente tipificados.

 

No que diz respeito ao redirecionamento no processo de execução fiscal, entendemos que tal fato é possível e encontra fundamento de validade na lei e na Constituição, desde que a presença do dolo, por parte do administrador, seja devidamente demonstrada.

 

 

É o que passaremos a expor.

 

II – Execução fiscal: O administrador como sujeito passivo e a necessidade da inclusão de seu nome na certidão de dívida ativa, para as hipóteses de responsabilidade pessoal fundadas no art. 135 do CTN

 

Não temos dúvidas de que, respeitadas as condições legais, o administrador pode ser material e processualmente responsabilizado pela dívida fiscal. Material, se for provada sua autoria na conduta praticada com dolo, segundo um dos tipos previstos no artigo 135 do CTN (que não trata do redirecionamento da execução fiscal, segundo nosso entendimento). Processualmente, na medida em que o responsável poderá ser sujeito passivo de uma execução fiscal, conforme prevê o artigo 568, inciso IV, do CPC, bem como o artigo 4º da Lei nº 6.830/80 – LEF.

 

O que não se admite, por outro lado, é que exclusivamente pelo fato de ser sócio, acionista ou administrador de sociedade de responsabilidade limitada, a pessoa torne-se responsável pelo débito, sem qualquer prova de autoria da prática do ato ilícito. A alegação de que o administrador agiu de acordo com o artigo 135 ou 137 do CTN há de ser devidamente provada, não podendo restringir-se à mera alegação.

 

Mas o que nos interessa, neste momento, é a sujeição passiva e o correto desenvolvimento da execução, ou seja, a aptidão do sócio de figurar validamente no pólo passivo de um processo de execução fiscal, mediante redirecionamento. Interessa-nos, também, determinar se o nome do administrador deverá obrigatoriamente constar do título executivo extrajudicial que embasa a execução, para que o processo não seja, ao final, anulado.

 

Com base no disposto no artigo 202 do CTN (01), bem como no parágrafo 5º do artigo 2º da Lei das Execuções Fiscais (02) entendemos que o administrador não poderá ser incluído na execução fiscal se seu nome não constar da certidão de dívida ativa, pois um dos requisitos da CDA é a indicação precisa do devedor e dos co-responsáveis, sob pena, nos termos do artigo 203 do CTN (03), de nulidade da inscrição e da ação de cobrança dela decorrente.

 

A jurisprudência majoritária, inclusive do STF (04), é pacífica no sentido de que não é necessária a indicação do nome do responsável na CDA para que o mesmo responda pessoalmente pelo débito. Na maioria dos casos, as decisões fundamentam-se no fato de que uma interpretação correta somente poderia nos levar à seguinte conclusão: se o inciso I do artigo 568 do CPC prescreve a necessidade de menção do devedor na CDA e se a legislação silencia quanto às demais hipóteses, logo não se faz necessária a prévia inscrição para os incisos II a V. A legislação processual sobrepor-se-ia, nesse caso, ao CTN, que trata precipuamente de direito material.

 

Data venia, esse posicionamento leva em consideração tão-somente a questão da sujeição passiva (capacidade de estar em juízo), sem analisar os demais dispositivos legais pertinentes à matéria. Embora a sujeição passiva seja fundamental para a formação válida da relação jurídica processual, ela é insuficiente para solucionar o problema da legalidade da submissão do responsável tributário aos efeitos da coisa julgada, sempre que seu nome não constar da CDA (seja a originária, seja a substituta).

 

Entendemos que a legitimidade material passiva do administrador tem natureza jurídica diversa de sua condição de sujeito passivo na execução fiscal. A primeira requer, quando a responsabilidade não for por lei ilimitada em função da espécie de sociedade da qual o administrador é sócio, algum procedimento investigatório por parte do Fisco, a fim de apurar a autoria (ou indícios da autoria) do ato doloso caracterizado segundo um dos tipos previstos nos artigos 135 e 137 do CTN.

 

Já a sujeição passiva pressupõe apenas a citação do administrador para integrar a relação processual. Será ele, assim, parte passiva na execução fiscal ainda que ilegitimamente chamado para responder pela dívida. Legítimo processualmente, em que pese legítimo ou ilegítimo materialmente.

