NK | Escritório de contabilidade SP

Em defesa à LC 105, à transparência, à legalidade e à livre concorrência: A transferência do sigilo bancário para administração tributária e o direito à prova inerente à aplicação da legislação tributária

NK Contabilidade

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Artigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.

1 – Sigilo bancário! Para quê? Objeto de análise: Transferência do sigilo e o direito de acesso da Administração Tributária à movimentação bancária dos contribuintes

Existe, no Brasil, direito do contribuinte ao sigilo bancário? Qual seu fundamento perante o Fisco? Existe o direito de ocultar provas do Fisco? É possível obrigar a Administração Tributária a respeitar a legalidade, a igualdade e, ao mesmo tempo, proibir ou restringir o acesso ao motivo do ato de lançamento: a prova do fato gerador? Existe legalidade sem provas? DIPJ, DCTF, Declaração de Imposto sobre Renda, GARE, GIA, etc., não são informações que o contribuinte tem o dever de prestar perante a Administração Tributária? Estas mesmas informações não estão espelhadas na movimentação bancária do contribuinte? Então, se são as mesmas informações, porque falar em sigilo? Sem provas é possível ato de lançamento? Como verificar se as informações prestadas pelo contribuinte são verdadeiras? Como evitar um legalismo autista que impõe a lei como símbolo, mas ignora sua eficácia social? Obstruir o acesso à prova do fato gerador ou limitar seu acesso não incentivaria a sonegação, a evasão e a ineficácia na aplicação da lei tributária?

Por outro lado, como todo o direito é relacional, i.é, se impõe entre partes, pergunta-se: que direito se opõe ao sigilo bancário? Existe justificativa lícita para restringir nos bancos, o mesmo tipo e o mesmo nível de informação que o Fisco já obtém com a adimplência das obrigações acessórias? Deslocar esse acesso de informações, exclusivamente, pela via do Poder Judiciário, em nome do genérico fundamento da universalidade da jurisdição, não seria uma forma de mitigar a efetividade da legislação tributária?

O que protege mais o sigilo bancário e o contribuinte zeloso de suas obrigações? Os dispositivos vagos e dispersos na Constituição ou o detalhamento e as prerrogativas asseguradas pela LC 105 (01)? Há sentido em interpretar os incisos X, XII e LV do artigo 5º da Constituição, sem considerar o “caput” deste dispositivo?

Consoante minhas pesquisas sobre a relação entre aplicação do direito no tempo, prova, transparência, controle da legalidade e importância da lei de acesso à informação venho defendendo a relevância da Lei Complementar 105 para aplicação isonômica da legalidade. A primeira vez que me dediquei ao tema foi na palestra “Análise do Sigilo Bancário: Entre Regras e Princípios”, no II Congresso Nacional de Direito e Legislação Tributária”, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, em 2005 e, mais recentemente retomei o tema no XXII Congresso Brasileiro de Direito Tributário do IDEPE-GERALDO ATALIBA e no VII Congresso do IBET em São Paulo. Além disso, relacionado ao tema da transparência e do acesso às informações, também coordenei pesquisa, realizada pelas professoras Tathiane Piscitelli e Andrea Mascitto, publicada nos Cadernos da Direito GV nº 21 de janeiro de 2008 sobre “Tributação, Responsabilidade e Desenvolvimento: Direito à Transparência, Estudo sobre a destinação da CPMF e da CIDE-Combustíveis”.

2 – Questões – Objeto de análise

2.1 – A transferência do sigilo bancário à Administração tributária ofende o direito à intimidade e à vida privada, previstos no artigo 5º, inciso X da Constituição? A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária ofende a proteção ao sigilo de dados, prevista no artigo 5º, inciso XII da Constituição?

2.2 – A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária, nos termos da LC 105 e sua regulamentação, representa ofensa ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa?

2.3 – A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária ofende os “direitos individuais” mencionados no artigo 145, § 1º da Constituição?

2.4 – A intervenção representada pela medida da “transferência do sigilo bancário” à Administração Tributária atende a extensão e sentido do princípio da razoabilidade?

2.5 – Meros dados bancários genéricos ou cadastrais do contribuinte como o nome do cliente da instituição bancária, seu CPF ou CGC, número da conta bancária, ou a informação se há, naquela instituição, aplicação financeira em nome do contribuinte, os valores globais depositados ou investidos, a movimentação periódica de valores, portanto, informes incapazes de desvendar algo da intimidade das pessoas, podem ser tidos como amparados pela garantia da vida privada?

2.6 – Estariam protegidos em relação ao Fisco os informes bancários genéricos de pessoas jurídicas? Pessoas jurídicas têm intimidade ou vida privada, quando a legislação comercial exige a publicação dos seus balanços de algumas empresas?

2.7 – Com supedâneo no § 1º do art. 145, da CF, que faculta à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade ao princípio da pessoalidade de alguns impostos, ao princípio da igualdade entre contribuintes e da capacidade contributiva, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, seria admissível que lei complementar razoável determinasse a transferência direta do sigilo bancário das instituições financeiras para a Administração Tributária, independentemente de prévia apreciação do Poder Judiciário?

2.8 – A transferência de sigilos, de sigilo bancário para sigilo fiscal, nos termos de lei complementar, não garantiria a vida privada dos contribuintes, já que impediria outras pessoas que não tenham justo motivo para ter acesso a esses dados tomem ciência desses informes?

2.9 – Estaria a transferência do sigilo bancário submetida a reserva constitucional de jurisdição? Ou seja, somente o Poder Judiciário poderia relativizar a transferência do sigilo bancário?

2.10 – O STF, por ocasião do julgamento da ADI nº 1.790, admitiu a legitimidade da transferência, mesmo sem lei que autorizasse e mediante remuneração, de registros de dados de clientes por parte de estabelecimentos comerciais e instituições financeiras com o escopo de proteção de créditos privados e do lucro. Diante desta decisão, por que não seria constitucionalmente possível que lei complementar autorizasse a transferência direta de dados bancários genéricos, que nada revelam da vida privada das pessoas, para a Administração Tributária, para que fosse atendida a determinação constitucional do art. 145, § 1º?

3 – Definindo e demarcando (i) as informações protegidas constitucionalmente em nome da intimidade e da vida privada do indivíduo e que não são objeto de controvérsia nas ADIN’s, (ii) Áreas de Informação Fora do Núcleo de Proteção e que são objeto de obrigações tributárias e (iii) Transferência do sigilo: Entre mitos, sacralizações, generalizações apressadas e desconhecimento dos termos da LC 105

A Renascença marca o início, o Século XVIII apurou a distinção entre o público e o privado, o Século XIX foi o palco e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão representa o documento a partir do qual se reconhece o indivíduo jurídico abstrato como realidade, traçando círculos idealmente concêntricos e entrecruzados entre a sociedade civil, o privado, o íntimo e o individual (02).

O privado deixou de ser coisa maldita, proibida e obscura: o local de nossas delícias e servidões, de nossos conflitos e sonhos. Neste processo, assinala MICHELLE PERROT, a Revolução Francesa opera uma ruptura dramática e contraditória: ao mesmo tempo em que reconhece o direito dos indivíduos, há desconfiança de que os “interesses privados” ou particulares ofereçam sombra propícia aos complôs e às traições. Ao privado, a vida pública postula a transparência sonhada por Rousseau (03):

“Se eu pudesse escolher o lugar de meu nascimento, escolheria um Estado onde, como todos os indivíduos se conheceriam entre si, as obscuras manobras do vício ou da modéstia da virtude não teriam como se ocultar aos olhos e ao julgamento público”.

Nessa marcha, em França, o domicílio é declarado inviolável (1792) e as perquirições noturnas são proibidas (1795): a residência e a noite delineiam o espaço-tempo da privacy em torno do corpo do qual se atribui a dignidade (supressão da maioria das penas infames) e a liberdade. O direito ao sigilo de correspondência é reconhecido tardiamente:

“será preciso esperar a Terceira República para que as autoridades renunciem a controlar as cartas nos postos de correio, mas o marido tem, por princípio, a faculdade de supervisionar a correspondência de sua esposa; ao passo que, nos internatos e prisões, abrem-se desavergonhadamente as cartas dos internos ou detidos” (04).

Intimidade e vida privada do indivíduo, assim, foram consolidando-se historicamente como direitos fundamentais (05). PAULO RIBEIRO PACELLO (06), orientado por DIMITRI DIMOULIS, em leitura comparativa do dispositivo sobre o sigilo de comunicação nas várias Constituições brasileiras, deixa claro que a Constituição de 1988 incluiu à área de proteção a “comunicação de dados”, que sabidamente adquiriu particular relevância após a expansão do uso da informática nas relações sociais e econômicas. O constituinte só quis ampliar a tutela da comunicação incluindo uma nova modalidade em um típico movimento de modernização atualização da Constituição, tal como normas que se referiam a “portos” no século XIX, sofreram acréscimo para regulamentar, também, os “aeroportos” no século XX.

Em sua concepção tradicional, os direitos fundamentais – conforme doutrina GILMAR FERREIRA MENDES (07):

“são direitos de defesa (Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posições subjetivas” (…) “asseguram a esfera da liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário”. (grifamos e destacamos)

A premissa desta análise parte da distinção necessária entre estes dois diversos espectros de informação relativos à intimidade e de não interferência na vida privada do indivíduo: o primeiro cuida de informações invioláveis porque representam o próprio núcleo da proteção destes direitos; o segundo trata de informações irrelevantes para o núcleo da proteção desses direitos e, portanto, sujeitas a limitação e regulamentação mediante lei.

