Ministro tenta convencer governadores a aceitarem redução da alíquota para 4%
LU AIKO OTTA, CÉLIA FROUFE, ANNE WARTH E JOÃO VILLAVERDE
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, usou ontem o Judiciário para pressionar os governadores a fecharem um acordo, ainda este ano, em relação à reforma do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o fim da guerra fiscal. “Se não resolvermos o problema do ICMS, é possível que os tribunais venham a fazê-lo, e essa não é a melhor maneira”, disse, após reunir-se com governadores e representantes de todos os Estados.
Ele se referia ao fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) já haver condenado diversos programas de desenvolvimento criados pelos Estados para atrair empresas, baseados em descontos do tributo. No limite, a Justiça pode obrigar as empresas beneficiadas a pagar todo o ICMS que deixaram de recolher ao longo dos anos.
O ministro apresentou ontem aos Estados a proposta do governo para a reforma do ICMS, mais uma “fatia” da reforma tributária, e ouviu em resposta uma saraivada de críticas. “Acho que tirando um ou outro do Sul e Sudeste, ninguém gostou”, resumiu a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini.
Mantega, porém, não se abateu. “Estamos apenas colocando a bola em jogo.” Otimista, ele ressaltou que houve concordância dos governadores quanto à necessidade de reformar o ICMS. Esse, porém, é um consenso que existe há três décadas.
Unificação. O governo propôs que as alíquotas interestaduais (cobradas nas operações em que a mercadoria é fabricada em um Estado e consumida em outro) caiam dos níveis atuais, que são 12% e 7%, para 4%. A queda seria gradual, em oito anos. A uniformização tornaria inócuos os programas de incentivos fiscais que hoje alimentam a guerra fiscal.
Reconhecendo que alguns Estados perderão receitas com a mudança, o governo criará um fundo de compensação com valor estimado entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões. Mantega deixou claro, porém, que não há limite. Será o necessário para cobrir perdas num período de 16 anos.
Será criado um segundo fundo, de desenvolvimento regional, para viabilizar investimentos de infraestrutura que desempenharão o papel de atração de investimentos que hoje é suprido por incentivos fiscais. Começará com R$ 4 bilhões, mas chegará a R$ 12 bilhões anuais a partir do quinto ano. Parte do dinheiro virá do orçamento, parte de empréstimos do BNDES. Somados, chegarão a R$ 172 bilhões.
O primeiro grande obstáculo do governo é dobrar a resistência dos governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que não querem uma alíquota única de 4% e sim de 2% e 7%.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, comentou que essa proposta não resolveria a guerra fiscal e custaria “uma fábula” em compensações aos cofres federais. Para o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, os Estados que aceitarem a proposta “vão colocar o pescoço na guilhotina voluntariamente.” Para o governador do Amazonas, Omar Aziz, a proposta é simplesmente “inviável”. Ele diz que perderá 75% das receitas.
Guerra dos portos. O governo aprovou ontem os regulamentos técnicos que permitirão colocar em funcionamento outra “fatia” da reforma tributária: o fim da guerra dos portos, a partir do dia 1.º de janeiro. Em uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), foram aprovadas as normas pelas quais a nova alíquota interestadual do ICMS de 4% para produtos importados será cobrada.
Governo só deve renegociar dívida se Estados unificarem ICMS
De acordo com analistas, sinal desta decisão foi dado ontem, com o anúncio da troca do índice atual de correção das dívidas estaduais pela taxa Selic
Gustavo Porto, da Agência Estado
SÃO PAULO – O governo federal quer usar a proposta de unificação da alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como moeda de troca na renegociação das dívidas dos Estados.
Segundo analistas políticos ouvidos pela Agência Estado, um sinal de que o governo poderá adotar esta estratégia foi dado ontem mesmo, com o anúncio da troca do índice atual de correção das dívidas estaduais – formado pelo IGP-DI mais uma taxa de 6% a 9% por ano, ou seja, cerca de 13% – pela taxa Selic, em 7,25% ao ano.
Ou seja, o governo se propõe a aceitar um juro menor na negociação de dívidas com os Estados em troca de um imposto em 4%, para as operações interestaduais.
Para o cientista polícia Carlos Melo, do Insper, “essa renegociação é inevitável, porque muitas dívidas foram contraídas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando a taxa básica de juros superou os 40% ao ano”. Em março de 1999, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a Selic de 25% para o recorde de 45% ao ano – em função do cenário externo.
