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Prequestionamento em matéria tributária: análise crítica (primeira parte)

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por Andrei Pitten Velloso

O prequestionamento constitui requisito inafastável ao conhecimento dos recursos ditos excepcionais. Não encontra previsão legislativa. Decorre de construção pretoriana, assentada nos dispositivos constitucionais que atribuem ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça o mister de julgar, mediante recurso extraordinário ou especial, as “causas decididas em única ou última instância” (arts. 102, III, e 105, III).

Lê-se a expressão “causas decididas” como “questões decididas”, vinculando-se, por consequência, o âmbito de cognição dos recursos excepcionais às questões jurídicas enfrentadas no acórdão a quo. Não compete ao STF e ao STJ apreciar questões inéditas no processo.

O prequestionamento pressupõe, em regra, manifestação das partes. Pressupõe-na, mas não se confunde com ela. Concerne à decisão judicial. Diz-se prequestionada a questão decidida, não a meramente suscitada pelas partes.

Há distintas formas de prequestionamento – e somente algumas suprem o requisito de cognoscibilidade. A doutrina majoritária alude ao prequestionamento: i) implícito, verificado quando a decisão não enfrenta a questão jurídica, limitando-se a acolher solução contrária aos interesses da parte; ii) ficto, quando, na hipótese precedente, a parte opõe embargos prequestionadores, mas estes não são providos; iii) expresso, caracterizado pelo enfrentamento direto da questão jurídica; e iv) numérico, que sucede quando há expressa referência ao dispositivo constitucional ou legal controvertido.

Numa ação em que a parte sustenta, por exemplo, ser indevida a incidência do Imposto de Renda sobre o abono de permanência (art. 40, § 19, da CF), por se tratar de verba indenizatória, não caracterizando renda ou proventos de qualquer natureza, razão pela qual a cobrança implicaria ofensa ao conceito constitucional de renda (art. 153, III) e ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o Tribunal de origem pode rejeitar a pretensão aludindo que nada obsta a incidência do Imposto de Renda (p. implícito), haja vista o abono de permanência não ostentar caráter indenizatório, mas remuneratório, e o seu recebimento evidenciar capacidade contributiva (p. expresso), de modo que a cobrança não viola os arts. 145, § 1º, e 153, III, da CF (p. numérico).

O ideal é que haja enfrentamento da questão jurídica com referência expressa aos dispositivos jurídicos correlatos (p. expresso e numérico). Contudo, segundo a jurisprudência predominante a indicação dos preceitos jurídicos é dispensável, sempre que a questão controvertida tenha sido efetivamente apreciada (p. expresso). A recíproca, porém, não é verdadeira. A mera enumeração de dispositivos constitucionais ou legais (p. numérico) não basta. Com maior razão, o dito prequestionamento implícito não supre o pressuposto de cognoscibilidade. É imprescindível que haja decisão acerca da questão jurídica, nos termos da Súmula 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

A grande dificuldade que se impõe às partes decorre do fato de o prequestionamento, requisito inafastável à apreciação da causa pelos Tribunais Superiores, não estar sob o seu total controle. Trata-se, afinal, do fruto de uma atuação concertada entre as partes e os julgadores. Aquelas têm de suscitar a questão jurídica, preferencialmente desde a primeira oportunidade que tenham para fazê-lo. Estes devem enfrentá-la, sempre que seja relevante para o deslinde da controvérsia e se revista de um mínimo de plausibilidade.

Se a questão suscitada não for apreciada pelo Tribunal de apelação, incumbe à parte opor embargos declaratórios para que o seja. Trata-se dos embargos alcunhados de “prequestionadores”, consagrados pela Súmula 98 do STJ, que preceitua: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”.

Chegamos, assim, ao grande problema. Como proceder quando, a despeito da oposição dos aclaratórios, a omissão persiste?

No Superior Tribunal de Justiça, a orientação é clara. Reputa-se imprescindível a análise direta, pelo Tribunal de origem, da questão ventilada no recurso especial. Consectariamente, não se admite o prequestionamento ficto, decorrente da oposição de embargos de declaração não conhecidos ou improvidos: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (Súmula 211 do STJ).

