Adonilson Franco*
I – Histórico e considerações introdutórias
1 – Foi originariamente prevista para viger entre 01.12.2011 e até 31.12.2014 a substituição da incidência da contribuição previdenciária patronal (20% sobre a folha de pagamentos), pela incidência de 2,5% calculada sobre a receita bruta para as empresas de Tecnologia da Informação (TI) e Comunicação (TIC), inclusive Callcenters.
2 – Para empresas de alguns setores industriais (plásticos, borrachas, peles, couros, pastas de madeira, papel ou cartão, pedra, gesso cimento, amianto, mica, cerâmicos e vidro, colchões, almofadas, vestuários e acessórios, outros artefatos têxteis confeccionados, calçados e artefatos, metais, botões, artigos esportivos), a alíquota estabelecida foi de 1,5%.
3 – Esse foi o critério determinado pela MP 540, depois convertida na Lei 12.546 (DOU 15.12.2011). Entretanto, o setor empresarial discutiu ferrenhamente com o governo federal tentando redução para uma alíquota razoável, de 0,5% ou no máximo 0,8%. Isto porque, para muitas empresas, a alíquota de 2,5% ou mesmo de 1,5% revelou-se muito pior que o cálculo da parcela patronal até então incidente à alíquota de 20% sobre a folha de pagamentos.
4 – Em razão dessa distorção, já que tais medidas sempre foram anunciadas como tendo sido instituídas com o propósito de desoneração da folha visando estimular a empregabilidade – embora a exposição de motivos da MP 540 tenha também fundamentado a alteração no objetivo de compelir à formalização do emprego -, muitas empresas foram, a partir de janeiro passado, buscar no Judiciário o direito de optar entre o sistema antigo (20% sobre a folha de salá-rios) e o novo (incidência sobre a receita bruta).
Ao contrário do que muitos supuseram, a partir da introdução dessa nova regra em dezembro/2011 a lei não conferiu ao contribuinte liberdade alguma de optar entre manter-se no sistema antigo ou no novo. A adoção da nova regra é compulsória e vale desde 01.12.2011, ainda que resulte em agravamento dos custos tributários para muitos contribuintes!
5 – O pecado capital dessa alteração legal foi, assim, não ter dado ao empregador o direito de opção entre os dois sistemas. Ora, se a alteração vem sendo sistematicamente anunciada pelo governo e ecoada na mídia como uma desoneração introduzida para mitigação do custo Brasil, não faz sentido beneficiar alguns com a redução da carga tributária incidente sobre a folha e punir outros com o agravamento!!! Isso não é lógico. Exceto, claro, sob o aspecto arrecadatório, no caso de os contribuintes prejudicados com a nova regra terem sido chamados a custear, compulsoriamente, a perda de receita previdenciária cor-respondente à redução dos encargos para aqueles que foram beneficiados, o-riginariamente estimada à época da instituição da MP 540, em R$ 214 milhões para o ano de 2011 e R$ 1,43 bilhões em 2012.
6 – Entretanto, como aspectos financeiros situam-se no mundo dos elementos pré-jurídicos, são irrelevantes do ponto de vista estritamente jurídico. A inconstitucionalidade e ilegalidade estão presentes ao criar três categorias de empresas, distintas em razão das atividades que exercem e, mesmo dentre aquelas compelidas a adoção das novas regras, tratamento diferenciado entre elas impondo alíquota sobre a receita bruta mais gravosa para um setor que para outros!
7 – Destaque-se, a nova regra somente se aplica para algumas atividades de serviços e de industrialização. Não estão abrangidas, portanto, empresas do setor comercial, cuja Contribuição Social prossegue sendo calculada exclusivamente sobre a folha de salários. No caso de mais de uma atividade debaixo de um mesmo CNPJ, por exemplo, exercício de atividade industrial e comercial ou de serviços (atividades mistas), é obrigatória a proporcionalização a fim de determinação do percentual de receita da comercialização/serviço sobre o total da receita bruta. Nesse caso, apenas parte da receita bruta servirá de base para o cálculo da contribuição previdenciária patronal, recolhida na nova modalidade. As empresas nessa situação prosseguem recolhendo outra parte calculada sobre a folha de salários.
