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Não incidência do IPI nas operações de comodato interno de bens importados por não industriais

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Rogério Cesar Marques*

1 – Introdução

No presente estudo, insta traçar algumas breves considerações acerca da hipótese de incidência do IPI, verificando-se que para que haja a incidência do referido tributo, faz-se mister: (i) a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial, sendo que referida saída configura-se tão somente como o aspecto temporal da hipótese de incidência, não sendo apta, de per si, a fazer emergir a obrigação tributária entre Fisco e contribuinte; (ii) a transferência de titularidade sobre o referido bem, o qual necessariamente deve ser um produto que se submeteu a um processo de industrialização; e, (iii) a operação deve ser realizada por pessoa jurídica industrial ou a ela equiparada.

Estabelecidas as premissas referentes à hipótese de incidência, verificar-se-á a possibilidade de subsunção da operação de comodato celebrado por comerciante importador, de bem por ele importado, realizado no mercado interno, à hipótese de incidência do IPI legalmente prevista.

Verificar-se, pela dissecção da operação e seu confronto com a hipótese de incidência do referido tributo que não há a sua incidência uma vez que: (i) não há transferência de propriedade no comodato; (ii) o bem emprestado, embora de origem estrangeira, não se qualifica como produto industrializado; e (iii) impossibilidade de equiparação dos comodatários à industrial nas suas relações em tela, por mais que tenham como objeto bens de origem estrangeira.

2 – Hipótese de Incidência do IPI

Primeiramente, insta destacar que o entendimento que parece mais adequado, de acordo com a melhor doutrina tributária pátria, é a de refutar a expressão fato gerador, contida, tanto na Constituição Federal de 1988, quanto no Código Tributário Nacional.

Isto porque, conforme se pode verificar, tanto no texto constitucional, quanto no codex tributário pátrio, o termo fato gerador é um expressão ambígua, que pode referir-se, simultaneamente, tanto ao evento descrito na lei, quanto ao fato ocorrido no plano concreto, tal qual previsto no texto normativo.

Neste sentido, Roque Antônio Carrazza (01) afirma que, a expressão fato gerador:

“Isoladamente considerada, tanto pode designar os conceitos gerais e abstratos, veiculados por meio de lei, que compõem o pressuposto ou hipótese das normas jurídico-tributárias (descrição legislativa dos fatos ou situações que, verificados, farão nascer o tributo), como pode referir-se ao fato jurídico acontecido no tempo e no espaço a situação real de vida que realizou o tipo legal tributário e, bem por isso, fez nascer a obrigação tributária individualizada”, concluindo que “apenas no texto e no contexto é possível saber qual acepção a expressão “fato gerador” é utilizada” (02).

De tal sorte, seguir-se-á, no presente estudo, a terminologia adotada por Geraldo Ataliba (03), denominando-se: (i) hipótese de incidência para referir-se ao conceito legal contido na norma jurídica tributária, assim entendido como a descrição hipotética de um fato, estado ou conjunto de circunstâncias de fatos que, quando verificados no mundo fenomênico, dará ensejo a relação jurídica tributária; e, (ii) fato imponível, para referir-se ao fato efetivamente ocorrido no mundo dos fatos, que, subsumido a hipótese de incidência, gerará o vinculo entre o Fisco e o contribuinte.

Pois bem, definidas as premissas terminológicas, cumpre agora analisar a hipótese de incidência do IPI. De tal sorte, para se definir com segurança as materialidades possíveis do IPI, isto é, os fatos sobre os quais é permitido incidir este imposto federal, imperioso partir do pertinente texto da Constituição Federal, em especial do inciso IV, artigo 153, in verbis:

“Art. 153. Cabe à União instituir impostos sobre
(…)
IV – produtos industrializados.
(…)
§ 3º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.”