Ou seja, há:

(i) informações protegidas constitucionalmente em nome da intimidade e privacidade do indivíduo que NÃO podem sofrer interferência ilegítima do Poder Público;

(ii) informações protegidas constitucionalmente em nome da intimidade e privacidade do indivíduo que podem sofrer regulação LEGÍTIMA do Poder Público, mediante lei, para concretização de outras posições também constitucionais.

Tal dualidade, central nesse estudo, pode ser sistematizada no seguinte quadro:

Note-se, nos termos do parágrafo 2º do artigo 5º da LC 105, as informações que as instituições financeiras têm o dever de transferir à Administração Tributária devem se limitar à individualização dos titulares, das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, sem que haja a inserção de qualquer elemento capaz de identificar a origem ou natureza destes gastos.

No mesmo sentido, GILMAR FERREIRA MENDES (08) confirma a impossibilidade de levar esse direito a graus absolutos, apartando o sigilo bancário do núcleo de central de proteção da vida privada, em face do interesse da coletividade:

“O sigilo bancário tem sido tratado pelo STF e pelo STJ como assunto sujeito à proteção da vida privada dos indivíduos. Consiste na obrigação imposta aos bancos e aos seus funcionários de discrição, a respeito de negócios, presentes e passados, e de pessoas com que lidaram, abrangendo dados sobre a abertura e o fechamento de contas e a sua movimentação.
O direito ao sigilo bancário, entretanto, não é absoluto, nem ilimitado. Havendo tensão entre o interesse do indivíduo e o interesse da coletividade, em torno do conhecimento de informações relevantes para determinado contexto social, o controle sobre os dados pertinentes não há de ficar submetido ao exclusivo arbítrio do indivíduo.” (grifamos)

Também corrobora esse entendimento a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais a qual nega que o sigilo bancário se encontra na área de proteção da privacidade por se tratar de conjunto de informações relativas à atividade econômica de cunho necessariamente público e que já se encontram disponíveis na esfera pública do mercado financeiro, sob a tutela dos bancos, que, de maneira alguma, podem ser tidos como partes do espaço privado do indivíduo. Afirma-se, assim, que:

“as informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inciso X da CF/88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem.”(09)

Portanto, NÃO interessa ao objeto deste estudo as informações que estão dentro do núcleo de proteção do direito à intimidade e à vida privada, sejam elas veiculadas por correspondência, comunicações telegráficas, de dados ou comunicações telefônicas. E o mesmo se diga das decorrentes discussões relativas às investigações da Polícia Federal ou do Ministério Público em matéria penal (10): aqui trataremos tão apenas da necessidade e possibilidade jurídica da transferência do sigilo bancário para efeitos fiscais.

3.1 – Áreas de proteção ao sigilo: Zonas de proteção alegadas nas ADIN’s que não são objeto de controvérsia

É importante, portanto, esclarecer quais são os pontos da controvérsia, afastando assim os aspectos irrelevantes onde há convergência de convicções e ideais. Assim, ora definindo nossas divergências, delimitaremos melhor a área controvertida do direito à “transferência do sigilo bancário a Administração Tributária”:

Uma coisa é a fundamentação da transferência do sigilo bancário ao Fisco para fins de concretização do interesse público, da igualdade e da legalidade. Outra coisa e completamente diversos são os fundamentos que pretendem sustentar a relativização do sigilo para efeito da atuação do Banco Central, do Ministério Público, das CPI’s e das autoridades policiais.

Portanto, é necessário distinguir os argumentos relativos ao tema da transferência do sigilo fiscal dos demais, que tão somente confundem o cenário no qual esta discussão se apresenta.

Na análise da ADIN nº 2.386, da Confederação Nacional do Comércio:

a) No Item I, concordamos que Constituição não permite invadir “a vida privada e a intimidade do indivíduo, de uma forma somente imaginada pelos tiranos, extinguindo a possibilidade de privacidade na vida financeira das pessoas, violando frontalmente o disposto no inciso X do artigo 5º”: não se pode invadir o núcleo de um direito fundamental.

b) Ainda no item I, convergimos com o entendimento do Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA que “O princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos” (p. 08);

c) Também não nos afastamos do entendimento de que o princípio da razoabilidade “deve nortear a atuação do legislador ordinário quando este versar sobre restrições a direitos fundamentais”, com alicerce no voto do Ministro CARLOS VELLOSO, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 219.780, em 13.04.1999: “certo é, também, que ele [o sigilo bancário] há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade” (item III, p. 14). Sobre o mesmo tema, estamos de acordo com a manifestação do então Advogado Geral da União, atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes:

“Não basta, todavia, verificar se as restrições estabelecidas foram baixadas com observância dos requisitos formais previstos na Constituição. Cumpre indagar, também se as condições impostas pelo legislador não se revelariam incompatíveis com o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade (adequação, necessidade, razoabilidade)” (item III, p. 15).

Na análise da ADIN nº 2.390, do Partido Social Liberal:

a) Não é objeto da presente análise a extensão dos poderes investigatórios do Ministério Público e a possibilidade, ou não, de acesso a dados bancários dos investigados sem a autorização do Poder Judiciário, tal como aventado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 215.301-0, de Relatoria do Ministro CARLOS VELLOSO e citado na ADIN na página 07 (item 6.2.1), nem sequer a legalidade ou constitucionalidade do fornecimento de dados relativos à movimentação financeira de recursos públicos, situação objeto do julgamento do Mandado de Segurança nº 21.729-4, de Relatoria do Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, mencionado nas páginas 07 e 08 da ADIN (item 6.2.2).

b) De outro lado, estamos plenamente de acordo com o conteúdo da ementa do Mandado de Segurança nº 23.002, de Relatoria do Ministro ILMAR GALVÃO, o qual, fazendo referência à Lei nº 4.595/1964, menciona a possibilidade de “quebra do sigilo bancário quando há interesse público relevante, como o da investigação criminal fundada em suspeita razoável de infração penal”, ainda que o tema da infração penal e as inferências quanto ao sigilo bancário não sejam objeto deste estudo (p. 08, item 6.2.3).

c) Igualmente, em nada se relaciona com a presente análise a competência (ou incompetência) das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário dos investigados, tema julgado no Mandado de Segurança nº 23.452, de Relatoria do Ministro CELSO DE MELLO (p. 09, item 6.2.4).

d) Por fim, na mesma linha do item (b), não pretendemos discutir a possibilidade de se obter provas em âmbito penal pela apreensão de microcomputadores em residência de investigados, tal como relatado no julgamento da Ação Penal nº 307/1997, de Relatoria do Ministro ILMAR GALVÃO, citado na página 12, item 6.2.5.2 da ADIN.

Na análise da ADIN nº 2.397, da Confederação Nacional da Indústria:

a) Concordamos com o entendimento do Professor LUIS ROBERTO BARROSO, segundo o qual as “liberdade públicas são a afirmação jurídica da personalidade humana (…) traçando a esfera de proteção jurídica do indivíduo em face do Estado. Os direitos individuais impõem, em essência, deveres de abstenção aos órgãos públicos, preservando a iniciativa e a autonomia dos particulares” (p. 03). Em nenhum momento nossa análise pretende negar tais conquistas do Estado Democrático de Direito.

b) Não é objeto deste estudo a possibilidade ou competência do Ministério Público em relação à quebra do sigilo bancário de investigados ou indiciados em ações penais, conforme já ressaltamos acima. O tema é objeto de julgamento no Recurso Extraordinário nº 215.301-0, de Relatoria do Ministro CARLOS VELLOSO e foi mencionado na página 12 da ADIN.

c) No mesmo sentido, também não é nosso objeto a legalidade ou constitucionalidade do fornecimento de dados relativos à movimentação financeira de recursos públicos, tema tratado no já citado Mandado de Segurança nº 21.729-4, de Relatoria do Ministro OCTÁVIO GALLOTTI. Na página 13 da ADIN, menciona-se trecho do voto do Ministro CELSO DE MELLO relativo a este tópico.

d) Também concordamos com o entendimento do Professor CARLOS ARI SUNFELD, para quem “o legislador não pode cultivar o prazer do poder pelo poder, isto é, constranger os indivíduos sem que tal constrangimento seja teleologicamente orientado” (p. 16).

e) Ademais, não pretendemos discorrer, conforme já destacado, sobre a pertinência da quebra do sigilo bancário pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e os limites dos poderes investigatórios de tais instituições, temática julgada no Mandado de Segurança nº 23.480, de Relatoria do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE (p. 18).

Na análise da ADIN nº 4.010, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:

a) Não é nosso objeto imediato a atuação fiscalizadora do Banco Central referida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 461.366, de Relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO (p. 05).

b) Igualmente, não se discute aqui a legitimidade de o Ministério Público obter a transferência do sigilo bancário na fiscalização de instituições financeiras, matéria que é estranha aos termos da LC 105, conforme já mencionado anteriormente e referida na ADIN pela menção ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 318.136, de Relatoria do Ministro CÉSAR PELUSO (p. 06).

c) Finalmente, também não é objeto deste estudo, como já ressaltado acima, a possibilidade de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico por Comissão Parlamentar de Inquérito, situação referida no julgamento do Mandado de Segurança nº 25.668, de Relatoria do Ministro CELSO DE MELLO (p. 06).