8 – Na época da promulgação da Lei 12.546 preparamos um Quadro Sinótico idealizado para medir as variáveis envolvidas, capazes de influenciar o impacto decorrente da nova regra, é dizer, majoração ou mitigação na carga tributária de cada empresa, a saber:
a) montante da folha de empregados;
b) volume de receita bruta de comercialização sobre a receita total, no caso de empresas com atividades mistas, por exemplo, indústria ou serviço que também possui comércio debaixo do mesmo CNPJ posto que, conforme sabido, apenas as atividades industrial e de serviços (TI e TIC) foram contempladas – no bom e no mal sentido, isto é, beneficiadas ou prejudicadas – pela nova regra.
9 – Fizemos a opção, ao preparar essa planilha, pela alíquota de 1,5% (a outra, como visto, era 2,5%). Dessa planilha extraímos a conclusão que o percentual de corte capaz de resultar em efeito zero para as duas variáveis, acima, era: a) folha de salários igual a 7,5% da receita bruta, e; b) 75% da receita bruta.
10 – Desse modo, analisando-se apenas a variável indicada em “a”, supra, suponha-se que a folha de pagamentos representava 7,5% da receita bruta antes da nova regra (Lei 12.546) e nesse patamar tenha prosseguido após sua promulgação. O efeito da nova regra é nulo. Suponha-se, por outro lado, uma hipótese em que a folha representava e represente, ainda, 10% da receita bruta. Nesse caso, há redução dos encargos, de modo que para essas empresas, passou a ser benéfica a nova regra. É óbvio que para as empresas que tinham e mantém uma folha de salários percentualmente maior sobre sua receita bruta, estas serão beneficiadas. Esse percentual de corte, conforme exposto acima, é de 7,5% (para o caso de empresas obrigadas a adoção da alíquota de 1,5% sobre a receita bruta). A afirmação contrária é também verdadeira, é dizer, se a folha representava qualquer percentual inferior a 7,5% e assim se manteve, as empresas nessa situação foram automaticamente prejudicadas.
11 – Analisando agora a variável indicada em “b”, supra, suponha-se empresa que congrega duas atividades, indústria e serviço ou comércio, e na qual a receita de revenda equivalha a 75% da receita total. Nesse caso, o efeito da nova lei é também nulo. Se essa relação percentual for inferior a 75%, as empresas nessa condição foram também beneficiadas pelo novo critério. O contrário também é verdadeiro.
12 – Como é que ficou isso na nova regra em que a alíquota foi reduzida em meio ponto percentual? Vamos pegar o caso de empresas que estavam obrigadas a adoção do percentual de 1,5%, agora reduzido para 1%. Nesses casos, o percentual de corte capaz de produzir efeito zero na carga tributária da empresa passou a ser: a) folha sobre a receita total igual a 5% (para as empresas tributadas a 2%, o corte é igual a 10%); b) receita de comercialização sobre a receita total igual a 50%.
13 – É claro que o percentual de 50% é assim determinado num cenário em que não seja considerada a variação na folha de salários, pois, se o for, o percentual de corte será outro, variável em cada caso. A propósito, vide o 2º Quadro Sinótico abaixo e confrontem-se ambas as colunas (1% e 2%). Por ali é possível confirmar que o percentual de corte somente se manteve em 50% no exemplo dado porque dobramos o valor da folha de salários.
14 – No caso da letra “a”, qualquer relação percentual superior a 5% implica em benefício e o contrário é verdadeiro. No caso da letra “b”, observado o alerta feito no parágrafo imediatamente antecedente, qualquer relação percentual inferior a 50% revela-se mais benéfica e o contrário é também verdadeiro.
15 – Para melhor ilustrar isto, vamos compor alguns exemplos em dois Quadros Sinóticos de fácil e rápida visualização.
16 – Como sabido, existem dois setores básicos abrangidos pela nova regra:
a) SETOR DE SERVIÇOS: Tecnologia da Informação (TI), Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e Callcenters;
b) SETOR INDUSTRIAL (INDUSTRIALIZAÇÃO). O critério utilizado para eleição dos setores foi a intensiva utilização de mão de obra, muitas vezes subcontratada ou atuando na informalidade sem registro funcional em carteira de trabalho.