“A pressão para a renegociação dessa dívida antiga será inevitável, já que a Selic agora está em 7,25%, e governo terá de ceder. Mas não será de graça. Por isso, a questão do ICMS será colocada pelo governo na negociação”, disse Melo. “Portanto, esse é o momento certo para a discussão dessa questão, que é a mais sensível na reforma tributária.”
O também cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marco Antonio Carvalho Teixeira, lembrou que o objetivo central da proposta de unificação da alíquota do ICMS é por fim à guerra fiscal. “A guerra fiscal é depredatória. Isso (unificação) tornará o sistema tributário brasileiro cooperativo, como deveria ser”, disse.
Teixeira concorda, entretanto, que a proposta faz parte do jogo da renegociação de dívidas dos estados. “É moeda de troca para um acordo vantajoso da dívida, um estímulo; uma mão dá e outra tira”, disse. Teixeira avalia ainda que o momento político atual, após as eleições municipais e a dois anos das estaduais e da federal, é o ideal para a discussão dos tributos. “É o momento em que os espíritos começam a ficar desarmados.”
Apesar do clima eleitoral arrefecido, a presidente Dilma Rousseff poderá angariar dividendos políticos em 2014, caso a proposta de unificar o ICMS tenha sucesso até lá, na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sérgio Praça. “Além de agradar alguns governadores, com a ampliação do bloco de apoio, se a proposta diminuir a guerra fiscal e gerar mais recursos para investir será um grande trunfo para Dilma em 2014”, disse.
Ainda na avaliação da Praça, a presidente “parece ter entendido mais que do que seus antecessores que será impossível fazer reforma tributária abrangente”, e que a saída, adotada por ela, é o fatiamento do programa. “É a mesma lógica da reforma política, o que facilita a criação de um consenso sem para passar congresso”, concluiu.
Estados não confiam em fundos de compensação para perdas com ICMS
Fundo serviria para os Estados que perderem receitas com a unificação do ICMS, segundo Mantega
Beatriz Bulla, da Agência Estado
SÃO PAULO – Diante do desafio de reduzir as alíquotas interestaduais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o governo federal anunciou nesta quarta-feira a possibilidade de criação de dois fundos para compensar a perda de arrecadação estadual gerada por uma unificação das alíquotas em 4%. O maior problema, contudo, é a falta de confiança no efetivo funcionamento destes fundos de compensação, concordam especialistas ouvidos pela Agência Estado.
“Há uma incerteza muito grande dessa perda de arrecadação por parte dos governadores”, aponta o analista da Tendências Consultoria Econômica, Rafael Cortez. No mesmo sentido, a coordenadora executiva do núcleo de estudos fiscais e professora de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vanessa Rahal Canado, complementa: “Os Estados não acreditam nesses fundos de compensação, porque até hoje eles brigam por causa do fundo de compensação das exportações, que foi prometido e parece que o governo federal boicota para usar para renegociar dívida”.
Em pronunciamento nesta tarde, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o fundo de compensação para os Estados serviria para os que perderem receitas com a unificação do ICMS. O fundo de desenvolvimento regional serviria para atrair empresas para os Estados mais distantes dos grandes centros consumidores, já que a argumentação destes Estados é de que só é possível atrair investimentos com o oferecimento de incentivos.
“No fundo de compensação, poderia até se pensar numa sistemática de ser proporcional à perda que o Estado vai ter. Mas no caso do fundo de desenvolvimento regional, quais seriam os critérios para receber os valores? Será que isso compensaria a perda que o Estado vai ter?”, indaga a tributarista Fabiana Del Padre Tomé, do escritório Barros Carvalho Advogados. Para ela, estabelecer critérios claros do funcionamento dos fundos serviria para aumentar a crença dos Estados no projeto da União.
Cortez afirmou ainda que é “muito difícil” convencer atores políticos de abrir mão de receita. No caso do Amazonas, por exemplo, a unificação do ICMS em 4% reduziria as receitas do Estado em 75%, ou cerca de R$ 4,5 bilhões, de acordo com o informações dadas pelo governador do Estado, Omar Aziz, após a reunião com o ministro nesta quarta-feira em Brasília. “É necessário manter uma negociação permanente com os governadores”, afirmou o analista da Tendências.