 

Tal entendimento não implica abandonar a premissa de que a legitimidade e a sujeição passiva devam coincidir, pois é recomendável que as posições de autor e de réu no processo sejam correlatas à relação jurídica de direito material a ser decidida pelo juiz. No entanto, o reconhecimento da condição de parte é alcançado sem que, necessariamente, reconheça-se a legitimidade material. Isso tanto é verdade que a falta dessa condição da ação só se constata se e quando o sujeito, tido por ilegítimo, figurar na relação jurídica processual.

 

Vale lembrar, além disso, que as alegações das partes só se comprovarão no decorrer no processo, com a submissão dos fatos à refutação e à apresentação de provas, a fim de que as alegações “inverídicas factualmente” não sejam recebidas pelo direito como verdadeiras. Se apenas durante o curso do processo é que o ordenamento jurídico permite a produção de provas constitutivas de direitos, é necessário reconhecer-se a capacidade processual para que as partes possam pleitear o que consideram legítimo, bem como possam apresentar defesa em contraposição a um interesse antagônico.

 

A circunstância de alguma das partes ser excluída da lide – o que é previsto em nosso sistema – reforça a idéia de que a legitimidade material e a sujeição passiva deveriam corresponder, mas não necessariamente o fazem.

 

Nosso entendimento não implica, além disso, concluir que o CTN trata somente da legitimidade, ao passo que o CPC e a LEF disciplinam apenas regras acerca de capacidade passiva, e por isso seria um erro utilizar a legislação processual para fundamentar a inconstitucionalidade da exigência do tributo em nome do responsável, quando seu nome não constar da CDA.

 

Realmente a legislação processual não é fundamento de validade da tipificação das condutas constantes dos artigos 135 e 137 do CTN, e não se presta a refutar o mérito da responsabilidade pessoal do sócio. Mas nem por isso o nome do responsável não necessita constar da CDA para que o processo de execução desenvolva-se validamente, e ao final obrigue o sócio a se sujeitar aos efeitos da coisa julgada. É a forma que a legislação prevê para a fruição de direitos e para a sujeição dos indivíduos às obrigações previstas em lei.

 

Diante do exposto, sintetizamos nossos argumentos da seguinte forma:

 

a) A certidão de dívida ativa é título executivo extrajudicial e, como tal, constituiu-se em condição ao exercício de ação, servindo para autorizá-la, para definir o fim a ser alcançado no processo executivo e para fixar seus limites;

 

b) Embora a maior parte dos dispositivos do CTN trate de direito material, o artigo 202 disciplina os requisitos da certidão de dívida ativa, matéria, sem dúvida alguma, de cunho processual. Também o parágrafo 5º do artigo 2º da LEF estabelece quais os dados que deverão constar da CDA, dentre eles a indicação do devedor e dos co-responsáveis;

 

c) O CTN e a LEF disciplinam os requisitos obrigatórios da certidão, ao passo que o artigo 568 do CPC elenca os sujeitos que poderão figurar no pólo passivo da execução;

 

d) A sujeição passiva é adquirida no momento da citação (05), e independe da legitimidade material;

 

e) Os requisitos da CDA e a sujeição passiva são matérias diversas, mas nem por isso a opção do intérprete pelo CPC bastaria para resolver a questão objeto de nossa reflexão. Se a interpretação sistemática requer a análise de todos os enunciados que compõem o direito positivo para os fins de solucionar o conflito existente; se o CPC indica quem poderá ser sujeito passivo na execução; e se o CTN e a LEF prescrevem a necessidade da correta indicação na CDA dos devedores e responsáveis, conclui-se que, com base no CPC, o responsável poderá ser sujeito passivo independente de seu nome constar da CDA, mas, para que o responsável submeta-se de forma legal aos efeitos da coisa julgada, deverão ser obedecidos os requisitos do CTN e da LEF;