17 – Com efeito, além da alteração promovida no percentual aplicável sobre a receita bruta, providência esta que alcança os dois setores sobremencionados (apenas variando as alíquotas da contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta, conforme retroexposto), também foi alterado o rol de atividades industriais abrangidas pela nova regra de modo que muitas atividades industriais foram agora incluídas.
18 – Um aspecto que tem gerado dúvidas excruciantes tem a ver com a vigência das alterações promovidas pela MP 563. A vigência das novas regras teve início em 01.08.2012 (MP 563, art. 54, § 2º). Desse modo, até 31.07.2012 permanecem em vigor as regras da Lei 12.546/11, inclusive e principalmente em relação às alíquotas nela previstas (1,5% e 2,5%).
19 – Um esclarecimento importante que ressalta da MP 563 é que, no período em que a empresa não contribuir para a Previdência Social com base na nova regra, isto é, prosseguir recolhendo a contribuição patronal com base na folha de salários, as contribuições previdenciárias previstas no art. 22 da Lei 8.212/91 incidirão sobre o 13º salário (Lei 12.546/11, art. 9º, § 3º, introduzido pela MP 563).
20 – Considerando que o objetivo da lei, isto é, desoneração da folha de salários não foi integralmente cumprido, muitos contribuintes que se sentiram prejudicados, mesmo após a redução da base de cálculo, de 1,5% para 1%, ou mesmo de 2,5% para 1,5%, estão ajuizando mandados de segurança contra essa nova exigência, cujo pecado capital foi não ter dado ao contribuinte o direito de optar entre a sistemática antiga e a nova, sendo-lhe vedado eleger entre elas uma ou outra quando mais benéfica no caso concreto. E fundamentos há, vários, de natureza constitucional e também infraconstitucional. Temos notícia de algumas decisões judiciais favoráveis aos contribuintes já estão sendo concedidas, principalmente no Rio Grande do Sul.
No caso de mais de uma atividade exercida debaixo de um mesmo CNPJ em que coexistam simultaneamente o comércio de produtos industrializados pela própria empresa e comércio de mercadorias adquiridas de terceiros, para efeito da proporcionalização aqui referida deve-se considerar como receitas relacionadas (da atividade comercial) e tributadas sobre a folha de pagamentos (20%) aquelas advindas da venda de mercadorias adquiridas de terceiros. As receitas oriundas do comércio de produtos fabricados pela própria empresa obviamente compõem, nesse cálculo, a parcela tributada pela receita bruta. E nem poderia ser diferente já que a única receita obtida pela indústria é aquela originada do comércio que faz dos produtos que industrializa, seja diretamente para comerciantes, seja para suas próprias lojas (se as tiver), ou ambos.
II – Empresas sem empregados ou empresas sem faturamento
21 – A base constitucional do financiamento para a Seguridade Social é:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equi-parada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro; (…)
§ 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obe-decido o disposto no art. 154, I.”
22 – O regime jurídico vigente para todas as empresas em geral, inclusive para aquelas alcançadas pela nova regra, encontra-se previsto no artigo 22, incisos I e III, da Lei 8.212/1991.
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços.”
23 – A MP 540/2011 foi convertida na Lei 12.546/2011, em vigor com as alterações da MP 563/2012, cuja redação que aqui interessa, dispõe:
“Art. 7º Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de dois por cento, as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, e as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Ativi-dades Econômicas (CNAE 2.0).
§ 1º Durante a vigência deste artigo, as empresas abrangidas pelo caput e pelos §§ 3º e 4º deste artigo não farão jus às reduções previstas no caput do art. 14 da Lei nº 11.774, de 2008.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a empresas que exerçam exclusivamente as atividades de representante, distribuidor ou revendedor de programas de computador.
(…).