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho (04) afirma que:

“A Carta Fundamental traçou minuciosamente o campo e os limites da tributação, erigindo um feixe de princípios constitucionais com o fim de proteger os cidadãos de abusos do Estado na instituição e exigência de determinado pelo Texto Maior, observando tributos. Desse modo, o legislador, ao criar as figuras de exação, deve percorrer o caminho atentamente as diretrizes por ele eleitas” Prosseguindo o ilustre tributarista “esse peculiar modo de conceber os paradigmas constitucionais que sempre regeram as relações tributárias no Brasil foi anotado com riqueza de pormenor por Geraldo Ataliba, no seu clássico Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, obra insuperável que indica a necessidade premente de estabelecer-se o texto da constituição como patamar a partir do qual os processos interpretativos hão de desenvolver-se, para chegar ao sentido que o exegeta tem por bem atribuir ao material linguístico bruto do direito positivo” (05).

Por sua vez, ainda no que diz respeito ao desenho da hipótese de incidência do IPI, o artigo 46 do Código Tributário Nacional traz a seguinte disposição:

“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”

Analisando-se o artigo 153, IV, da Constituição Federal, somando com as disposições do artigo 46 do Código Tributário Nacional, verifica-se que possui a União Federal competência para tributar, via IPI, as seguintes 3 (três) operações jurídicas: (i) importação do exterior de produtos industrializados; (ii) arrematação de produtos industrializados abandonados ou apreendidos e levados à leilão; e, (iii) negócios jurídicos internos com produtos industrializados, translativos de sua propriedade.

Insta isolar as hipóteses de incidência, em seus respectivos aspectos, das 3 situações jurídicas que estão na competência da União Federal para instituir a tributação destas por meio do IPI.

Pela exegese dos dispositivos em questão, verifica-se que o aspecto material da hipótese de incidência do IPI é: (i) no que diz respeito às operações de importação, importar produto industrializado; (ii) no caso de arrematação, arrematar, em leilão, produto industrializado; e, (iii) quando se tratar de operações internas com produtos industrializados, dar azo à circulação de produtos os quais foram objetos de processo de industrialização.

No que diz respeito, por sua vez, a aspecto temporal do IPI, tem-se este corresponde à: (i) no que diz respeito às operações de importação, o momento do desembaraço aduaneiro; (ii) no caso de arrematação, no momento de sua ocorrência; e, (iii) e nas operações de circulação interna de produtos industrializados, no momento da saída deste produto do estabelecimento industrial, ou a ele equiparado.

O aspecto espacial deste imposto é: (i) em se tratando de operações de importação, as repartições alfandegárias competentes para a realização do desembaraço aduaneiro; (ii) em se tratando de arrematação, local da realização do leilão; e, (iii) em se tratando de operações internas com produtos industrializados, qualquer lugar do território nacional.

Ocorrido o fato imponível, a relação jurídica tributária se dará entre o Fisco federal, como sujeito ativo e, como sujeito passivo, a depender do caso: (i) no caso de importação, o importador; (ii) no caso de arrematação, o arrematante; (iii) e no caso de operações de circulação interna de produtos industrializados, o industrial ou a ele equiparado.

Por sua vez, o aspecto quantitativo é composto pela base de cálculo e da alíquota. A base de cálculo é tido como elemento primordial dentro da hipótese de incidência em razão do fato de se referir ao quantum do aspecto material que se pretende tributar, sendo de fundamental importância para a identificação do tipo tributário. Neste sentido, Roque Antônio Carrazza (06) afirma que:

“A base de cálculo dá critérios para a mensuração correta do aspecto material da hipótese de incidência tributária” concluindo que “seve não só para medir a matéria tributável, como para determinar – tanto quanto a hipótese de incidência – modalidade do tributo que será exigido do contribuinte” (07).

Pois bem, remetendo esta ideia para o IPI, tem-se que a base de cálculo deste imposto é o valor da operação, quer seja da importação, da arrematação e da comercialização do produto industrializado.

Por fim, a alíquota deste imposto é definida variável, encontrando-se na Tabela de Incidência do IPI (TIPI) – aprovada pelo Decreto nº 6006/06, a qual tem por base a Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM. Insta destacar que tais alíquotas devem ser seletiva em função da essencialidade do produto, tal qual estabelecido no artigo 153, parágrafo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

3 – O fato imponível do IPI – Análise semântica da “saída do produto do estabelecimento industrial”

Verificou-se que uma das situações eleita pelo legislador para compor o aspecto material do IPI diz respeito à saída do produto do estabelecimento industrial. Nesta situação, para que se verifique o fato previsto na hipótese de incidência do IPI, implica o fato de um determinado contribuinte industrializar produto e impulsioná-lo para fora do estabelecimento produtor, mediante operação que implique a transferência de sua propriedade.