 

f) A indicação do responsável na CDA não significa que ele seja definitivamente devedor, conclusão a que só será possível chegar ao final do processo. Nesse sentido, somente por meio dos embargos à execução fiscal é que a ilegitimidade material, ou a inexistência da própria dívida, poderão ser provadas. Portanto, há direito de ação sem direito material, que só será confirmado no curso do processo – ou seja, quando já se reconheceu a legitimidade processual; e

 

g) O artigo 203 do CTN, que também trata de direito processual, impõe a nulidade da inscrição e do processo de cobrança se qualquer dos requisitos do artigo 202 – no caso, a indicação do devedor e dos co-responsáveis – não estiver presente, e a certidão não for substituída até decisão de primeira instância (neste caso, devolvendo-se ao executado o prazo para defesa da parte modificada).

 

Assim, o responsável tributário é sujeito passivo a partir da citação, independentemente de seu nome constar na certidão de dívida ativa. Entretanto, para que o processo desenvolva-se validamente, e não seja no futuro anulado, a CDA deverá obrigatoriamente indicar o nome do administrador (desde a distribuição da execução e desde quando da sua substituição por outra que indique o nome do responsável).

 

A inobservância desse procedimento implica reconhecer a ilegalidade de todo o processo – por violação ao artigo 202 do CTN e ao artigo 2º, parágrafo 5º, da LEF, bem como sua inconstitucionalidade em face da violação ao devido processo legal.

 

III – Redirecionamento na execução fiscal e a inclusão do administrador na lide após a oposição dos embargos à execução fiscal: Limites para a preservação da constitucionalidade e da legalidade desse procedimento

 

Os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório restariam descumpridos se o sócio ingressasse na lide após diversos atos processuais já terem sido praticados, tornando-se precluso, para ele, a apresentação da defesa e a produção de provas que buscassem anular a dívida objeto da execução. Some-se a isso o fato de, sobre a dívida agora devida pelo administrador, recair todas as alegações até aquele momento feitas pela pessoa jurídica.

 

Segundo o artigo 5º, LIV, da Constituição, ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Isso significa que a condenação só será válida se o processo que a antecede obedecer às garantias materiais e processuais previstas na legislação processual e fiscal.

 

O princípio da ampla defesa pode ser desmembrado na anterioridade da defesa em relação ao ato decisório, no direito de interpor recurso administrativo como decorrência do direito de petição, no direito de solicitar a produção de provas e de vê-las realizadas e consideradas, no direito ao contraditório, com a notificação do início do processo, da cientificação dos fatos e fundamentos legais que o motivam, das medidas ou atos referentes à produção das provas e da juntada de documentos, do acesso aos elementos do expediente (vista, cópia ou certidão) e não ser processado mediante provas obtidas mediante meios ilícitos (06).

 

Já o contraditório é o princípio que confere ao sujeito contra quem a acusação está sendo feita o direito de ser intimado para se defender da imputação, já que, caso não prove a improcedência do débito ou da prática do fato ilícito que gerou sua responsabilidade pessoal, terá que cumprir com todas as conseqüências decorrentes da decisão judicial que o declarar devedor. Confere ao sujeito, também, o direito de ter sua defesa efetivamente analisada pelo julgador, mediante manifestação expressa acerca dos pontos questionados.

 

Diante do exposto, pergunta-se: a inclusão do sócio na lide, após o início do processo judicial, fere o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, quando essa inclusão se der em momento posterior à oposição dos embargos à execução fiscal, e os atos processuais já praticados encontrarem-se para ele preclusos?

 

E a constitucionalidade da substituição do executado condiciona-se apenas à comprovação da autoria da prática do ato ilícito, independentemente do estágio processual em que o processo de execução se encontre?

 

As respostas são negativas. A inclusão do sócio é admitida por nosso ordenamento, mas encontra limites nos três princípios constitucionais acima referidos (devido processo legal, ampla defesa e contraditório) e no artigo 203 do CTN.

 

A inclusão será constitucional e legal sempre que houver reabertura de prazo para a defesa, assegurando-se ao sócio a produção de todas as provas admitidas, a impugnação dos fatos, a alegação de outros que desconstituam a presunção de certeza e liquidez que goza a dívida inscrita, a sua não responsabilidade pela dissolução irregular etc.