O tema deste estudo relaciona-se não com a quebra de sigilo bancário ou quaisquer de suas variantes, mas sim com a transferência do sigilo bancário à Administração Tributária. Nesta discussão específica, impera a legalidade e, por conseqüência, o interesse público na produção de provas tributárias. Acerca do tema, GILMAR FERREIRA MENDES salienta (11):

“A propósito, a Lei Complementar n. 105/2001 atribui a agentes tributários, no exercício do seu poder de fiscalização, o poder de requisitar informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras, independentemente de autorização judicial. A lei cerca a providência de cuidados formais com vistas a minimizar os custos para o direito à privacidade do investigado e assegurar que esteja nítida a necessidade da medida.
O sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo. Além disso, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, bem assim a sua efetiva necessidade – i. é, não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim. O pedido de quebra de sigilo bancário ou fiscal deve estar acompanhado de prova da sua utilidade. Cumpre, portanto, que se demonstre que ‘a providência requerida é indispensável, que ela conduz a alguma coisa’ (STF: Pet. 577, RTJ, 148/374); vale dizer, que a incursão na privacidade do investigado vence os testes da proporcionalidade por ser adequada e necessária.”

3.2 – Áreas de informação fora do núcleo de proteção da intimidade e da vida privada e que já são objeto de obrigações acessórias na legislação ordinária: O problema dos tributos declaratórios e os cupins tributários (fiscal termites)

Existe um conjunto de informações que o contribuinte, ordinariamente, é obrigado a prestar para a fiscalização e exigência do crédito tributário de vários tributos. Tais deveres são denominados “obrigações acessórias” ou, mais contemporaneamente, “deveres instrumentais”. Trata-se do reflexo documental das atividades do contribuinte, com a finalidade de fornecer instrumentos à Administração Tributária na apuração e verificação dos tributos devidos. O conhecimento dos dados relativos à movimentação financeira dos sujeitos passivos somente tem por condão comprovar e testar a veracidade das informações constantes dos documentos que instrumentalizam o cumprimento das obrigações acessórias.

Ilustrativamente e de forma não exaustiva, pode-se citar:

– No imposto sobre a renda e na contribuição social sobre o lucro: tendo-se em vista que tal exação incide sobre o acréscimo patrimonial da pessoa física ou jurídica, para a sua apuração regular é necessário ter conhecimento de todas as entradas que compõem o faturamento, bem como todas as despesas efetivas. Será do encontro de tais informações apuradas na contabilidade, no LALUR, na DIPJ, na DCTF, na Declaração Trimestral de Ajuste, na Declaração Anual, etc., que será apurado e exigido o imposto devido.

– Na contribuição ao PIS e na COFINS: a exemplo do que ocorre com o IR e com a CSL, a apuração do valor a pagar dessas contribuições depende da verificação da receita bruta das pessoas jurídicas, que deverá ser informada à fiscalização em documento próprio, a DCTF, com base na qual o pagamento desses tributos deve ser efetuado para, posteriormente, ser homologado pela Administração. Nesse caso, igualmente, a Administração toma ciência de dados financeiros do sujeito passivo sem que isso ofenda qualquer princípio constitucional.

– No imposto sobre as operações de circulação de mercadorias: a emissão da nota fiscal de compra e venda denuncia, formalizando em linguagem, a ocorrência do fato gerador desse imposto. Ademais, a obrigação de o sujeito passivo informar mensalmente na GIA (Guia de Informação e Apuração do ICMS) as operações realizadas, somada com a escrituração dessas mesmas operações nos livros fiscais respectivos, igualmente demonstra que o simples cumprimento de obrigações acessórias, necessárias para a apuração e verificação da correção do tributo recolhido, resulta na transferência de informações econômicas para a Administração, inclusive relacionadas com atividades mercantis e financeiras do sujeito passivo.

– No imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF): as pessoas jurídicas que efetuarem operações sujeitas à incidência do IOF devem manter à disposição da fiscalização, as seguintes informações:

(i) relação diária das operações tributadas, com elementos identificadores da operação (beneficiário, espécie, valor e prazo) e o somatório diário do tributo;

(ii) relação diária das operações isentas ou tributadas à alíquota zero, com elementos identificadores da operação (beneficiário, espécie, valor e prazo);

(iii) relação mensal dos empréstimos em conta, inclusive excessos de limite, de prazo de até trezentos e sessenta e quatro dias, tributados com base no somatório dos saldos devedores diários, apurado no último dia de cada mês, contendo nome do beneficiário, somatório e valor do IOF cobrado;

(iv) relação mensal dos adiantamentos a depositantes, contendo nome do devedor, valor e data de cada parcela tributada e valor do IOF cobrado;

(v) relação mensal dos excessos de limite, relativos aos contratos com prazo igual ou superior a trezentos e sessenta e cinco dias ou com prazo indeterminado, contendo nome do mutuário, limite, valor dos excessos tributados e datas das ocorrências. Além disso, como forma de tornar a fiscalização mais eficiente, no exercício de suas atribuições, a Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá proceder ao exame de documentos, livros e registros dos contribuintes do IOF e dos responsáveis pela sua cobrança e recolhimento, independentemente de instauração de processo. As informações assim obtidas somente poderão ser utilizadas para efeito de verificação do cumprimento de obrigações tributárias, mantido, portanto, o sigilo bancário, mas autorizada a transferência desse sigilo para a Administração, sem que tais providências causem qualquer espanto por parte dos contribuintes.

Conclusão: as informações objeto da transferência do sigilo bancário para o Fisco não vão além daquelas que o contribuinte já é Obrigado a prestar em razão das obrigações acessórias, instituídas na legislação tributária.

Os artigos 5º e 6º da LC 105, ao disciplinarem a transferência de sigilo bancário às autoridades administrativas, determinam que as informações prestadas pelas instituições financeiras ficarão restritas aos valores movimentados e aos titulares das operações, sendo vedada a inserção de qualquer elemento capaz de identificar a origem ou natureza dos gastos. Ocorre que por força do parágrafo único do artigo 6º da lei e, igualmente, do artigo 198 do Código Tributário Nacional, mesmo as informações relacionadas com os valores objeto de movimentação financeira continuam sujeitos ao sigilo fiscal, não podendo ser divulgadas a terceiros, pela Administração.

Além disso, tais tributos são declaratórios, isto é, dependem, para a sua apuração, do fornecimento de declarações constitutivas do crédito tributário, com base nas quais o pagamento do tributo deve ser efetuado, sem que haja qualquer análise prévia por parte da Administração. Tendo em vista essa grande liberdade do sujeito passivo, em declarar e apurar o valor devido de tributo, a Administração, de outro lado, deve ter instrumentos eficazes de controle da veracidade das informações prestadas e o acesso à movimentação financeira é fundamental nesse sentido.

Com efeito, as declarações mentem…

Há quase 10 anos, VITO TANZI, cultuado Diretor de Assuntos Fiscais do FMI, analisando a arrecadação dos países industrializados membros da OCDE, já prenunciava o esgotamento da tributação sobre a renda, a propriedade e o consumo, advertindo para o silencioso e ininterrupto trabalho dos “cupins tributários” (fiscal termites), devorando as fundações dos sistemas impositivos tradicionais e para urgente necessidade de se reinventar formas de custear o Estado. Para TANZI, a “descoberta” do IVA em meados do Séc. XX e da recente tributação sobre transações financeiras, na América Latina, eram os dois mais importantes exemplos do desenvolvimento da tecnologia da tributação nos últimos 50 anos. Além disso, sua particular recomendação para o Brasil é objetiva: não aumentar impostos e, sim, reduzir gastos.

O Sistema Tributário Brasileiro é refém de fordismo tardio cujo coração ainda é a oneração da produção, do fator trabalho e do consumo, conforme tem denunciado, reiteradamente, o Ministro MANGABEIRA UNGER, e recente relatório do IPEA, revelando que os pobres pagam mais tributos que os ricos. E, entre si, mesmo os “ricos” pagam cargas tributárias distintas, pois em tributos declaratórios como ICMS, IPI, IR, PIS, COFINS ou IVA sempre é possível dizer a verdade com o dom de iludir: tais tributos não incidem sobre fatos geradores reais, mas sobre as versões consolidadas em provas de negócios direitos e indiretos repletos de margem para fraude, dissimulação e passeios em paraísos fiscais. São os cupins atacando.

3.3 – Transferência do sigilo: Entre mitos, sacralizações, generalizações apressadas e desconhecimento dos termos da LC 105

Verificamos, na argumentação que pretende defender o “sigilo bancário”, uma espécie de sacralização (12) litúrgica dessa idéia que, conforme sucede nos dogmas religiosos, pretende se autoimpor como verdade absoluta que não se justifica, mas ao mesmo tempo em que deixa vazar claramente suas incoerências, proíbe e pune como pecado inadmissível qualquer desalinhamento ideológico de suas infundadas e obtusas conclusões: parece mesmo coisa de religião!

A expressão “quebra do sigilo bancário” retrata perfeitamente o que Tércio Sampaio Ferraz Júnior, denomina “Poder de violência simbólica”: trata-se de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força que move o interesse que a justifica (13).