Neste sentido, insta destacar o posicionamento de Geraldo Ataliba discorre com precisão cirúrgica sobre esta sua hipótese de incidência dizendo que o IPI incide sobre:

“(…) o fato de um produto, sendo industrializado, sair de estabelecimento produtor, em razão de um negócio jurídico translativo da posse ou da propriedade do mesmo (…) a essência da materialidade da hipótese de incidência do IPI está na dinâmica, em si, do fato de o produto sair de uma origem juridicamente qualificada: o “estabelecimento”, onde ocorre o processo concreto (conjunto de operações mecânico-físicas) que redundou no produto final” (08).

Ou seja, para se consumar o fato imponível do IPI, faz-se mister que haja a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial, sendo que referida saída configura-se tão somente como o aspecto temporal da hipótese de incidência, não sendo apta, de per si, a fazer emergir a obrigação tributária entre Fisco e contribuinte. Deve-se, também, neste caso, haver a transferência de titularidade sobre o referido bem, o qual necessariamente deve ser um produto que se submeteu a um processo de industrialização, realizado por pessoa jurídica industrial ou a ela equiparada. Em não se verificando estes três requisitos, não há o que se falar em incidência do IPI.

Na hipótese ora analisada, não pode haver a tributação pela referida exação em razão de que: (i) o fato jurídico em questão se faz estranho à materialidade prevista na hipótese de incidência do IPI; (ii) o bem objeto do comodato não pode ser classificado como produto, mas sim como um bem do seu ativo permanente; (iii) o comerciante importador não pode ser equiparado a industrial, vez que não estão presentes os requisitos básicos para tal, se tratando, em verdade, de um caso de ficção inidônea a possibilitas a incidência do IPI nestas situações. A seguir serão analisados, de forma mais detalhada, as três razões ora citadas.

4 – Não incidência do IPI nas operações de comodato por empresa importadora – Fato jurídico estranho à hipótese de incidência do IPI

Não há a incidência do IPI nas operações de comodato por se tratar de fato jurídico estranho à hipótese de incidência deste imposto, sendo que, para que haja a ocorrência de seu fato imponível, deve haver a transferência de titularidade.

Para que haja a ocorrência do fato imponível do IPI, mister se faz que verifique-se, no plano concreto, a ocorrência da situação hipotética descrita na hipótese de incidência, com a consecução de todos os aspectos ali previsto. Desta feita, em não havendo a transferência de propriedade, não há o que se falar em ocorrência, no mundo dos fatos, do aspecto material da hipótese de incidência do IPI, não havendo, por via de consequência, o surgimento da obrigação tributária.

Neste sentido, cumpre destacar os ensinamentos de José Eduardo Soares de Melo, que afirma que:

“(…) o empréstimo gratuito de coisas de coisas não fungíveis (os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade) – que caracteriza comodato (CC, art. 579) – não tipifica operações sujeitas ao IPI” (09).

Isto porque, insta destacar que comodato não importa a transferência de propriedade do bem para o comodatário, como bem lembra a doutrina de Arnoldo Wald (10), segundo o qual:

“O comodato consiste na cessão gratuita e temporária da utilização de coisa infungível. (…) Pode abranger a cessão de uso e gozo, devendo necessariamente ser gratuita, porque, se onerosa fosse, passaria a ser locação de coisa. é contrato temporário e não transfere a propriedade da coisa. A transferência gratuita da propriedade de um bem constitui doação (…)”.

Pois bem, para que o fato jurídico em questão corresponda a hipótese de incidência do IPI, sendo indispensável a existência de um negócio jurídico capaz de transferir sua propriedade, como o é, por exemplo, uma compra e venda. Em não havendo a transferência de propriedade do bem cedido em comodato para os comodatários, a incidência do IPI nestas relações de comodato se configura indevida.