Destarte, negado provimento aos aclaratórios, a parte deverá interpor recurso especial suscitando nulidade por violação do art. 535, II, do CPC. Para tanto, haverá de demonstrar: i) ter sido a questão tratada anteriormente ou se tratar de questão de ordem pública; ii) ser a tese omitida fundamental à conclusão do julgado, alterando-a, caso acolhida; iii) a interposição dos EDs; iv) não haver outro fundamento autônomo, apto a manter o acórdão (2ª Turma, AgRg no REsp 1.204.604, 6.2012). Após a reforma do art. 544 do CPC, por força da qual os agravos contra decisões de não admissão dos recursos extraordinário ou especial na origem passaram a ser interpostos nos próprios autos, tornou-se despicienda a juntada de cópias comprovando a alegação prévia da questão jurídica e a interposição dos aclaratórios, de modo que o decisivo passou a ser a demonstração da omissão do julgado.

Entende-se, porém, não estarem os Tribunais obrigados a apreciar todas as questões jurídicas suscitadas pelas partes, bastando, para afastar-se a pecha de nulidade, a fundamentação adequada da decisão.

Conjugando-se esses dois entendimentos, chegamos a situações paradoxais, em que a parte suscita a questão jurídica em todas as suas manifestações no processo, o Tribunal de origem não a aprecia no julgamento do apelo e sequer nos embargos declaratórios e, interposto recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça afasta a alegação de nulidade do acórdão, por violação do art. 535, II, do CPC, visto estar a decisão devidamente fundamentada, e, na sequência, não conhece da irresignação da parte quanto ao mérito, por falta de prequestionamento.

Das duas, uma: ou o acórdão não é omisso e a questão jurídica foi prequestionada; ou há efetiva omissão, a impor a complementação do julgamento. Não há como se falar em fundamentação adequada e inexistência de prequestionamento (contra: AgRg no AREsp 58.931, j. em 2.2.2012), a menos que a questão jurídica seja visivelmente descabida ou irrelevante. Se for pertinente e apta a modificar a conclusão do julgado, tem de ser enfrentada.

No Supremo Tribunal Federal, a orientação aparenta ser clara, mas não é.

A Corte rechaça o prequestionamento implícito e, à primeira vista, acolhe o ficto, pelo que se infere da Súmula STF 282, interpretada a contrario sensu: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Logo, o ponto omisso da decisão poderia ser objeto de recurso extraordinário, contanto que a parte se desincumba do seu ônus de opor os aclaratórios.

Essa posição já foi perfilhada pelo Alto Tribunal, com fulcro na concepção de que, se a parte ventilou previamente a questão constitucional e opôs embargos de declaração para que a omissão do acórdão fosse suprida, nada mais lhe poderia ser exigido, de modo que estaria aberta a via extraordinária.

Existem, contudo, decisões dissonantes, que não formam uma jurisprudência robusta, mas evidenciam a tendência da Suprema Corte de rejeitar o prequestionamento ficto. Conferir, a propósito, 1ª Turma, AI 495.485 AgR, rel. Min. Marco Aurélio, 6.2012; 2ª Turma, AI 689.706 AgR-ED, rel. Min. Ellen Gracie, 4.2011.

Frente a esse entendimento, a parte deveria prequestionar, na origem, a violação do devido processo legal, da ampla defesa e do dever de fundamentação das decisões judiciais (arts. 5º, LIV e LV, 93, IX, da CF) e, posteriormente, pleitear a anulação do acórdão a quo no apelo extremo.

No entanto, não se costuma reconhecer a nulidade do acórdão a quo, salvo casos teratológicos, em que a fundamentação acolhida seja flagrantemente insuficiente para resolver a lide, malferindo o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF).

Por consequência, repetem-se, na Suprema Corte, as situações paradoxais verificadas no Superior Tribunal, em que se refuta a alegação de nulidade do acórdão omisso e também o prequestionamento da matéria, levando ao não conhecimento de inúmeros recursos extraordinários.

Esse contexto denota uma jurisprudência defensiva, que trata o prequestionamento como um filtro à enxurrada de recursos excepcionais que sobrecarregam os Tribunais Superiores. Impõe-se um ônus exagerado às partes, que, não raro, constitui obstáculo intransponível à reforma de decisões ofensivas à Lei Maior ou às leis federais brasileiras.

Esse quadro tem de ser superado. O prequestionamento não pode ser utilizado como um filtro recursal, um instrumento vocacionado a reduzir as estatísticas dos Tribunais Superiores. Os filtros consagrados pelo nosso ordenamento jurídico são outros: a repercussão geral no STF e a sistemática dos recursos repetitivos no STJ.

O prequestionamento tem de ser visto e tratado como um requisito efetivamente imprescindível à apreciação da questão jurídica, que não impõe senão um ônus razoável e factível às partes. Somente assim se chegará a uma jurisprudência efetiva e isonômica, que assegure a primazia do Direito e garanta a igualdade na aplicação das leis.