Ocorre que a expressão “quebra do sigilo”, reiteradamente citada, além de passar, retoricamente, uma noção muito mais ampla e socialmente negativa dos termos da LC 105, é completamente estranha à atividade delegada a Administração nos artigos 5º e 6º. O artigo 5º trata do dever das instituições financeiras de “informar” as operações financeiras efetuadas pelos correntistas. O artigo 6º trata da faculdade de a Administração “examinar” documentos livros e registros de instituições financeiras quando houver processo ou procedimento administrativo e tais “exames” sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa.

Em nenhum momento esses dispositivos tratam de “quebra do sigilo bancário”. O § 5º do artigo 5º prescreve o dever das autoridades manterem o sigilo das informações obtidas: “As informações a que se refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.” Na mesma sintonia, o parágrafo único do artigo 6º prescreve:

“O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se referem este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”

E é a própria LC 105 quem arremata esse assunto: (i) seu artigo 10 determina que se houver uso ilícito destas informações, aí sim se configurará a “quebra do sigilo” como tipo penal; (ii) seu artigo 11, ainda acrescenta ao ilícito da “quebra” qualificado no artigo anterior mais duas conseqüências: a primeira, responsabilidade pessoal do servidor pelos danos materiais e morais causados; a segunda, responsabilidade objetiva da entidade pública.

Vale conferir os seguintes destaques sobre a literalidade da Lei Complementar 105/2001:

Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
(…)
Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à Administração Tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
(…)
§ 2º As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. (…)
§ 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. (…)
Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar.
Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial. (…)

Ou seja, “informar” as operações financeiras efetuadas pelos correntistas e “examinar” documentos livros e registros de instituições financeiras, é transferência do sigilo bancário para Administração Tributária que tem a obrigação de manter esse sigilo.

É tão apenas o descumprimento desta obrigação, ato ilícito, que a própria LC 105 qualifica como crime funcional de “quebra de sigilo”.

Portanto, todos estamos alinhados – os contribuintes, a Administração Tributária e a LC 105 – em repugnar a “quebra do sigilo”, assunto que, também, não é objeto central deste trabalho; aqui, discutiremos o tema que é o verdadeiro foco das ADIN´s que impugnam a LC 105: a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º em transferir o sigilo bancário das instituições financeiras (fundado, justamente, no artigo 1º da LC 105) para as autoridades administrativas fiscais.

4 – Narrativa legal, dos fatos às normas: Sobre o direito de acesso às informações bancárias pela Administração Tributária

Em 31 de março, ocorreu o Golpe Militar de 1964. Conforme os historiadores ADRIANA LOPEZ e CARLOS GUILHERME MOTA:

“O Brasil contava com aproximadamente 80 milhões de habitantes. Do golpe participaram latifundiários do Nordeste e do Sudeste, lideranças das forças armadas e do empresariado industrial, magnatas do capital financeiro – como o mineiro Magalhães Pinto, prócer da UDN – e setores das classes médias asfixiadas pela inflação”(14).

4.1 – A Lei nº 4.595/64: O dever de sigilo das instituições financeiras e a garantia do direito de acesso às informações pelo Fisco

No auge do entusiasmo de parte da sociedade civil, do empresariado e dos banqueiros engajados no Golpe contra o “perigo vermelho”, começam a surgir os “anéis burocráticos”, expressão criada por FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (15) para designar círculos de informação e pressão (portanto, de poder) que se constituem como mecanismo para permitir a articulação entre setores do Estado (inclusive das forças armadas) e interesses da sociedade privada.

Em 31 de dezembro de 1964, exatamente nove meses após o Golpe, convenientemente, o Congresso Nacional decretou e o presidente Humberto Castelo Branco sancionou a Lei nº 4.595, que “Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias. Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”. Acompanha e modula o sentido desta lei a Mensagem de Veto Presidencial nº 844, que, em dez páginas, “comunica” ao Senado o veto de diversos dispositivos contrários aos interesses nacionais. Foi nesse contexto que ocorreu a aprovação do artigo 38, desta Lei:

Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.
§ 2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.
§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central da República do Brasil.
§ 4º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.
§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.
§ 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. (Revogado pela LC nº 105/2001) (16)

Note-se que este dispositivo surgiu justamente para introduzir o direito dos bancos e seus usuários ao sigilo bancário. É curioso notar que embora muitos autores (17), com fundamento neste dispositivo, entendam que a prévia autorização judicial era indispensável para apuração do tributo devido, não há texto expresso neste dispositivo que permita essa inferência:

(i) o caput determina o dever de sigilo das instituições financeiras;

(ii) o § 1º garante que as informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, restrito às partes legitimadas na causa;

(iii) os § 5º e § 6º apenas prescrevem que os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e tais medidas forem consideradas indispensáveis pela autoridade competente, garantindo que esclarecimentos e informes entregues pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, deveriam, sempre, manter-se sob sigilo.

Dois julgados que trataram de sigilo bancário sob o enfoque da Lei nº 4.595/1964, do Supremo Tribunal Federal, confirmam esta tese: um, é o RMS 15.925, que equipara o sigilo bancário ao sigilo fiscal (ainda que essa posição tenha sido, posteriormente, negada pelo próprio SUPREMO TRIBUNAL FEFERAL, no julgamento do Inquérito nº 732/DF). Veja o voto proferido nesse RMS:

“Não há perigo de devassa ou quebra de sigilo bancário, porquanto, como assinala o parecer, os Agentes Fiscais do Imposto de Renda são obrigados ao sigilo (art. 301, Decreto 47.373-59), sob pena de responsabilidade”. (Voto do Ministro Gonçalves de Oliveira, no Recurso ordinário no Mandado de Segurança nº 15.925-GB)

Outro semelhante posicionamento do Supremo Tribunal Federal pode ser encontrado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 71.640, cuja ementa é a seguinte:

“Sigilo bancário. As decisões na instância ordinária entenderam que em face do código tributário nacional o segredo bancário não é absoluto. Razoável inteligência do direito positivo federal, não havendo ofensa ao disposto no art. 153 par. 2, da lei magna, nem tão pouco negativa de vigência do art. 144 do código civil. O objetivo do writ era afastar a exigência de apresentação de fichas contábeis, ao fundamento de violação de sigilo bancário. Inocorrência de dissídio jurisprudencial. recurso extraordinário não conhecido”. (RE 71640, Relator(a): Min. DJACI FALCÃO, Primeira Turma, julgado em 17/09/1971, DJ 12-11-1971 PP-06313 EMENT VOL-00855-01 PP-00295 RTJ VOL-00059-02 PP-00571)

Apenas na Constituição da República de 1988 é que o “sigilo de dados” passou a constar como direito e garantia individual. No texto da Constituição de 1946, a proteção ao sigilo somente abrangia a correspondência (artigo 141, § 6º), enquanto a Constituição de 1967 abrangeu, além da correspondência, as comunicações telegráficas e telefônicas (artigo 4º, § 9º). Ainda hoje, no Brasil, a transferência do sigilo bancário (que pela natureza de suas informações está fora do núcleo de proteção da intimidade e da vida privada do indivíduo) decorre, simplesmente, de proteção legal, sem qualquer amparo no texto constitucional, em conformidade a todas nossas Constituições anteriores que seguiram esse mesmo paradigma.

4.2 – Restrição do uso amplo das informações da CPMF e manutenção dos termos do artigo 38 da Lei nº 4.595/1964

A criação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira) pela Lei nº 9.311/1996 retomou o debate sobre a possibilidade de a Administração ter acesso às informações bancárias dos contribuintes, já que o próprio fato jurídico em função do qual a contribuição incidia revelava o montante de movimentação financeira realizado pelo particular.

Em função dessa decorrente ampliação de informações em relação ao artigo 38 da Lei nº 4.595/1964, o artigo 11, parágrafo 3º da Lei nº 9.311/1996 proibiu o uso das informações indiretamente prestadas pelas instituições financeiras sobre o fato gerador da CPMF para a constituição das obrigações tributárias referentes a outros tributos.

4.3 – Advento da LC 105, afastando a restrição ao uso amplo das informações da CPMF e a atualização dos termos do artigo 38 da Lei nº 4.595/1964

Com o advento da LC 105, permitindo o acesso da Administração às informações bancárias dos contribuintes, não mais se justificava a vedação prevista na Lei nº 9.311/1996 que, então, foi alterada pela Lei nº 10.174/2001, para contemplar, no mesmo artigo 11, parágrafo 3º, a possibilidade de utilização dos dados da CPMF para a investigação do correto recolhimento de outros tributos – tratava-se de autorizar a prática que ficou conhecida como “cruzamento de dados da CPMF”.

A LC 105, então, ampliou os poderes de investigação da Administração que passou a ter a possibilidade de investigar o sujeito passivo também a partir do resultado de suas operações bancárias. Ainda que a CPMF fosse um importante instrumento nesse sentido, sua extinção, recentemente operada, não afasta e nem sequer mitiga essa possibilidade. Tal decorre do fato de a LC 105, tão somente reformulando os termos do artigo 38 da Lei nº 4.595/1964, manteve no ordenamento jurídico duas formas distintas de a Administração ter acesso aos dados financeiros dos contribuintes: uma, pela obtenção de informes periódicos, provenientes das instituições financeiras; outra, pelo exame de livros, documentos e operações, realizados por conta da existência de um processo administrativo ou mesmo no curso de um procedimento de investigação.