 

O que há de ser sempre observado, portanto, é que o sócio não poderá ingressar no processo no estado em que ele se encontra, sem que lhe seja garantida a prática de todos os atos processuais, pois, aí, a execução fiscal padecerá de inconstitucionalidade e ilegalidade.

 

IV – Fundamento de validade do redirecionamento na execução fiscal

 

O caput do artigo 135 contempla a responsabilidade dos sujeitos mencionados nos incisos I a III, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes dos atos ilícitos lá previstos (excesso de poder, infração de lei etc.). Portanto, há responsabilidade quando a infração resulta na obrigação tributária.

 

Uma interpretação mais apressada poderia levar-nos a defender a incompatibilidade do caput do referido enunciado com o artigo 3º do CTN, tendo em vista que o primeiro, a princípio, contempla a possibilidade da obrigação tributária surgir de atos ilícitos, ao passo que o segundo estabelece que o tributo é sempre decorrente de atos lícitos.

 

A incompatibilidade é apenas aparente. Na realidade, a infração não diz respeito ao fato jurídico tributário, que é sempre lícito, mas à decisão de sua prática, contrária aos objetivos sociais contemplados no contrato social ou no estatuto, à competência pessoal para a tomada de decisões, e, ainda, aos limites fixados em lei. Some-se, a isso, a necessidade de dolo.

 

Exemplificando, prestar serviços é ato lícito e típico para fins da obrigação de pagar ISS, não obstante a prestação de serviços por sociedade exclusivamente comercial seja ato não autorizado pelo contrato social e, portanto, ilícito para os fins daquela sociedade.

 

É com base nesse raciocínio que entendemos que muitas das decisões judiciais existentes, e grande parte da doutrina, equivocadamente tipificam a dissolução irregular da sociedade como infração prevista no artigo 135 do CTN.

 

Para nós, a dissolução irregular opera-se em momento posterior à efetivação do evento tributário, e por isso não há como o ilícito implicar a obrigação. Mas isso não significa que inexista fundamento de validade no CTN para justificar o redirecionamento, pois o artigo 137 autoriza plenamente tal procedimento.

 

Esclareça, finalmente, que a dissolução irregular ocorre apenas quando a sociedade propositadamente deixa de funcionar em seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário. Não basta, portanto, que o Fisco deixe de localizar sociedade que já realizou todas as comunicações legais, em que pese tais atos não tenham ainda sido por ele, Fisco, processados.

 

V – Impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal quando a pessoa jurídica não tiver bens suficientes para a quitação da dívida

 

A inexistência de bens suficientes para a quitação do débito é muitas vezes considerada, pela Fazenda Pública, fato suficiente para o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio, execução essa originalmente promovida contra a pessoa jurídica (07). Normalmente, esse procedimento não é realizado com base em qualquer ato investigatório prévio, de apuração da causa de insuficiência de bens.

 

O redirecionamento, nos termos ora colocados, é completamente ilegal. A Fazenda deveria, primeiro, investigar o motivo pelo qual não existem bens suficientes para, somente se detectado o desfazimento fraudulento, decorrente de decisão imputável ao sócio, redirecionar a execução. Faz-se mister, portanto, provar que, por decisão do administrador, os bens foram transferidos da sociedade, com o intuito de se evitar que a dívida fosse com eles quitada.

 

Por fim, como nesse caso não estamos tratando de dissolução irregular dolosa da sociedade, e sim de insuficiência de bens de sociedade devidamente localizada, a única conseqüência jurídica prevista e autorizada em nosso ordenamento é a da suspensão da execução fiscal, conforme disposto no artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (08).

 

VI – A importância das provas para o reconhecimento da responsabilidade pessoal do administrador

 

A prática da conduta dolosa pelo administrador é pressuposto para a imputação de sua responsabilidade. Por isso, a prova da infração parece-nos fundamental para legitimar a cobrança.