Art. 9º Para fins do disposto nos arts. 7º e 8º desta Lei:
I – a receita bruta deve ser considerada sem o ajuste de que trata o inciso VIII do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976;
II – exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações;
III – a data de recolhimento das contribuições obedecerá ao disposto na alínea “b” do inciso I do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991;
IV – a União compensará o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da desoneração, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS); e
V – com relação às contribuições de que tratam os arts. 7º e 8º, as empresas continuam sujeitas ao cumprimento das demais obrigações previstas na legislação previdenciária.
§ 1º No caso de empresas que se dedicam a outras atividades, além das previstas nos arts. 7º e 8º, até 31 de dezem-bro de 2014, o cálculo da contribuição obedecerá:
I – ao disposto no caput desses artigos quanto à parcela da receita bruta correspondente às atividades neles referidas; e
II – ao disposto no art. 22 da Lei no 8.212, de 1991, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre a receita bruta de atividades não relacionadas aos serviços de que trata o caput e a receita bruta total.
§ 2º A compensação de que trata o inciso IV do caput será feita na forma regulamentada em ato conjunto da Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
§ 3º Relativamente aos períodos em que a empresa não contribuir nas formas instituídas pelos arts. 7º e 8º desta Lei, as contribuições previstas no art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, incidirão sobre o décimo terceiro salário.
Art. 10. Ato do Poder Executivo instituirá comissão tripartite com a finalidade de acompanhar e avaliar a implementação das medidas de que tratam os arts. 7º a 9º, formada por representantes dos trabalhadores e empresários dos setores econômicos neles indicados, bem como do Poder Executivo federal.
Parágrafo único. Os setores econômicos referidos nos arts. 7º e 8º serão representados na comissão tripartite de que trata o caput.
24 – Dentre os diversos métodos de financiamento da seguridade social existentes no mundo, o Brasil adotou o da contributividade, universalidade e solidariedade, segundo o qual todos os trabalhadores capazes de produzir riqueza com o seu trabalho contribuem para um fundo comum, o qual é utilizado para pagar os benefícios daqueles que se aposentam. Portanto, ao contrário de diversos países, como o Chile, em que cada trabalhador tem sua própria conta na Previdência Pública mais uma Previdência Privada, cujas contribuições são destinadas a prover os recursos em benefício do próprio trabalhador, no sistema brasileiro todos financiam a aposentadoria de todos.
25 – O princípio da solidariedade, criado pela doutrina jurídica e encampado pelo Supremo Tribunal Federal, implica em que todos devem contribuir para o financiamento da Seguridade Social, ainda que não tenham empregados. Essa tese foi por nós objeto de estudos publicados na Revista Dialética de Direito Tributário nº 52 de 2000 e levada ao Judiciário, tendo chego ao STF, quando então a Suprema Corte decidiu pela aplicação do tal princípio. Até então, vigorava o denominado princípio da referibilidade, segundo o qual a obrigação de contribuir para seguridade social deveria estar atrelada ao nexo entre a contribuição e o benefício direcionado para o trabalhador, cuja contribuição visava assegurar o futuro dele e assim, propiciar com sua satisfação, estímulos à produtividade, dentre outros benefícios.
26 – Portanto, o princípio da referibilidade não assegurava ganhos diretos para a empresa obrigada a contribuir para a Previdência Social, mas sim, indiretos e para seus empregados. Inexistentes empregados, não haveria obrigação de contribuir para a Previdência Social. Esse era o entendimento, a partir da nova Constituição Federal rechaçado pelo STF, quando então ganhou força o princípio da solidariedade.
27 – A discussão judicial em torno do princípio da referibilidade restringiu-se ao exame do PIS, COFINS e CSLL. Não se estendeu à contribuição previdenciária patronal pela simples razão de que a incidência desta é baseada na folha de salários e, se existente folha é porque, antes disso, existentes empregados. Como a referibilidade se justificava pelo fato de inexistência de empregados, daí porque jamais abrangeu a CPP.
28 – Entretanto, a própria Constituição Federal estabeleceu alguns parâmetros para a aplicação do regime de solidariedade. Esses serão melhor visualizados se decompostas as contribuições que financiam a Seguridade Social em razão de sua incidência.