4.4 – Espelho legal: O artigo 38 da Lei nº 4.595/1964 e a LC 105

Note-se que ao mesmo tempo em que o artigo 13 da LC 105, revogou expressamente o artigo 38 da Lei nº 4.595/1964, o conteúdo deste dispositivo permaneceu praticamente intocado. Ou seja, a LC 105 não alterou profundamente o ordenamento jurídico, apenas precisou e desdobrou os mesmos diretivos e deveres já instaurados pelo regime jurídico implementado pelo artigo 38 da Lei nº 4.595/1964. Confirma essa tese a orientação do Supremo Tribunal Federal, nos citados votos dos Ministros GONÇALVES DE OLIVEIRA e DJACI FALCÃO.

A lei nova espelha e acrescenta mais detalhes à imagem já delineada na lei anterior: note-se o cotejo dos dispositivos, revelando as semelhanças entre artigo 38 da Lei nº 4.595/1964 e a LC 105:
Artigo 38 da Lei nº 4.595/1964
LC 105

Caput:
“As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados” Art. 1º
“As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”
§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma. Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.
§ 2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo. Art. 4º O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.
§ 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente. Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente. Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à Administração Tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
Artigo 38 da Lei nº 4.595/1964
LC 105

Sobre ser notável o paralelo entre os dispositivos, é importante ressaltar que o § 1º do artigo 38 da Lei nº 4.595/1964 trata de matéria diversa do § 5º do mesmo dispositivo: o primeiro garante o sigilo das informações financeiras no processo judicial, obtidas por ordem do Poder Judiciário, restringindo o acesso às partes legítimas na causa, entre as quais não precisa figurar, necessariamente, o Fisco; o segundo, § 5º, paralelamente, prescreve o direito de os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados procederem a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, desde que haja processo instaurado e tais medidas forem consideradas indispensáveis pela autoridade competente. Ora, se a “autoridade competente” para lançar é o Agente Fiscal, este “processo” só pode ser o processo administrativo fiscal: trata-se, portanto, de matéria estranha ao § 1º. O § 5º em nenhum momento se refere à autorização do Poder Judiciário!

Registre-se: o mesmo padrão foi reproduzido nos artigos 3º e 5º da LC 105.

4.4.1 – Artigo 5º da LC 105: informes financeiros

Nos termos do artigo 5º da LC 105, as instituições financeiras têm o dever de informar à Administração Tributária as operações realizadas pelos usuários de seus serviços. O parágrafo 1º do dispositivo apresenta extensa lista daquelas que são consideradas “operações financeiras” para os fins da prestação de informações prevista no caput. Além disso, de acordo com o parágrafo 2º, o fornecimento de dados deve se limitar à individualização dos titulares, das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, sem que haja a inserção de qualquer elemento capaz de identificar a origem ou natureza destes gastos.

Referido dispositivo foi regulamentado pelo Decreto nº 4.489/2002 e, mais recentemente, pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil nº 802/2007 (IN 802/2007). Segundo dispõem os atos regulamentares, as instituições financeiras têm o dever de informar semestralmente à Administração Tributária as operações financeiras que superem o montante global de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para as pessoas físicas e R$ 10.000,00 (dez mil reais) para as pessoas jurídicas.

4.4.2 – Artigo 6º da LC 105: informações em processo ou procedimento administrativo

O artigo 6º da LC 105 estabelece duas condições para que as autoridades administrativas possam examinar “documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras”, de sujeitos passivos de relação jurídica tributária: (i) a existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e (ii) o fato de tais exames serem considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

O Decreto nº 3.724/2001 regulamentou tal dispositivo e, em seu artigo 3º, especificou as hipóteses nas quais a obtenção das informações bancárias do sujeito passivo são enquadradas como indispensáveis, reduzindo, assim, o grau de discricionariedade da autoridade administrativa e conferindo maior segurança jurídica ao administrado.

4.5 – Plena vigência da LC 105 e as ADINs interpostas

Conforme vimos, as disposições dos artigos 5º e 6º da LC 105 não diferem muito em conteúdo daquelas anteriormente previstas no artigo 38 da Lei nº 4.595/1964 que, igualmente, estabeleciam a possibilidade de requisição de informes às instituições financeiras e, de outro lado, apontavam como requisito necessário à transferência de sigilo bancário a existência de processo administrativo ou procedimento de fiscalização e, ainda, o juízo de indispensabilidade das informações requisitadas.

Contudo, defensores da inconstitucionalidade de tais dispositivos alegam que as autoridades administrativas não podem, sponte propria, requerer informações sobre as movimentações financeiras do sujeito passivo; uma atitude como essa dependeria de análise judicial prévia, já que se trata de mitigar o direito à intimidade, previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição e o direito ao sigilo de dados, contido no artigo 5º, inciso XII, também da Constituição.

Dessa forma, foram ajuizadas, perante o Supremo Tribunal Federal, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) de números 2.386, 2.397 e 2.390, sendo que as duas primeiras foram apensadas à de número 2.390 (19), já que todas questionam os artigos 5º e 6º da LC 105, bem como, em alguns casos, o Decreto nº 3.724/2001 em sua totalidade, pois este regulamentou o artigo 6º da referida Lei Complementar. Por ora, não há decisão do Tribunal sobre a apreciação da medida liminar, de forma que os dispositivos, objeto de disputa, encontram-se em plena vigência.

Mais recentemente, em janeiro de 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou a ADIN 4.010, cujo objetivo é questionar apenas o artigo 5º da LC 105/2001, o qual, como visto, estabelece o dever das instituições financeiras de informar periodicamente à Administração as operações realizadas por particulares, regulamentado pelo Decreto nº 4.489/2002 e pela IN 802/2007. Referida ADIN ainda aguarda julgamento e é bastante possível que seja apensada à Ação 2.390, pela identidade de objetos.

5 – Perspectiva Global: Tendências políticas internacionais sobre o “sigilo bancário” e a orientação da OCDE para que todos os países-membros permitam o acesso às informações bancárias para propósitos tributários

Em 2000, relatório produzido pela OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) teve por objetivo descrever as posições atuais dos países membros da organização, no que diz respeito ao acesso das autoridades às informações bancárias e, ainda, sugerir medidas relacionadas à melhoria do sistema de arrecadação tributária.

Neste relatório da OCDE publicado sob o título “Melhorando o acesso às informações bancárias para propósitos tributários”(20) , concluiu-se que:

“(…) idealmente, todos os países-membros deveriam permitir acesso às informações bancárias, direta ou indiretamente, para propósitos tributários, de forma que as autoridades tributárias pudessem se liberar de suas responsabilidades de aumento a receita e se concentrar na efetiva troca de informação”(21).

As razões pelas quais a OCDE defende o acesso às informações financeiras envolvem tanto considerações de eficiência e justiça do sistema tributário do ponto de vista interno (doméstico) quanto a questões relacionadas com a possível obstrução, de uma perspectiva internacional, da cooperação tributária entre países, o que pode distorcer o fluxo de capital e direcioná-lo a países que restrinjam referido acesso:

“Negar às autoridades tributárias acesso às informações bancárias pode gerar conseqüências adversas domesticamente e internacionalmente. Domesticamente, isso pode limitar a habilidade as autoridades tributárias de determinar e arrecadar o correto montante de tributo. Isso pode também encorajar desigualdades tributárias entre os contribuintes. Alguns contribuintes irão usar recursos tecnológicos e financeiros para evadir-se dos tributos juridicamente devidos pelo uso de instituições financeiras em jurisdições que protegem as informações bancárias do acesso das autoridades tributárias. Isso distorce a distribuição do ônus tributário e pode levar à desilusão quanto à justiça do sistema tributário. (…) Além disso, a falta de acesso às informações bancárias pode aumentar os custos da Administração Tributária e os custos de cumprimento [destas obrigações] para os contribuintes. Internacionalmente, a falta de adequado acesso às informações bancárias para fins tributários pode obstruir a cooperação internacional eficiente pela restrição da habilidade das autoridades tributárias de auxiliarem parceiros que, em contrapartida, pode gerar ações unilaterais tomadas pelo País que está procurando pela informação bancária. (…)” (22).

Entendeu-se, portanto, que o acesso a informações tributárias para fins bancários é condição necessária para agregar maior justiça ao sistema tributário e assegurar a distribuição correta e transparente dos ônus decorrentes da tributação.

De outro lado, a OCDE salienta que o acesso das autoridades tributárias às informações bancárias não afeta o direito à intimidade, já que as regras relativas à confidencialidade dessas informações são bastante rígidas, garantindo a ausência de uso indevido dos dados obtidos – como, aliás, ocorre no Brasil, seja em função do Código Tributário Nacional (artigo 198), seja por conta da própria LC 105.