Não há um posicionamento específico dos Tribunais superiores acerca deste caso, contudo, em caso semelhante, no que diz respeito à incidência do ICMS, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou entendimento por meio de sua Súmula nº 573 (11):

“Não constitui fato gerador do imposto de circulação de mercadorias a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato”

5 – Não incidência do IPI nas operações de comodato por empresa importadora – Da não configuração do bem cedido em comodato como produto

Outro impedimento que pode surgir quanto à incidência do IPI nos casos como o ora analisados, é que os bens cedidos em comodato não se configuram como produto ou mercadoria, mais sim pertencentes ao seu ativo imobilizado, não se qualifica como um produto, muito menos, por conseguinte, como industrializado.

Acerca desta questão, cumpre mencionar o posicionamento de José Eduardo Soares de Melo (12), segundo o qual:

“O conceito de industrialização de um bem constitui atividade imprescindível para cogitar da existência concreta do fato gerador do IPI”.

O conceito de “produto industrializado”, pois, remete a ideia de mercadoria após um processo de industrialização, assim entendida esta, a industrialização, como qualquer operação que lhe modifique natureza, a finalidade ou a aperfeiçoe para o consumo (art. 46, parágrafo único, do Código Tributário Nacional).

A rigor, então, antes de produto, o bem é uma mercadoria, a teor do que já vislumbrara, pela proximidade estrutural entre IPI e ICMS, a doutrina de Eduardo Botallo (13), o qual afirma que:

“Em rigor, o IPI e o ICMS distinguem-se tão-somente pelo fato de o primeiro pressupor uma operação de industrialização, da qual resultará a mercadoria, a ser posta em comércio”.

Agora, se todo produto é uma mercadoria, por certo os bens do ativo imobilizado da não podem com ele ser confundido. É que os bens classificados dentro do ativo imobilizado caracterizam-se pela permanência no universo de bens da empresa, ao passo que as mercadorias e os produtos são marcados, sempre, pela nota da transitoriedade dentro da atividade empresarial.

Vale registrar que a distinção entre bens do ativo imobilizado e mercadorias/produtos é obtida do próprio artigo 179 da Lei nº 6.404/76, de acordo com o qual pertencem ao imobilizado. Neste sentido, insta destacar o posicionamento de Sergio de Iudícibus, et alli (14), segundo o qual:

“Todos os bens de permanência duradoura, destinados ao funcionamento normal da sociedade e de seu empreendimento, assim como os direitos exercidos com essa finalidade”.

Esta diferença também já foi apontada por José Eduardo Soares de Melo (15), segundo o qual:

“As mercadorias representam basicamente bens corpóreos da atividade mercantil do produtor, industrial ou comerciante, tendo por objeto a distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil. (…) os bens do ativo imobilizado (fixo ou permanente) revestem natureza distinta de mercadoria, porque, na linguagem contábil, identificam o agrupamento de contas onde se registram recursos investidos em direitos que tenham por objeto bens necessários à exploração do objeto social (capital fixo)”.

Portanto, não se deve confundir os bens cedidos em determinada operação, bens do ativo imobilizado que são – com produtos, e tendo em mira que o IPI somente pode onerar “a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial” (RIPI, art. 34, II), tem-se também por essa razão a não-incidência do IPI nas relações de comodato.

6 – Não incidência do IPI nas operações de comodato por empresa importadora – impossibilidade de equiparação a industrial nas operações de comodato

A terceira e última razão que também impede a tributação pelo IPI das relações de comodato é a impossibilidade jurídica de ser ela equiparada a industrial nesta operação.

Conforme mencionado, o sujeito passivo do IPI, conforme o aspecto pessoal de sua hipótese de incidência, é: (i) no caso de importação, o próprio importador; (ii) no caso de arrematação, o arrematante; (iii) e no caso de operações de circulação interna de produtos industrializados, o industrial ou a ele equiparado.

Verifica-se, de tal sorte, que pode haver, via equiparação, a incidência do IPI em operações realizadas por não industriais, conforme artigo 51 do Código Tributário Nacional, in verbis:

“Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I – o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes
definidos no inciso anterior;
IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.”

Destaque-se que o fato de determinada empresa importar produtos de origem estrangeira autoriza sua equiparação a industrial somente para exigir o IPI na entrada do bem em território nacional, haja vista a necessidade de se manter (i) em iguais condições o industrial-importador e o comerciante-importador e, com isso, (ii) a competitividade no mercado interno brasileiro.