29 – Nos termos do artigo 195 da CF, existem três espécies de contribuições cuja arrecadação é destinada ao financiamento da seguridade social:
a) Devidas pelo empregador, especificamente incidente sobre folha de salários (CF, art. 195, I, “a” c/c Lei 8.212/91, art. 22, I) – Contribuição Previdenciária patronal
b) Devidas pelo empregado, incidente sobre folha de salários (CF, art. 195, I, “a”c/c Lei 8.212/91, art. 20) – Contribuição Previdenciária empregado
c) Devidas pela empresa, incidente sobre receita ou faturamento (CF, art. 195, I, “b” c/c Lei 10.833/03) – Cofins
d) Devidas pela empresa, incidente sobre o lucro (CF, art. 195, I, “c” c/c LC 70/91) – CSLL
i) Os itens “a” e “b” são a mesma Contribuição Previdenciária, devidas pelo empregador e pelo empregado
ii) O PIS não está incluído nas alíneas acima porque ele não financia a Previdência Social, mas sim um fundo destinado ao seguro desemprego, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (CF, art. 239).
30 – Portanto, é possível perceber que enquanto a Contribuição Previdenciária (patronal e do empregado) é calculada sobre a folha de salários, a COFINS e a CSLL incidem sobre o faturamento e o lucro, respectivamente.
31 – Qualquer tributo, em cujo conceito se incluem as contribuições sociais, só pode ser exigido, portanto devido, sobre uma base de cálculo eleita pelo legislador, sem a qual ele não poderá ser exigido.
32 – A Lei 12.546 aqui analisada, versa exclusivamente sobre a contribuição previdenciária patronal. E quanto a essa, a regra está contemplada no art. 7º da Lei 12.546:
a) Vigorará até 31.12.2014
b) É calculada sobre a receita bruta
c) Substitui a Contribuição Previdenciária patronal prevista na Lei 8.212/91, art. 22, I e III
No caso de empresas do setor de TI ou TIC, prosseguirão recolhendo a Contribui-ção Previdenciária patronal calculada sobre a folha de salários nos casos em que exerçam exclusivamente as atividades de representante, distribuidor ou revendedor de programas de computador (Lei 12.546, art. 7º, § 2º).
33 – Observar que a MP 540, depois convertida na Lei 12.546, instituiu uma nova contribuição previdenciária patronal, incidente sobre a receita bruta. Entre-tanto, ela coexiste a par da Contribuição Previdenciária patronal calculada sobre a folha de salários. Tanto assim é que todas as empresas cujas atividades não foram arroladas em anexo à Lei 12.546 prosseguem recolhendo a Contribuição previdenciária patronal pela sistemática antiga, isto é, 20% sobre a fo-lha de salários. O mesmo vale para empresas que, inobstante arroladas na Lei 12.546, obtêm parte de suas receitas de outras atividades diversas de industrialização ou atividades específicas de TI e TIC, caso em que, em relação às atividades abrangidas pela Lei 12.546, recolhem a CPP calculada sobre a receita bruta e a parte não relacionada, sobre a folha de salários.
34 – Em resumo, a regra geral aplicável a todas as empresas prossegue sendo a incidência da CPP sobre a folha de salários à alíquota de 20%. A exceção, para aquelas empresas cujas atividades foram listadas na Lei 12.546, é o cálculo da CPP exclusivamente sobre a receita bruta ou, se atividades mistas, receita bruta + folha de salários.
35 – Cabe assim uma indagação – e essa é o objeto específico dos presentes estudos: se o sistema previdenciário público brasileiro é o da contributividade com solidariedade, como proceder em relação às empresas que, industriais ou prestadoras de serviços de TI ou TICC, não possuem empregados?
36 – Nesse caso, é preciso pôr atenção nas modalidades de contribuições cujo produto de sua arrecadação financia a Previdência Social e, dentre essas, aquelas cujas incidências recaem sobre a receita, o faturamento e o lucro. Essas estão, por força de entendimento do STF, sujeitas ao princípio da universalidade e solidariedade. A CPP, cuja base de cálculo é a folha de salários sobre a qual incide, não pode ser abrangida pelo tal princípio simplesmente porque, se inexistente folha de salários, não há base de cálculo, faltando assim um dos atributos da exigibilidade de qualquer tributo (impostos, taxas, contribuições, etc), sem o qual não é possível calculá-lo e recolhê-lo.
