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Prequestionamento em matéria tributária: análise crítica (segunda parte)

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03/01/2013 por Andrei Pitten Velloso

Na edição passada, tratei dos aspectos gerais do prequestionamento. Neste artigo, enfocarei situações específicas que merecem especial atenção dos advogados, ilustrando-as com exemplos tributários, bem como as implicações da novel sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos frente ao requisito do prequestionamento.

Duas situações merecem destaque, atinentes às teses autônomas que sustentam o mesmo pleito e às questões jurídicas específicas, sucessivas às principais.

Iniciemos pelas teses autônomas a sustentar o mesmo pleito. Num caso paradigmático, a Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais ajuizou ação postulando o reconhecimento de imunidade tributária, sob a alegação de estar tutelada pela imunidade tributária recíproca (concedida às pessoas constitucionais, às suas autarquias e às fundações públicas), constante na alínea a do art. 150, VI, da CF, por integrar a estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil. Esse pleito fora acolhido pelo Tribunal a quo, mas restou negado por decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, assentada em precedentes da Corte. Irresignada, a parte interpôs embargos de declaração, recebidos como agravo regimental, alegando ter direito à imunidade tributária recíproca ou, ao menos, à imunidade das entidades de assistência social, prevista na alínea c do art. 150, VI. Ao julgá-lo, a Segunda Turma manteve o entendimento quanto à imunidade da alínea a e não conheceu da tese pertinente à imunidade da alínea c, porquanto não fora prequestionada – e sequer suscitada em embargos de declaração ou nas contrarrazões do apelo extremo (RE 405.267 ED, 4.2012). Portanto, é recomendável que a parte suscite e prequestione cada uma delas, fundamentadamente, sob pena de restar inviabilizado o acesso às instâncias superiores.

Também as questões jurídicas específicas, sucessivas às principais, devem ser prequestionadas ou, no mínimo, ventiladas oportunamente.

Um exemplo interessante é a tese da inconstitucionalidade da incidência da COFINS sobre a receita da venda de imóveis no período anterior à EC 20/1998. Alega-se ser inconstitucional a cobrança porque: i) a ampliação da base de cálculo estabelecida pelo art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/1998, que passou a englobar a totalidade da receita bruta das empresas, é inconstitucional, porquanto a Carta Constitucional, em sua redação original, somente autorizava a incidência da contribuição sobre o “faturamento” (art. 195, I), entendido, pela tradicional jurisprudência do STF, como o produto da venda de mercadorias e da prestação de serviços; e ii) imóveis não são mercadorias e, por conseguinte, a receita advinda da sua alienação não caracteriza faturamento, inviabilizando a incidência da COFINS.

Trata-se de duas teses autônomas, que se complementam para sustentar a arguição de inconstitucionalidade da incidência da contribuição sobre a receita advinda da venda de imóveis. Somente após acolhida a primeira, relativa ao conceito de faturamento, é que a segunda, atinente ao conceito de mercadoria, passa a ter relevância. Em contrapartida, a primeira tese não conduz, por si só, ao acolhimento da pretensão, visto não dizer respeito à situação específica da empresa contribuinte.

Logo, incumbe à parte suscitar adequadamente ambas as teses, almejando o prequestionamento de cada uma delas, sob pena de o seu apelo extremo não ser conhecido. Foi o que decidiu a Segunda Turma do STF, num julgado recente, relativo à incidência do PIS sobre operações com imóveis: “Pretender que o cálculo do tributo não tomasse por base receita bruta, por não equivaler a faturamento, não pressupõe debate específico sobre a caracterização do resultado das operações com imóveis como faturamento. Assim, não houve prequestionamento expresso ou implícito da matéria. Não é omisso acórdão que deixa de apreciar matéria que não foi devidamente prequestionada” (AI 549.916 AgR-ED, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.2010).