Com base nestes preceitos, a equiparação a industrial na importação de bens do exterior para fins de pagamento do IPI-importação é aceita pela Constituição Federal e colhe aprovação da mais abalizada doutrina pátria, conforme verifica-se no trecho abaixo transcrito de Mizabel Derzi (16):

“(…) a incidência de tributos como o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de circulação de mercadorias e serviços (ICMS) na importação não tem nenhum objetivo protecionista, mas é fenômeno necessário de isonomia e de equidade. É que, já vimos, a norma adotada no mercado internacional é aquela de desoneração das exportações, de tal modo que os produtos e serviços importados chegam ao país do destino livres de todo imposto. Seria agressivo à regra da livre concorrência e aos interesses nacionais pôr imposição desfavorável à produção nacional, que sofre a incidência do IPI e do ICMS.
(…) A tributação da importação por meio do IPI (e do ICMS), é regra geral, quer estejamos falando de mercados abertos ou fechados”

O mesmo, no entanto, não ocorre com a equiparação a industrial na operação interna com bens importados que não seja precedida de qualquer operação que lhes modifique a natureza, a finalidade ou os aperfeiçoe para o consumo, tal como a revenda de uma mercadoria importada ou, lembrando este caso concreto, o comodato de um bem importado.

Segundo bem adverte Hugo de Brito Machado (17), para que seja possível se equipar a industrial uma empresa é:

“Imprescindível a existência de alguma relação entre o industrial por equiparação legal e a hipótese de incidência do imposto”.

No comodato de um bem importado não há qualquer resquício de industrialização, pelo que não deve incidir o IPI nem mesmo por equiparação, sob pena de se exigir imposto com base em ficções legais, em analogias, o que é expressamente proibido pelo §1º do artigo 107 do Código Tributário Nacional, que determina que:

“O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de um tributo não previsto em lei”.

Além disso, deve-se destacar o fato de que a exigência de IPI nestes casos está em inobservância ao princípio insculpido no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal de 1988, na medida em impõe tratamento desigual para comerciantes que se encontram exatamente na mesma situação jurídica: o que revende produtos importados e que revende produtos adquiridos no mercado nacional.

É que o primeiro comerciante, além do IPI na importação, será compelido ao pagamento do IPI na revenda do seu produto (duas incidências), tendo o seu produto mais onerado ao passo que o segundo terá o IPI destacado na aquisição, mas não o terá na saída da mercadoria (uma incidência).

Não foi por outra razão, aliás, que o Superior Tribunal Justiça decidiu, recentemente, no Recurso Especial 841.269/BA (18), ser inviável a incidência do IPI na revenda de mercadoria importadora. Confira-se:

“EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO.
I – O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II – Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
III – Recurso especial provido.”

De tal forma, segundo bem exposto por Eduardo Botallo (19):

“O comerciante importador não submete produtos a processo de industrialização; tampouco, prática atos visando uma disponibilização no mercado interno, eis que isso já ocorreu ao ensejo do desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas. (…) como se vê, nem instrumentalmente, nem finalisticamente, suas atividades, no mercado interno, podem ser identificadas como típicas de um industrial” arrematando que nestes casos “não estão reunidos os elementos necessários e suficientes para que ocorra a equiparação, único fenômeno jurídico que pode render ensejo à tributação por meio de IPI, a quem, no rigor dos fatos, não é industrial” (20).

De tal sorte, nestes casos, não estar-se-ia diante de uma situação de equiparação, mas sim de ficção, não possibilitando a incidência do IPI.

Acerca da distinção entre equiparação e ficção, cita-se o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (21), segundo o qual:

“A equiparação afirma uma igualdade, desprezando desigualdades secundárias, enquanto na ficção afirma uma desigualdade essencial, não obstante, a uma igualação”.

Neste sentido, cita-se novamente o posicionamento de Eduardo Botallo (22), segundo o qual, nos casos como o ora analisado:

“O que há, sim, é uma ficção, inidônea a possibilitar a incidência do IPI, para quem não sendo industrial (nem podendo ser validamente a ele equiparado), revende produtos impostados. (…) considerar tal ficção modalidade de equiparação autorizada pelo CTN, implica atribuir tratamento igual, a situações diferentes, levando em conta apenas semelhanças secundária que elas eventualmente possam apresentar”.