37 – Pode-se alegar, com justa razão, que agora, após a introdução da incidência sobre a receita bruta, tornou-se possível calcular a CPP mesmo para o caso de empresas sem empregados, bastando substituir a folha de salários pela receita bruta – é verdade! Entretanto, imperativo ficar claro que essa nova modalidade não extinguiu aquela calculada sobre a folha de salários, a qual, como aqui visto, prossegue sendo exigida de empresas cujas atividades não foram listadas pela Lei 12.546 ou, mesmo tendo sido, obtém receitas de outras atividades não arroladas pela nova lei.
38 – Todavia, em ambas as incidências, é dizer, sobre a folha de salários ou sobre a receita bruta, a natureza da exigência e a destinação do produto arrecadado prosseguem sendo as mesmas:
a) Contribuição Previdenciária patronal;
b) financiamento da Previdência Social. E Contribuição Previdenciária patronal pressupõe, obrigatoriamente, a figura do patrão, é dizer, empregador. É assim que diz a Lei 8.212/91, art. 22, I: a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social é de 20% sobre o total das remunerações pagas durante o mês aos empregados a título de remuneração pela prestação dos serviços empregatícios. E foi esse art. 22, I cuja contribuição passou a partir de 01.12.2011 a adotar por base de cálculo, também mas não apenas, a receita bruta (Lei 12.546, art. 7º).
39 – Só pode existir a figura do patrão, empregador, se houver empregado. Só pode haver incidência sobre folha de salários – ou em sua outra modalidade, receita bruta -, se houver folha de salários.
40 – Do exposto extrai-se as seguintes conclusões:
a) Todas as empresas em geral, com ou sem empregados, são obrigadas a contribuir para o financiamento da seguridade social, nas espécies COFINS e CSLL (e também PIS, embora a destinação dessa seja o FAT);
b) Todas as empresas, em geral, que tenham empregado registrado, portanto, folha de salários, prosseguem recolhendo a contribuição previdenciá-ria patronal prevista no art. 22, I e III da Lei 8.212.
c) Apenas as empresas cujas atividades estão arroladas na Lei 12.546, que tenham empregado registrado, tornaram-se obrigadas ao recolhimento da CPP sobre a receita bruta (eventualmente, receita bruta + folha de salários)
41 – Imperativo deixar claro que a lei elegeu dentre as atividades cuja base de cálculo passou a ser a receita bruta, aquelas nas quais a informalidade é mais acentuada. O objetivo do legislador foi forçar a empregabilidade, portanto estimular a formalidade. Ora, é sabido que as leis não têm o poder de, por si, transformar a realidade, exceto se preverem a aplicação de punição por seu descumprimento ou, se inexistente tal punição, oferecerem algum ganho.
42 – Nesse ponto pode parecer paradoxal a afirmação, o que merece esclarecimento: mais atrás foi mencionado que o grande pecado da Lei 12.546 foi não ter facultado ao contribuinte a opção entre a sistemática antiga e a atual, sendo exigível a partir de 01.01.2011 – já que justificou-se com o propósito de desonerar a folha de salários e, portanto, o custo Brasil, deveria ser opcional. Aqui, está dito que não previu punição por seu descumprimento. É necessário esclarecer que seu descumprimento implicará na aplicação de autos de infração e exigência de diferenças de CPP não recolhida ou aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória, se for o caso.
43 – O que não significa que todas as empresas que mantinham empregados na informalidade e assim prossigam após o advento da Lei 12.546, estarão sujei-tos à autuação com fundamento nela por não terem formalizado a relação de emprego. Existem duas maneiras de as empresas serem penalizadas por manterem empregos informais:
a) fiscalização trabalhista que detecte essa irregularidade;
b) reclamação trabalhista proposta pelo empregado prejudicado pela ausência de relação formal de emprego.