 

A prova manifesta-se sempre por meio da linguagem. Se é assim, e se admitirmos como verdadeira a premissa de que a linguagem é um objeto cultural, criada pelo homem e, por isso, necessariamente impregnada de valor, não poderíamos deixar de reconhecer a influência dos valores na teoria das provas.

 

As regras de experiência são instrumentos de que o conhecimento humano dispõe para a valoração das coisas, atos e sujeitos. O valor está no ser, e não nos objetos, razão pela qual a valoração das provas varia muito de acordo com a experiência do intérprete, que constrói a significação do fato segundo suas referências. Isso explica a razão pela qual, para um mesmo fato, possa existir mais de um juízo válido, sem que isso afete a validade da prova.

 

O sistema de valoração de provas adotado pelo nosso sistema é o do livre convencimento motivado, não admitindo arbitrariedade na produção da prova e na sua apreciação. Pressupõe, também, razoabilidade entre o conteúdo das provas e a conclusão obtida a partir delas.

 

O Fisco tem de provar, primeiramente, a autoria da infração, a partir da premissa de que o infrator não é apenas aquele que praticou materialmente o fato, mas também os que com ele colaboraram (partícipes) e os que determinaram a execução da conduta (mandantes).

 

Assim, não basta indicar o nome de todos os sócios constantes do contrato social, imperioso que se individualize o autor da dissolução irregular, demonstrando ao menos qual o sócio geria a sociedade, e decidia pela prática dos negócios empresariais tipificados como fatos jurídicos tributários (ou que, de alguma forma, pudessem resultar em obrigações tributárias).

 

Deverá demonstrar, ademais, que nenhuma outra pessoa possuía os mesmos poderes. Se a responsabilidade for compartilhada, a fiscalização deverá indicar quem foi o agente, e apenas na hipótese dessa demonstração não ser possível é que todas as pessoas autorizadas a gerir a sociedade deverão ser solidariamente envolvidas, apurando-se posteriormente a autoria.

 

Toda essa linguagem é fundamental, pois a responsabilidade pessoal não pode ultrapassar a pessoa do infrator. Insistimos no raciocínio que vimos desenvolvendo: a pessoa física não pode ser responsabilizada simplesmente porque é sócia ou administradora, deverá ser plenamente comprovada sua autoria na prática do ato que lhe está sendo imputado, ou ao menos sua decisão pela prática do ato.

 

Deverá, também, provar que o ilícito foi praticado com dolo e o agente, se o quisesse, poderia ter agido de forma diversa.

 

VII – A utilização das provas diretas e das presunções legais para a caracterização da responsabilidade de terceiros

 

Admite-se, para a comprovação da prática do fato doloso, tanto as provas diretas como as indiretas.

 

Quando tratamos de presunções, referimo-nos à prova indiciária, espécie de prova indireta que visa demonstrar, a partir da comprovação da ocorrência de fatos secundários, indiciários, a existência ou a inexistência do fato principal. Para que ela exista, faz-se necessária a presença de indícios, a combinação deles, a realização de inferências indiciárias e, finalmente, a conclusão dessas inferências.

 

Indício é todo vestígio, indicação, sinal, circunstância e fato conhecido apto a nos levar, por meio do raciocínio indutivo, ao conhecimento de outro fato, não conhecido diretamente. É, segundo Pontes de Miranda (09):

 

“o fato ou parte do fato certo, que se liga a outro fato que se tem de provar, ou a fato que, provado, dá ao indício valor relevante na convicção do juiz, como homem.”

 

É a comprovação indireta que distingüe a presunção dos demais meios de prova, e não o conhecimento ou não do evento. Com isso, não se trata de considerar que a prova direta veicula um fato conhecido, ao passo que a presunção veicula um fato meramente presumido. Conhecido o fato sempre é, pois detém referência objetiva de tempo e de espaço; conhecido juridicamente, também, é o evento nele descrito. Por outro lado, da perspectiva fática, o evento, em que pese ser provável, é sempre presumido.

 

Com base nessas premissas, entendemos que as presunções nada “presumem” juridicamente, mas prescrevem o reconhecimento jurídico de um fato provado de forma indireta. Faticamente, tanto elas quanto as provas diretas (perícias, documentos, depoimentos pessoais etc.) apenas “presumem”.