O relatório da OCDE teve, portanto, o objetivo de realizar um diagnóstico sobre a situação normativa do sigilo bancário de seus países-membros e, assim, estabelecer uma orientação quanto à necessidade da adoção de uma prática uniforme, voltada à concessão de informações à Administração Tributária, com objetivo de conferir maior efetividade ao sistema. Confira-se a tabela abaixo, consolidada a partir de informações apresentadas no relatório e que claramente demonstra as tendências internacionais quanto à transferência de sigilo bancário em favor da arrecadação tributária (23):

Ranqueamento (1 = sigilo bancário forte) País Fontes Força do sigilo bancário em matéria criminal Força do sigilo bancário em matéria tributára Medidas reformatórias usadas para evitar práticas ilícitas / esforços de harmonização
1 Suíça 1, 3, 6 Bancos devem fornecer informações sobre operadores do crime organizado. Em matéria tributária, as autoridades devem lidar diretamente com o contribuinte envolvido, e não com terceiros (i.e., os bancos). Tem começado a enfraquecer seu sigilo por solicitação da União Européia, mas reluta em fazê-lo por considerar o sigilo um princípio importante.
2 Áustria 1, 3, 6 Ao invés de afirmar o poder do Estado, a Áustria encoraja os bancos à “auto-regulação”. Cortes austríacas podem – com dificuldade – produzir informações relacionadas a crimes fiscais ou penais. O acesso às informações tributárias é amplamente negado às autoridades. Medidas de auto-policiamento são sugeridas. Com um sigilo bancário comparativamente alto, a Áustria está atualmente tornando mais fácil obter informações, especialmente no que diz respeito a assuntos penais.
3 Luxemburgo 1,6 Em matéria criminal, o sigilo só pode ser quebrado durante o depoimento de uma testemunha. Em matéria tributária, auditores apenas têm acesso a informações de herança e bens do de cujus. A União Européia tem pedido a Luxemburgo que enfraqueça seu sigilo, que é hoje muito forte; entretanto, Luxemburgo tem resistido, permitindo a quebra apenas em situações excepcionais.
4 Grécia 1, 6 Art. 260 do Código Criminal apenas permite a quebra do sigilo quando absolutamente necessário para a punição de um crime ocorrido dentro da Grécia, e que seja punido com mais de cinco anos de prisão. Além disso, uma corte precisa expressamente ordenar a quebra do sigilo. Em matéria tributária é muito difícil quebrar o sigilo, uma vez que as cortes freqüentemente apoiam-se nos precedentes de proteção do sigilo tributário e financeiro. Propôs a já mencionada 91/308/EEC, e mostra-se empenhada em combater a lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de drogas.
5 Portugal 1,6 Após a Revolução o sigilo era extremamente forte. A partir de 1980, entretanto, ele passou a ser enfraquecido, e as autoridades têm recebido poderes crescentes em investigações criminais. Assuntos tributários ainda têm algum do sigilo construído em anos anteriores. A União Européia deseja que Portugal enfraqueça seu sigilo como um todo, mas ele o tem feito apenas em matéria criminal.
6 Reino Unido 1,6 Os Atos da Polícia e do Processo Criminal afirmam que o sigilo pode ser ignorado onde houver “suspeitas razoáveis de que uma ofensa séria tenha sido cometida”. Comissários de Renda Internacional podem requerer a qualquer um que forneça informações sobre bens, especificamente no estrangeiro. Desde Tourrier v. o sigilo tem perdido espaço, a ponto de muitos cidadãos acharem que ele precisa ser restabelecido.
7 Alemanha 1, 6 Informações criminosas podem ser reveladas com ordem judicial. A quebra de sigilo em procedimentos tributários é sensivelmente mais difícil do que nos criminais. Alemanha é um país com um sigilo já enfraquecido, especialmente em matéria criminal, e está por isso razoavelmente alinhada com os desejos da União Européia.
8 Espanha 1,6 Em casos criminais, cortes e juízes têm acesso a informações bancárias. Em casos tributários, cortes e juízes podem ter acesso a informações bancárias. Sigilo bancário é relativamente fraco.
9 Irlanda 1,6 Seção 7 do Ato dos Livros Bancários manda quebrar o sigilo em qualquer procedimento em que haja determinação judicial para tanto. Assuntos tributários podem estar compreendidos na disciplina da Seção 7 do Ato dos Livros Bancários, devendo haver quebra do sigilo se assim for determinado por um juiz. Sigilo enfraquecido conforma-se com as regras da União Européia.
10 França 1, 6 Art. 57 da Lei Bancária de 1984 diz que o sigilo não pode ser invocado no contexto de procedimentos criminais. Art. 57 da Lei Bancária de 1984 diz que o sigilo não pode ser invocado “contra autoridades tributárias e alfandegárias, no contexto de lavagem de dinheiro” etc. França adotou a diretiva 91/308/EEC prevenindo “o uso de instituições financeiras e sistemas para a lavagem de dinheiro”.
11 Japão 4 n.d. n.d. Banco Central do Japão (extrapolando para outros bancos e práticas regionais) tem se movido no sentido da maior transparência, indicativa de uma mudança financeira mais ampla.
12 Bélgica 1, 6 Durante a investigação, o sigilo bancário pode ser quebrado, como qualquer outro meio de prova. Os arquivos fiscais podem ser quebrados se o cliente em questão está sob investigação. Alteração dos artigos 42 e 505 do Código Criminal criminaliza as condutas de receber, guardar e administrar fundos criminosos.
13 Finlândia 1, 6 Sigilo pode ser quebrado se a polícia ou outras autoridades precisarem de informações para investigações. Sigilo pode ser quebrado se a polícia ou outras autoridades (i.e., autoridades tributárias) precisarem de informações para investigações. Novas leis em vigor desde 1º de janeiro de 1992, para harmonizar a Finlândia com o restante da União Européia.
14 Suécia 1,6 Crimes de colarinho branco e ofensas criminais em geral são pesadamente combatidas e dão ensejo à quebra dos sigilo. Autoridades fiscais têm ganhado poderes crescentes em relação a adultos. Autoridades fiscais e criminais têm ganhado poderes crescentes nos últimos anos.
15 Dinamarca 1,6 Cortes podem obrigar qualquer pessoa com “informações criminosas” a informá-las. Autoridades fiscais têm acesso a todas as informações referentes a pagamento e restituição de tributos. O sigilo bancário já é muito enfraquecido, e nada precisa ser feito.
16 Holanda 1 As cortes podem revelar “objetos (segredos) que permitam conhecer a verdade” em procedimentos criminais. Autoridades podem ver registros e livros a qualquer momento, mesmo sem que existam suspeitas. O sigilo bancário é relativamente fraco.
17 Itália 1,6 Capacidade de investigar provas criminalmente revelantes foi ampliada, qualquer coisa que se possa relacionar-se a um crime pode ser vista. Um lei de 1972 permite às autoridades fiscais que quebrem o sigilo mesmo sem a existência de elementos criminais. Leis Anti-Máfia enfraquecem o sigilo bancário, não havendo reformas a se fazer para fins de harmonização.
18 Estados Unidos da América 1,6 O governo federal exige que livros sejam guardados pelos bancos e que instituições financeiras reportem transações a oficiais do governo; se isso não for feito, há penalidades. Mais ainda, todas as transações suspeitas acima de US$ 10.000,00 devem ser imediatamente informadas. O Ato de Lavagem de Dinheiro de 1986 dá autoridade imediata para a quebra do sigilo bancário em matéria criminal. Auditores podem investigar arquivos bancários no curso de trabalhos fiscais, assuntos suspeitos são fundamentos que permitem revelar informações. Sigilo muito enfraquecido.
*tabela elaborada a partir dos dados disponíveis em http://www.oecd.org/dataoecd/3/7/2497487.pdf

Conforme se verifica da simples leitura da tabela, a transferência do sigilo bancário em favor da Administração Tributária é a regra nos países-membros da OCDE: preservando, naturalmente, o sigilo fiscal dessas informações, o que somente corrobora a oportunidade já formalizada da mesma medida no Brasil, para conferir às autoridades tributárias os poderes fiscalizatórios necessários para manutenção do grau de eficiência na arrecadação tributária.

Trata-se de assumir que a receita tributária é o elemento central da atividade financeira do Estado (24) e, assim, medidas que visem à sua maior efetivação agregam mais igualdade ao sistema como um todo e, ao final, realizam de forma equânime o Estado de Direito pela justa distribuição dos ônus tributários.

6 – “A morte do segredo bancário suíço” (25) e a inexistência de fundamento semelhante na Constituição ou na legislação brasileira

Na Constituição Suíça, como também em todas as demais Constituições dos países membros da OCDE, não há proteção expressa e absoluta do sigilo bancário para efeitos fiscais.

Na Suíça, até 1934, o sigilo bancário era protegido por vários dispositivos do Código Civil suíço e no Código de Trabalho. A jurisprudência da Corte Federal estabeleceu firmemente o sigilo bancário na prática atual, de forma que um cliente que se sinta vítima de violação de sigilo bancário poderia, por essa razão, obter indenização do banco. Assim, somente em 1934, foi aprovada Lei Federal sobre bancos, que claramente inclui o sigilo bancário dentro da esfera penal. Um banqueiro que infringir o sigilo bancário seria, por essa razão, punido com prisão, reforçando, portanto, a proteção da esfera privada do depositário.

6.1 – Razões históricas do sigilo bancário suíço: espiões nazistas e pressão dos franceses

Mas há duas claras razões históricas e negociais, completamente descontextualizadas da argumentação formal que pretende sustentar aqui, nas praias tupiniquins, a mesma força e rigor do sigilo bancário suíço.