Por vezes, a situação pode ser inversa, figurando a tese da inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da COFINS como uma questão sucessiva, a ser apreciada na hipótese de rejeição da tese principal. É o que se verifica, por exemplo, nas ações ajuizadas pelas cooperativas objetivando eximir-se, por completo, da cobrança da contribuição, sob o argumento central de não possuírem receita alguma – e muito menos faturamento. A tese sucessiva deve ser suscitada pela parte e, quando possível, prequestionada pelo Tribunal de origem, a fim de que a rejeição do pedido principal não conduza, inexoravelmente, à integral improcedência da demanda.

Feitas essas ponderações, cumpre registrar que o requisito do prequestionamento tem sido flexibilizado de forma significativa, devido ao instituto da repercussão geral e à sistemática dos recursos repetitivos.

Consideremos os recursos submetidos à repercussão geral. Até o reconhecimento, no âmbito do Plenário Virtual, da repercussão geral da questão constitucional suscitada no recurso representativo da controvérsia (leading case), a causa petendi remanesce essencialmente fechada, atrelada aos fundamentos do acórdão de origem, de modo que o prequestionamento subsiste como requisito inarredável ao conhecimento do apelo. Porém, após o reconhecimento da repercussão geral, com a admissão do julgamento do apelo extremo pelo Plenário, a causa petendi do recurso representativo da controvérsia elastece-se sobremaneira, desvinculando-se das ponderações lançadas no acórdão fustigado, tendo em vista que a decisão proferida no leading case será aplicada a todos os casos análogos, independentemente dos fundamentos consignados no acórdão de origem e no recurso extraordinário. Noutros termos, após o reconhecimento da repercussão geral, a causa petendi passa a ser aberta, dissociando-se dos fundamentos do acórdão de origem. Daí a razão de se admitir a intervenção de amici curiae no recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, destinada a ofertar à Corte uma visão rica, profunda e holística da questão constitucional, mediante o aporte de novos argumentos, pontos de vista, ponderações etc.

A abertura da causa petendi do recurso representativo da controvérsia implica a flexibilização do prequestionamento nos recursos sobrestados, aos quais se aplicará a orientação perfilhada pela Suprema Corte, independentemente dos argumentos específicos que os sustentam.

Essa flexibilização do prequestionamento, como requisito inexorável ao conhecimento e ao provimento dos recursos excepcionais, se intensificou, mas não decorreu do instituto da repercussão geral e dos recursos repetitivos. Trata-se de uma tendência iniciada antes mesmo da sua criação, verificada, por exemplo, em decisões que: i) acolhem a tese suscitada em recurso extraordinário interposto com base no art. 102, III, a, da CF, mas confirmam o acórdão por fundamentos diversos (STF, Pleno, RE 298.694, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.2003); ii) apreciam causas homogêneas, aplicando a jurisprudência consolidada da Corte sem se ater às amarras do prequestionamento (STF, 2ª T., AI 375.011 AgR, rel. Min. Ellen Gracie, 10.2004); iii) apreciam de ofício questões de ordem pública (1ª Turma, REsp 869.534, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 11.2007); iv) conhecem do recurso, acolhem as alegações nele suscitadas e vão além, aplicando o direito à espécie, na esteira da Súmula 456 do STF.

A relativização do prequestionamento é relevante sobretudo no Direito Tributário, que, como pontuam os juristas alemães, se caracteriza por ser um “Direito de Massa” (Massenrecht), visto se aplicar a uma infinidade de fatos homogêneos. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não devem julgar os recursos representativos das controvérsias apenas à luz da questão jurídica prequestionada no leading case. Devem julgá-los em abstrato, mas com uma visão profunda de todas as nuances e repercussões da lide tributária posta à sua apreciação, resolvendo-a por completo.

Somente assim as inovações processuais trarão resultados práticos significativos, redundando numa prestação jurisdicional mais célere, segura, isonômica e efetiva.

ANDREI PITTEN VELLOSO – Juiz Federal na 4ª Região, designado para atuar como juiz auxiliar do STF. Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Tributário pela UFRGS . Professor da Especialização em Direito Tributário da PUC/RS-IET e da Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE

Fonte: Carta Forense

Marcelo Baptistini Moleiro
Coordenador – Departamento Jurídico
marcelo@nkcontabilidade.com.br