 

Só a manifestação do evento é atingida pelo direito e, portanto, o real não há como ser alcançado de forma objetiva: independentemente da prova ser direta ou indireta, o fato que se quer provar será ao máximo juridicamente certo e fenomenicamente provável. É a realidade impondo limites ao conhecimento jurídico.

 

E a utilização das presunções, seria inconstitucional para os fins de estabelecer a responsabilidade pessoal do sócio, no redirecionamento da execução fiscal?

 

Tratando-se de responsabilidade de terceiros, a regra que contém uma presunção legal relativa será constitucional e legal se (i) o ilícito for tipificado segundo os termos do artigo 137 do CTN; (ii) inexistirem provas em sentido contrário e (iii) todas as condições para admissibilidade das presunções tiverem sido cumpridas (observância dos princípios da segurança jurídica, legalidade, tipicidade, igualdade, razoabilidade, e ampla defesa, bem como a subsidiariedade na aplicação da regra e que os indícios da prática do ilícito sejam graves, precisos e concordantes).

 

VIII – Fatos a serem analisados para a defesa do administrador

 

Por fim, partindo da premissa acima construída de que, em situações excepcionais, o redirecionamento na execução fiscal pode ocorrer, o administrador terá que provar, para afastá-la, que não ocorreu a dissolução irregular, ou que, se ocorrida, não foi por decisão ou concordância sua. A questão, portanto, é probatória.

 

Não é porque a sociedade simplesmente desapareceu, que determinado sócio obrigatoriamente participou do ilícito, em especial em sociedades em que as funções de cada um são claramente divididas e exercidas. Não se deve ignorar as experiências universalmente aceitas, os conhecimentos gerais e aquilo que o senso comum indica, pois tais elementos muitas vezes justificam a confiança que um sócio deposita em outro, ainda que, ao menos em grandes estruturas empresariais, tal fato possa ser inconcebível.

 

Ademais, se determinado sócio agiu de boa-fé, e foi outro quem dissolveu irregularmente a sociedade, somente este último poderá ser pessoalmente responsabilizado.

 

O cuidado que se deve ter, portanto, é o de investigar minuciosamente os fatos que envolvem a dissolução, a fim de não se desprezar a possibilidade de terem sido praticados atos premeditados, visando a, justamente, afastar a responsabilidade de um dos sócios, para atribuí-la a outro que não dispõe de bens suficientes para quitar o débito, no caso de condenação.

 

Notas

 

(01) “Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;”

 

(02) “§ 5º O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um ou de outros.”

 

(03) “Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.”

 

(04) “A execução fiscal pode incidir contra o devedor ou contra o responsável tributário, não sendo necessário que conste o nome deste na certidão de dívida ativa.” (RE 95.028-1, DJU de 25/08/81, p. 9480).

 

(05) Não é admissível, no sistema constitucional brasileiro, a constrição de bens do responsável, se este não for citado para a execução (em que pese isso poder ocorrer – daí a necessidade dos embargos de terceiros). A citação é ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender (artigo 213 do CPC). Sem ela, o administrador estará arbitrariamente sendo envolvido na lide. Nesse sentido, vide AgI. 95.01.04380-0-BA, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Des. Cândido Ribeiro, DJU de 27/11/1998.

 

(06) Cf. Odete Medauar, A processualidade no direito administrativo, p. 101.

 

(07) Parte da jurisprudência também tem o mesmo entendimento: “Ajuizada execução fiscal contra sociedade por cotas de responsabilidade limitada, e não localizados bens desta suficientes para o adimplemento da obrigação, pode o processo ser redirecionado contra o sócio-gerente, hipótese em que este deve ser preliminarmente citado em nome próprio para se defender da responsabilidade imputada, cuja causa o credor deve traduzir em petição clara e precisa.” (STJ, 2ª Turma, REsp 7.397-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 4/9/95, v.u.).

 

(08) “Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá prazo de prescrição.”

 

(09) Comentários ao Código de Processo Civil, p. 421.

 

Fonte: FISCOSoft

 

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