Primeira: Espiões nazistas. A crise de 1931 levou à intensificação do controle de câmbio estrangeiro na Alemanha. Hitler promulgou uma lei pela qual qualquer alemão com capital estrangeiro seria punido com pena de morte e a Gestapo começou a espionar os bancos suíços. Quando três alemães foram condenados à morte, o governo suíço se convenceu da necessidade de reforçar o sigilo bancário.

Segunda: Pressão dos franceses. Em 1932, o caso Handelsbank, da Basiléia, revelou que mais de 2.000 membros da elite francesa possuíam contas na Suíça. Esquerdistas franceses usaram esse fato para denunciar o programa de austeridade de um governo burguês que nada fazia para combater fraudes fiscais. Eles demandaram autoridade jurídica sobre contas francesas na Suíça, mas sem sucesso.

Por razões óbvias, em 1984, os suíços novamente escolheram, por esmagadora maioria, com mais de 73% dos votos, a favor da manutenção do sigilo bancário, mantendo a regulamentação Suíça tanto pela lei civil (incluindo o Banking Act) quanto pela legislação penal. A violação ao sigilo pode ser, então, sujeita a dupla punição:

(i) multa e prisão para o banqueiro infrator do Banking Act e do Código Penal e

(ii) indenização para o cliente infrator quanto à negligência. Espionagem econômica ou fiscal por parte de autoridades de um terceiro país é também punível pela legislação penal.

Coerentemente com os interesses do grande negócio nacional suíço, mais rentável que a fabricação de relógios, chocolates e queijos, lá o sigilo bancário não é suspenso sequer diante de evasão fiscal, mesmo mediante requerimento de governo estrangeiro. Aliás, nem evasão, nem omissão tributária na declaração de rendas e bens são consideradas crimes; decorrência deste desenho legal é que, a Suíça, convenientemente, não concorda com nenhum requerimento para cooperação judicial (também conhecida como assistência mútua) de outros governos (26).

6.2 – A morte do segredo bancário suíço, transconstitucionalismo: A pressão dos EUA e da UE na formação de um novo cenário jurídico global

Barack Obama, quando era senador, denunciou com perseverança a imoralidade desses “remansos de paz para o dinheiro corrompido”. Hoje ele é presidente de uma nação que considera a fraude fiscal um dos crimes mais graves: foi sob esse pretexto que AL CAPONE foi enquadrado, nos anos trinta (27).

O primeiro ataque dos Estados Unidos foi dado contra a UBS – União de Bancos Suíços – gigantesca instituição bancária suíça que em face da ameaça dos norte-americanos de retirar sua licença nos EUA, passou o nome de 250 clientes americanos por ela ajudados a fraudar o fisco. Mais recentemente o ataque foi retomado: desta vez, os americanos exigem que a UBS forneça o nome de seus 52.000 clientes titulares de contas ilegais. O Banco protestou, a Suíça está temerosa e o partido de extrema-direita, UDC (União Democrática do Centro), que detém um terço das cadeiras do parlamento federal, propõe que:

“o segredo bancário seja inscrito e ancorado na Constituição Federal” (28).

Mas, além dos americanos, outro golpe, agora da cúpula européia que se organizou em Berlin, em preparação ao encontro do G20, em Londres: França, Alemanha e Inglaterra chegaram a um acordo para sancionar paraísos fiscais (29).

Talvez, seja o alvorecer, perante a crise econômica, de uma nova ordem global que se enquadra bem ao que MARCELO NEVES, em obra ainda inédita (30), denomina TRANSCONSTITUCIONALISMO:

“(…) o reconhecimento de que as diversas ordens jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-caso – a saber, de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder -, que lhes são concomitantemente relevantes, devem buscar formas transversais de articulação para a solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus próprios limites e possibilidades de contribuir para solução do problema. Sua identidade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação do outro. Isso parece-me frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo observador tem um limite de visão no “ponto cego”, aquele que o observador não pode ver em virtude de sua posição ou perspectiva de observação. Mas se é verdade, considerando a diversidade de perspectivas de observação de alter e de ego, que “eu vejo o que tu não vês”, cabe acrescentar que o “ponto cego” de um observador pode ser visto pelo outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que o transconstitucionalismo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determinada ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver.”

6.3 – Da inexistência de obstáculo constitucional ou legal no Brasil à transferência do sigilo bancário para a Administração Tributária

Espiões nazistas já não há mais no nosso mundo nem a STASI (31) para invadir nossas casas com escutas telefônicas, nem pressão ou temor ao estilo francês de 1932 de nossa elite: o mundo mudou… e para melhor. Além disso, o Brasil não é a Suíça, aqui não há lei que estenda a proteção dos dados bancários ao Fisco: essa orientação encontra respaldo mesmo em voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE que, ao se aliar à opinião vencedora no Mandado de Segurança nº 21.729, considerou que o sigilo bancário não é abrangido pela garantia da vida privada nem por outro direito fundamental, sendo tão somente tutelado no âmbito da legislação ordinária e, assim, passível de limitações, acrescente-se, conforme arbítrio e ponderação política do legislador (32):

“O sigilo bancário só existe no Direito brasileiro por força de lei ordinária. Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata da ‘intimidade’ protegida no inciso X do art. 5º da Constituição Federal”. (…) Em princípio, por isso, admitiria que a lei autorizasse autoridades administrativas, com função investigatória e sobretudo o Ministério Público, a obter dados relativos a operações bancárias”.

Trata-se de assumir a posição de que o tema da transferência do sigilo bancário dos contribuintes pelas autoridades administrativas, observadas as condições previstas em lei (neste caso, na LC 105), não envolve questões constitucionais, já que o sigilo bancário não decorre da Constituição.

Mas se houvesse o mesmo nível de sigilo bancário, aqui, fundado na Constituição, por que todo dinheiro do mundo não viria para a proteção dos modernos bancos brasileiros? Por que, ao contrário, tanto dinheiro historicamente saiu da América Latina, cruzando o longínquo e desafiador Atlântico em busca dos bancos suíços? Há, aqui, clara assimetria de informação mundial ou desinformação nacional. Para que ir até a Suíça? Para que se submeter a triangulações negociais obtusas e sem proteção legal? Querem segurança? Então, depositem nos bancos brasileiros: ao futebol, acrescentaríamos o sigilo fiscal e seríamos potência mundial.

Entretanto, como se vê na prática, não é esse o caso: quem acredita no sigilo fiscal brasileiro? Se ele existisse, teríamos que comunicá-lo ao resto do mundo…

Contrafacticamente, pode se argumentar que se trata de ineficácia social da regra de sigilo bancário, mas, para tanto, haveríamos de, ao menos, identificá-la no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, lendo e relendo, atentamente, os artigos X e XII do artigo 5º da Constituição da República não conseguimos identificar, seja no sentido paradigmático, seja no figurado, como podem estes dispositivos sustentar o impedimento da legítima transferência ao Fisco das informações que já são objeto do trato infraconstitucional de deveres instrumentais tributários.

7 – É injustificada a generalização do medo da transferência do sigilo bancário

Juridicamente, pode-se explicar este fenômeno de ideologização do “direito ao sigilo” como uma espécie de sobreinclusão (33), axiologicamente forçada, que sobrevaloriza noções em torno dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade, a partir da premissa falsa e generalizante de que a simples vigência da LC 105, eliminaria estes direitos.

Assistimos assim a uma espécie de argumentação entimemática (34), fundada em premissas indizíveis, que tende a proteger absolutamente o sigilo bancário, mas guarda para si proposições tópicas e generalizantes que não são ditas, mas que ameaçam silenciosamente o cidadão incauto que passa a associar e difundir um sentimento social de invasão diante da idéia de transferência do sigilo autorizado pela LC 105. Instala-se, assim, o medo de que sempre haverá abuso de informações. O temor, justificado em parte pela própria complexidade da legislação tributária, de que todos têm algo a ocultar em suas contas bancárias.

Tal temor transforma-se em stress social quando associa-se a idéia da transferência, à imagem de algemas, noticiário em rede nacional dando ampla publicidade de esquemas criminosos de lavagem de dinheiro e corrupção.

Quem tem medo da transferência do sigilo bancário? Para esmagadora parte da população, que é assalariada, não existe esse sigilo, posto que desde 1943, o Decreto-lei nº 5.844 exige que as pessoas físicas e jurídicas enviem à Administração informações rendimentos que pagaram ou creditaram no ano anterior, “com indicação da natureza, das respectivas importâncias e dos nomes e endereços das pessoas que os receberam” (35).

Contudo, nossa história recente mostra precedentes exemplares de respeito às regras constitucionais e legais do sigilo bancário: cite-se o caso do caseiro Francenildo Santos Costa que sofreu, ilegalmente, a quebra do seu sigilo bancário – mediante ato ilícito, ilegal e, portanto, fora das hipóteses da LC 105 – e que culminou em 27 de março de 2006, com a saída do Ministro da Fazenda, de seu assessor de comunicação e do presidente da Caixa Econômica Federal (36).