44 – Portanto, não é a nova lei que forçará a formalização da relação de empregos. Principalmente nos casos em que o mercado, há anos, se estruturou numa base informal como ocorre no caso de técnicos de TI e TIC, os quais optam por melhor remuneração ao invés de garantias de direitos trabalhistas. Cito o caso concreto de um fornecedor de bens e serviços de informática, que inclusive presta serviços de desenvolvimento de software para a administração pública, o qual após o advento da Lei 12.546 concluiu ser impossível forçar seus prestadores de serviços, todos constituídos na forma de pessoas jurídicas, a aceitarem substituir o status quo atual pela vinculação de emprego, porque se assim o fizer, jamais conseguirá preservar sua força de trabalho ou admitir novos prestadores ante a recusa destes em prestar seus serviços sob relação formal de emprego.
45 – A essa idêntica conclusão chegou o setor de vestuário em relação às costureiras que trabalham em suas residências para inúmeros fabricantes. Obviamente recusam-se a aceitar trabalhar para um único empregador, obrigando-se a destinar de duas a quatro horas diárias em transportes públicos no percurso residência-empresa-residência, reduzir suas remunerações, etc.
46 – Pelas mesmas razões e idênticos fundamentos, empresas que, submetidas ao novo regime de tributação, em determinados meses não tenham faturamento, no período em que não houver faturamento também não deverão recolher a CPP calculada, substitutivamente, sobre a folha de salários, já que a nova lei alterou a base de cálculo dessa Contribuição.
III – Conclusão
47 – Por todas as razões apresentadas, a conclusão é no sentido de que as empresas que não possuem empregados registrados devem contribuir para o financiamento da Seguridade Social mediante cálculo sobre a receita bruta apenas em relação ao PIS, COFINS e CSLL. Para a espécie Contribuição Previdenciária patronal somente deverão contribuir se houver folha de pagamento cuja incidência fica, no caso analisado, substituída pela incidência sobre a receita bruta.
48 – Portanto, faz total sentido abster-se de recolher a CPP sobre a receita bruta de empresa que não tem empregados porque o fisco previdenciário não tendo como exigir a CPP dessas empresas, não poderá autuá-las. Portanto elas prosseguirão obtendo CND nos casos em que participem de concorrências públicas. Se eventualmente vierem a ser impedidas de obter a CND, deverão buscá-la no Judiciário.
49 – Suponha-se que a empresa venha a ser autuada. Nesse caso, a discussão administrativa oferece enorme vantagem financeira sobre a qual aqui inexiste espaço para discutir.
50 – De modo que, não apenas em razão do ganho financeiro, mas sobretudo pelo risco que representa precedentes abertos pelo próprio contribuinte ao passar a realizar recolhimentos espontâneos mesmo nas situações em que inexistentes empregados registrados (portanto inexistente folha de salários), caso em que poderá estimular o fisco a exigir de todos as empresas que se encontrem em semelhante situação, desaconselhamos fortemente essa postura, sugerindo que a empresa aguarde uma fiscalização, caso em que, se autuada, deverá defender-se pela via administrativa e judicial. Essa parece-nos a melhor conduta porquanto a carga tributária, já suficientemente elevada, não precisa ser adicionalmente agravada apenas em nome da prevenção a riscos.
51 – Se o fisco entende ser devido tal recolhimento, ele que venha se manifestar formalmente nesse sentido. O fato é, não existe tributação sem prévia previsão legal (CF, art. 150, I, CTN, art. 97, I). E a hipótese objeto dos presentes es-tudos não se encontra expressa na lei, tampouco implícita ou subjacente, lembrando inexistir incidência tributária com base em analogia (CTN, art. 108, § 1º). Idêntica conclusão é aplicável no caso de empresas submetidas às novas regras e que em dados meses não tenham faturamento.
52 – O fato é que governo criou algo que não se sustenta juridicamente por não ter sido pensado juridicamente, mas apenas financeiramente, seja para reduzir os encargos da folha de salários de alguns e majorar a carga tributária de tantos outros que vêm buscando o Judiciário para sanar essa iniquidade.
Fonte: FISCOSoft
Site: Contabilidade SP