Com a edição do Parecer PGFN/CAT nº 202/2013, ficou consignado o entendimento segundo o qual a parcela da isenção do Imposto de Renda a que se refere o artigo 10 da Lei nº 9.249/95, que trata da distribuição de dividendos por pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, será aquela ajustada pelo Regime Tributário de Transição (“RTT”), conforme previsto no artigo 15 da Lei nº 11.941/2009.
A partir desse posicionamento do Fisco, a questão relativa à extensão da desoneração tratada pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95, concebida para estimular o empreendedorismo, foi reavivada, mas, agora, com novos contornos, senão vejamos.
Com o advento do Decreto-lei nº 1.598/77, ficou definida que a sistemática de tributação do Imposto de Renda teria como base a escrituração contábil realizada pelo contribuinte, conforme limites traçados pela Lei nº 6.404/76, ressalvando-se determinados ajustes impostos pela legislação fiscal.
Em termos práticos, por apresentar uma feição relativamente mais formalista na apuração dos resultados, apoiada, basicamente, nos critérios de dedutibilidade contemplados no artigo 299 do RIR/99, a legislação fiscal impõe a realização de determinadas adições ao Lucro Líquido do exercício, dentre as quais se incluem, por exemplo, os montantes relativos às provisões, excetuando-se aquelas constituídas para o pagamento de férias de empregados e de décimo terceiro salário, bem como as provisões técnicas das companhias de seguro, de capitalização e das entidades de previdência privada.
Por outro lado, há casos em que o resultado contábil é superior àquele determinado pela legislação fiscal, o que deverá levar à exclusão da respectiva receita contabilizada pelo contribuinte para fins de apuração do Lucro Real, como, por exemplo, o resultado relativo à variação cambial registrada pelo regime de competência antes do respectivo fechamento do câmbio.
Com efeito, na maioria dos casos, o resultado contábil, materializado no Lucro Líquido do exercício, será divergente do Lucro Real, base de cálculo do Imposto de Renda, cujos ajustes devem ser registrados na Parte A do LALUR.
No entanto, apesar da distinção entre essas bases, a isenção do Imposto de Renda sobre a distribuição dos lucros aos acionistas, conforme previsto no artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sempre observou o resultado contábil, e não aquele imposto pela legislação fiscal. É o que se depreende da redação do referido artigo:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Conforme se verifica na transcrição acima, a norma isentiva, ao estabelecer a base em relação a qual a parcela da distribuição de lucros ou dividendos estaria desonerada, não fez qualquer referência ao lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.
Tanto é assim que a própria Instrução Normativa nº 011, de 26 de dezembro de 1995, relativamente à pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, previu a incidência da desoneração aqui tratada também quanto à “parcela dos lucros ou dividendos que exceder o valor da base de cálculo do imposto” (§2º do art. 51).
Ou seja, mesmo que a parcela dos dividendos distribuídos supere, por exemplo, a presunção de lucratividade de 8% (oito por cento) aplicável à venda de mercadorias, há que se resguardar a integral incidência da regra de isenção prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/95.
Ocorre que, em nítida deturpação dos critérios e conceitos acima, sobreveio o indigitado Parecer PGFN/CAT nº 202/2013 limitando a parcela da isenção ao resultado contábil ajustado pelo RTT.
Com a edição da Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e, posteriormente, da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, as quais alteraram determinados dispositivos da Lei nº 6.404/76, instituiu-se a convergência dos padrões internacionais de contabilidade (IRFS) à realidade brasileira, privilegiando a essência sobre a forma.
Dentre os principais pontos a serem considerados sob essa nova ótica contábil, encontra-se o reconhecimento de novos itens no ativo, a exemplo das operações de arrendamento mercantil, a determinação de novos critérios de valores contábeis, como as propriedades de investimento avaliadas pelo Valor Justo, bem como os valores de depreciação e perdas por desvalorização a serem reconhecidas pelo critério econômico.
Outro ponto considerável decorre do Pronunciamento Técnico nº 12, de 5 de dezembro de 2008, que trata do ajuste a valor presente de elementos do ativo e do passivo das empresas.
Esclarece-se que a adoção do método de ajuste a valor presente tem por objetivo evidenciar o real montante de um ativo ou passivo, representado em um direito ou obrigação, deduzido das taxas embutidas em seu valor original, as quais deverão ser registradas, a depender do caso, como despesas ou receitas financeiras.
Por fim, mas não menos importante, destaca-se a alteração promovida no artigo 248 da Lei nº 6.404/76, que trata do Método de Equivalência Patrimonial, notadamente a supressão do percentual mínimo de 10% (dez por cento), no §1º de seu artigo 243, para que uma sociedade investida seja classificada como sendo coligada, bem como a inclusão da expressão “outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob controle comum” como critério definidor da incidência de tal método de avaliação de investimento.