No mesmo sentido, corroborando o entendimento ora defendido, pode-se citar os José Eduardo Soares de Melo (23), segundo o qual:

“São inaceitáveis os mecanismos engendrados pelo legislador com a finalidade de obter a liquidação do tributo por pessoas estranhas à realização da industrialização, em razão do que o elenco dos contribuintes não pode ser ampliado de modo a permitir a exigência tributária fora dos parâmetros constitucionais” arrematando “somente poderia ser equipara da a industrial pessoa que realiza industrialização” (24).

7 – Conclusão

Conforme exposto no presente estudo, verifica-se que para que haja a incidência do IPI, faz-se mister: (i) a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial, sendo que referida saída configura-se tão somente como o aspecto temporal da hipótese de incidência, não sendo apta, de per si, a fazer emergir a obrigação tributária entre Fisco e contribuinte; (ii) a transferência de titularidade sobre o referido bem, o qual necessariamente deve ser um produto que se submeteu a um processo de industrialização; e, (iii) a operação deve ser realizada por pessoa jurídica industrial ou a ela equiparada.

Desta feita, não há a incidência do IPI nas operações ora analisadas, uma vez que decorrem das relações de comodato firmadas entre importador não industrial com terceiros, tendo por objeto o empréstimo de bens de origem estrangeira, integrantes do seu ativo imobilizado e que não há como se admitir a incidência deste imposto federal sobre estas relações, uma vez que: (i) não há transferência de propriedade no comodato; (ii) o bem emprestado, embora de origem estrangeira, não se qualifica como produto industrializado; e (iii) impossibilidade de equiparação dos comodatários à industrial nas suas relações em tela, por mais que tenham como objeto bens de origem estrangeira.

8 – Bibliografia

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WALD, Arnoldo. Direito Civil. Contratos em espécie. 19ª Edição, Volume III. São Paulo: Saraiva 2009.

Notas

(01) CARRAZZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, pp. 9 e 10.

(02) CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit. pp. 9 e 10.

(03) ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição, 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 54.

(04) CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 228 e 231.

(05) CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 228 e 231.

(06) CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit. p. 167.

(07) CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit. p. 167.

(08) ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária do IPI, Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p.3.

(09) MELO, José Eduardo Sores de. IPI – Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 57.

(10) Supremo Tribunal Federal, Súmula nº 573, Sessão Plenária de 15.12.76, DJ de 03.01.77, p. 4.

(11) WALD, Arnoldo. Direito Civil. Contratos em espécie. 19ª Edição, Volume III. São Paulo: Saraiva 2009, p. 190.

(12) MELO, José Eduardo Sores de.Op. cit, p. 73.

(13) BOTALLO, Eduardo. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 39.

(14) IUDÍCIBUS, Sérgio, et ali. Manual de Sociedade por Ações (Aplicável às Demais Sociedades), FIPECAFI, 5a. ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 182.

(15) MELO, José Eduardo Sores de. Aspectos Teóricos e Práticos do ISS. 4ª edição. São Paulo: Dialética, 2000, pp. 38 a 40.

(16) DERZI, Mizabel. Notas ao livro Direito Tributário Brasileiro, de Aliomar Balieiro, 11ª ed. Forense. Rio de Janeiro: 2002, p. 341.

(17) MACHADO, Hugo de Brito. Comentário ao Código Tributário Nacional, v. I. São Paulo: Atlas. 2003, p. 512.

(18) REsp 841269/BA, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 28/11/2006, DJ 14/12/2006, p. 298.

(19) BOTALLO, Eduardo. Op. cit., p. 24.

(20) BOTALLO, Eduardo. Op. cit., p. 25.

(21) JUNIOR, Tercio Sampaio Ferraz. Equiparação – Código Tributário Nacional, art. 151 in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas vol 28, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 11.

(22) BOTALLO, Eduardo. Op. cit., p. 25.

(23) MELO, José Eduardo Sores de. Op. cit, p. 27.

(24) MELO, José Eduardo Sores de. Op. cit, p. 27.

– Publicado pela FISCOSoft em 22/11/2012

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