Para a professora da FGV, além da descrença na garantia sugerida pelo governo federal para compensar as perdas, os Estados também não querem abrir mão do “poder de atração de investimento” que têm. “Se eu tenho uma alíquota menor, independentemente do governo federal eu tenho a minha política de desenvolvimento”, diz Vanessa.
As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que seriam mais prejudicadas pela unificação das alíquotas, apresentaram uma contraproposta ao governo federal: de redução das alíquotas, mas manutenção de dois patamares diferentes. Assim, Estados que hoje têm alíquota de ICMS interestadual de 12% baixariam para 7%, enquanto os que têm alíquota de 7% baixariam para 2%.
Para a Fabiana Tomé, manter a disparidade entre alíquotas vai permitir a continuação de uma guerra fiscal ou má distribuição das receitas. “Empresas vão se instalar num local porque lá a alíquota para vender para outros Estados é menor. Essa contraproposta não leva aos objetivos que inicialmente se pretendeu”, afirmou. Rafael Cortez concorda: “A tendência é que a manutenção do gap entre os estados é de permanecer alguns mecanismos para esses incentivos fiscais que a gente está chamando de guerra fiscal”.
Agenda
Apesar da dificuldade de se chegar a um consenso com todos os Estados, a reunião desta quarta-feira com os governadores mostra um esforço do governo federal de inserir o tema na agenda política. “Esse é um primeiro passo para governo iniciar uma negociação mais forte”, disse Cortez. Para Vanessa, da FGV, a reforma tributária não saiu do papel até agora também porque “faltou um pouco de vontade política do Executivo. Mas agora se vê um esforço do governo federal”.
Poderíamos aprovar proposta do ICMS ainda este ano, diz Mantega
Para ministro da Fazenda, tramitação de projeto que propõe mudança do imposto é simples, desde que haja concordância dos governadores
Célia Froufe, Anne Warth e Renata Veríssimo, da Agência Estado
BRASÍLIA – A perspectiva é de aprovação da mudança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ainda este ano, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “A ideia era aprovar a mudança ainda este ano por meio de uma resolução do Senado”, disse. Segundo ele, essa tramitação é simples, desde que haja concordância dos governadores, pois a União não fará nada sem que haja consenso. “Pelo nível de conflito que a guerra fiscal está criando, está na hora de fazer essa mudança ainda este ano. Vamos trabalhar neste sentido, e foi feito apelo a governadores para este esforço”, afirmou.
“Se não formos felizes neste ano, vamos continuar colocando no ano que vem, porque, se nós não resolvermos, é possível que os tribunais venham a fazê-lo, e judicializando não é a melhora maneira.”, completa o ministro.
Conforme Mantega, as mudança no ICMS vêm se somar a outras iniciativas que o governo está tomando de reduzir tributos e melhorar a estrutura tributária. “Estamos dando crédito pleno e imediato de PIS e Cofins. Seria desejado que ocorresse o mesmo com o ICMS. Evitar o acúmulo de ICMS seria medida boa e seria bom que isso entrasse em vigor em 2013 junto com outras medidas que vão entrar nesse período”, disse, citando como exemplo a redução da tarifa de energia elétrica, que vai reduzir o custo da produção e dos consumidores, de acordo com o ministro.
Para os governadores, admitiu o ministro, poderá haver um problema de ICMS, já que o tributo que incide sobre a energia elétrica vai cair um pouco. “Mas seremos compensados pelo aumento da produção que a medida vai ocasionar”, previu. Isso será importante, conforme Mantega, para dar mais competitividade à produção brasileira e aos produtores em um momento em que a crise internacional continua. “Com a redução de custos no mundo, todo o Brasil não pode ficar à parte. Precisa reduzir seus custos financeiros, de logística e estimular investimento no Brasil”, citou.
Maior perda seria do Amazonas
Segundo Mantega, o Estado do Amazonas é o que mais perderia com a redução da alíquota de ICMS. No entanto, o ministro destacou que a perda de arrecadação será coberta com o Fundo de Compensação e o Fundo de Desenvolvimento Regional. “Não pode haver perdas para a região Norte e muito menos para o Amazonas”, disse. Segundo Mantega, a questão agora é detalhar com o governador as compensações do Estado.
Fonte: O Estado de São Paulo
Site: Contador são paulo