Com efeito, houve um aumento considerável no universo de empresas que, agora, deverão adotar a Equivalência Patrimonial como método de avaliação de investimentos em outras empresas.
Diante disso, em decorrência dessas mudanças nos critérios contábeis de reconhecimento de receitas/despesas e, ainda, de tratamento de itens do ativo/passivo, houve, inexoravelmente, a alteração dos resultados que servem de base para a apuração de tributos, razão pela qual a Lei nº 11.941/2009 instituiu o RTT, que trata dos ajustes com o fim de buscar a neutralidade tributária.
Essa disposição encontra-se expressa no artigo 16 da referida lei, in verbis:
Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Destarte, com relação às empresas sujeitas ao RTT, as bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS levarão em conta a legislação fiscal atual subsumida aos critérios contábeis vigentes em 31/12/2007.
Percebe-se, portanto, que o verdadeiro escopo do RTT foi o de “congelar” a realidade contábil, mediante observância dos critérios vigentes em 31/12/2007, exclusivamente no que tange à apuração dos tributos pelas empresas.
Ocorre que, nos termos do referido Parecer PGFN/CAT nº 202/2013, a despeito dos efeitos da neutralidade tributária para fins de apuração dos tributos pelas empresas, caso a adoção desses novos critérios contábeis tenha implicado o aumento da base sobre a qual os dividendos foram distribuídos aos acionistas, não haverá a incidência da isenção prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/95 sobre esta respectiva parcela majorada.
Em consideração a essa premissa, tem-se que, relativamente à parcela da distribuição de dividendos derivada, por exemplo, dos resultados advindos da utilização do Método de Equivalência Patrimonial por empresa que, antes das alterações promovidas pelas Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09, não era obrigada a observá-lo, não incidiria a desoneração prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/95.
Assim, caso uma determinada empresa detenha, por exemplo, 5% (cinco por cento) da participação societária de outra sociedade que faça parte de um mesmo conglomerado, e que, por conta das alterações na legislação societária, passou a ser obrigada a adotar o Método de Equivalência Patrimonial, certamente haverá um descompasso na definição que qual parcela da distribuição dos lucros e dividendos estará isenta.
Em termos práticos, ainda em relação ao exemplo acima, na hipótese de a empresa investida ter acumulado lucros na ordem de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), justificando a apropriação de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) nos resultados contábeis da investidora, há que se resguardar a incidência da desoneração também em relação a essa parcela quando da posterior distribuição de dividendos.
Isso porque, nesse caso hipotético, apesar de o Lucro Real ter sido apurado mediante a exclusão, nos termos do artigo 389 do RIR/99, do resultado da Equivalência Patrimonial, a isenção dos dividendos, por estar apoiada no Lucro Líquido do exercício, poderá sim incidir sobre esta parcela.
Até seria possível admitir o entendimento disposto no Parecer PGFN/CAT nº 202/2013 caso a isenção acima tivesse como pressuposto a prévia tributação da parcela, em relação a qual os dividendos foram distribuídos, na pessoa jurídica investida.
No entanto, como acima abordado, esse nunca foi o critério admitido pela Receita Federal do Brasil, que, inclusive, por meio da Instrução Normativa nº 011/95, autorizava a incidência da isenção à parcela dos lucros ou dividendos que excediam o valor da base de cálculo do imposto.
E nem poderia ser de outra forma, pois a própria redação do artigo 10 da Lei nº 9.249/95 não deixa dúvidas de que os “resultados apurados” pelo contribuinte atinem o Lucro Líquido do exercício pela ótica contábil, isto é, sem a interferência das adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.
Verifica-se, portanto, que o Parecer PGFN/CAT nº 202/2013 amplia a incidência do RTT, concebido para fins de apuração dos tributos pelas empresas, limitando indevidamente a parcela da desoneração sobre a distribuição dos dividendos conforme critérios contábeis instituídos pelas Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09.
Ora, da mesma forma que a isenção não pode ser interpretada de maneira extensiva, conforme prevê o artigo 111 do Código Tributário Nacional, não há como se admitir qualquer supressão em seu conteúdo, tal como pretende fazer valer o Fisco por meio do Parecer PGFN/CAT nº 202/2013.
Conclui-se, portanto, que, inclusive em relação à parcela dos resultados integrados pelos novos critérios contábeis, incidirá a isenção do Imposto de Renda sobre a distribuição dos lucros e dividendos aos acionistas.
– Publicado pela FISCOSoft em 19/06/2013