8 – O receio do uso ilícito da competência administrativa de transferência do sigilo (quebra do sigilo) pretendendo justificar o exercício absoluto e abusivo dos direitos à intimidade e à vida privada

Nas alegações e argumentações jurídicas tecidas nas ADIN´s, verificamos o incontido receio de abuso no uso das prerrogativas outorgadas a SRF pela LC 105. Tal sentimento decorre de dois fatores generalizantes:

(i) medo do excesso de poder das autoridades administrativas no uso de tais prerrogativas e

(ii) desconsideração das hipóteses e do rígido procedimento exigido para o exercício do direito de acesso às informações bancárias.

Analisando o primeiro destes fatores, é curioso notar que excesso de poder e abuso de direito surgem da mesma matriz, o Código de Napoleão, na forma de criações doutrinárias e jurisprudenciais na França, entre a segunda metade do Século XIX e o começo do Século XX, destinadas a corrigir duas características jurídico culturais consagradas no Código: (i) o formalismo legal segundo o qual a Lei contém regras que predeterminam a solução de todos os casos possíveis e dispensa a ponderação de razões por parte dos juízes e (ii) o absolutismo dos direitos e, singularmente, do direito de propriedade, que veio definido no artigo 544 do Código como “o direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta”, e que traduz regra geral de permissão que outorga ao proprietário, levar a termo quaisquer ações, sem necessidade de ponderar em nenhum caso de que maneira ditas ações podem afetar os interesses de terceiros (37).

É formalismo legal pressupor que sempre haverá excesso de poder na aplicação da LC 105. É abuso de direito a pretensão de gozar e dispor do direito à intimidade de forma absoluta, afetando terceiros e o Estado no exercício da legalidade tributária.

Destarte, sob esse prisma, no presente caso, a pretensão de justificar o gozo absoluto no exercício da proteção da intimidade gera abuso de direito, em face do receio do excesso de poder das autoridades administrativas no exercício das prerrogativas da LC 105: é o medo do uso indevido de uma competência administrativa (transferência do sigilo) pretendendo justificar o exercício absoluto e abusivo de um direito (à intimidade).

Se houver excesso de poder é a LC 105 que estará sendo desrespeitada, circunstância que só será aferível ante do caso concreto, portanto o perigo desse abuso não é suficiente para justificar o fundamento material das ADIN´s, muito menos a invalidade desta legislação que protege o sigilo bancário, garantindo o direito à intimidade. Diante do ato concreto de abuso, seria o mandado de segurança o instrumento adequado para combater a ilegalidade concreta: nunca seria caso de ADIN.

9 – Desconhecimento dos termos da LC 105 e sua regulamentação: sem tributos, não há Estado; sem Estado, não há propriedade: Sem propriedade, para que serve o sigilo bancário?

Outro ponto relevante a ser considerado, na amplitude do “auditório universal” (38) deste debate, é o completo desconhecimento e generalização dos termos da LC 105 e do Decreto nº 3.724/2001: ambos protegendo o sigilo bancário e regulando o estrito e rigoroso processo de acesso às informações bancárias, somente mediante a existência de processo administrativo e notificação prévia do contribuinte, informando a existência do procedimento para a “Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira – RMF”. Além disso, o § 4º, do artigo 37 da Constituição estabelece a proteção constitucional do contribuinte, garantindo que atos de improbidade administrativa importarão: suspensão de direitos políticos, perda da função e indisponibilidade dos bens, sem prejuízo de ação penal.

Basta ler a LC 105 e os Decretos nºs 3.724/2001 e 4.489/2002, para verificarmos que o procedimento de acesso aos dados bancários é completamente blindado, protegido por sigilo funcional e com trâmite rigorosamente estrito aos agentes fiscais, sob pena de responsabilidade funcional, civil pessoal e criminal:

I – Não é caso de simples conhecimento dos dados bancários: ao contrário, a LC 105 garante a proteção dos dados bancários, prescrevendo o dever de sigilo às instituições financeiras e ao Banco Central (artigos 1º e 2º);

II – O acesso aos dados bancários também não é simples: exige processo administrativo ou procedimento fiscal em curso (artigo 6º da LC 105) e o início do procedimento exige Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), privativo de coordenador-geral, superintendente, delegado ou inspetor (§§ 1º, 2º e inciso V do § 3º, do artigo 2º do Decreto nº 3.724/2001);

III – Sendo pressuposto do ato de Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira, a prévia intimação ao sujeito passivo para apresentação de suas informações financeiras, necessárias a execução do Mandado de Procedimento Fiscal (§ 2º do artigo 4º do Decreto nº 3.724/2001);

IV – O § 2º do artigo 5º da LC 105, não permite possibilidade jurídica de “deixar ao desabrigo a intimidade das pessoas”, pois determina que as informações transferidas à Administração Tributária da União “restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados”,

V – Impõe-se, ainda, que tais informações sejam conservadas sob sigilo (§ 5º do artigo 5º e parágrafo único do artigo 6º da LC 105), com controle de acesso registrado e tramitação estritamente regulada mediante envelopes lacrados (§§ 1º e 2º do artigo 7º do Decreto nº 3.724/2001);

VI – E todo esse regime rigoroso impõe-se sob pena de responsabilidade funcional do servidor público (artigo 10 do Decreto nº 4.489/2002) e responsabilidade material e moral pessoal do servidor por eventuais danos decorrentes (artigo 11 da LC 105);

VII – Além disso, o acesso às informações bancárias fora das estritas hipóteses autorizadas na LC 105, ex vi do seu artigo 10º, constitui crime sujeito à pena de reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de outras sanções.

Dura lex, sed lex! Entendemos, de lege ferenda, compreensíveis os temores expressos nas várias das ADIN’s interpostas contra a LC 105, contudo, são juridicamente injustificáveis: não há nada a temer, a LC 105 e seus decretos, ao contrário do que se sugere, vieram para preencher lacuna jurídica e regulamentar o disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição, garantindo o pleno exercício da intimidade e da vida privada, em conformidade com os valores constitucionais que atribuem ao Estado a obrigatoriedade de garantir, via tributação, o custo público do pleno exercício da liberdade e do direito de propriedade: sem tributos, não há Estado; sem Estado, não há propriedade; sem propriedade, para que serve o sigilo bancário?

Ocorre que na Suíça há direito ao sigilo bancário não porque se trata de direito ou garantia fundamental, pois a matéria sequer é lembrada na Constituição Suíça, nem em nome da privacidade ou da dignidade da pessoa humana. O “direito ao sigilo bancário” que é motor do grande mercado financeiro nacional suíço existe com fundamento em uma simples Lei (40). Revoga-se esta simples Lei, como é a expectativa dos países da Comunidade Européia e dos Estados Unidos, e ponto: será o fim do sigilo bancário na Suíça.

No Brasil, não há lei que proteja o sigilo bancário das atribuições legais do Fisco: muito ao contrário (conforme demonstramos no Item 6.2), existe expressa lei que autoriza, sob rígidas condições e procedimentos, a obtenção de informações financeiras dos contribuintes com o objetivo de realizar a legalidade e a igualdade tributária.

10 – Legalidade como instrumento da igualdade (caput do artigo 5º modulando seus incisos X, XII e LV) que se impõe ao sigilo bancário em face da necessidade da prova, motivação do ato de lançamento, que realiza e concretiza a legalidade

A intimidade e o sigilo de dados não podem servir de meio ou instrumento de bloqueio da realização da igualdade perante a lei: não é por acaso que a expressão “Todos são iguais perante a lei” e a garantia à “igualdade” encontram-se expressamente no esquecidiço caput do artigo 5º que deve guiar e orientar o sentido dos incisos X e XII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
A igualdade impõe-se ao sigilo bancário. E como a legalidade é o instrumento da igualdade, então, a aplicação efetiva da lei geral e abstrata impõe-se sobre a intimidade e sobre o sigilo de dados. O privilégio de não transferir os dados bancários à administração implica o benefício de ocultar a prova que é condição do ato de aplicação da lei, rompendo a legalidade e sujeitando a igualdade à “Lei de Gerson”, no processo de concretização da lei tributária.

Ocorre que há dois planos de legalidade: (i) a legalidade geral e abstrata que engendra a incidência conceptual (“eficácia legal” em PONTES DE MIRANDA) e (ii) a incidência jurídica (“efetividade” em Pontes). É esta última que PAULO DE BARROS CARVALHO (41), de PONTES à KELSEN, define como sendo o derradeiro ato de aplicação do direito tributário: aquela que produz enunciados conformativos de norma individual e concreta. Sem esta aquela não se realiza, sem aquela esta perde seu fundamento legal.

Perante a legislação do imposto de renda, realizam o fato gerador “auferir renda”: tanto (i) o contribuinte que, ao cumprir as obrigações acessórias, espelha nas informações fiscais sua efetiva movimentação financeira, quanto (ii) o contribuinte que se omite e não declara seus rendimentos, apresentando inconsistência com a efetiva movimentação financeira. Para ambos nasce a obrigação de pagar imposto sobre a renda. Contudo, sem a prova deste fato gerador, que é motivo do ato de lançamento tributário, não há como aplicar a lei concretamente.

Cria-se discriminação injustificada entre o primeiro, que oferece a informação, e o segundo, que oculta a prova, e ainda pretende gozar de forma abusiva do direito ao sigilo, em atitude de fraude à lei tributária.

A realização prática da legalidade exige prova dos fatos descritos hipoteticamente na lei. Sem prova não há ato administrativo: compromete-se a eficácia jurídica da lei. Sem ato administrativo, a legalidade não se concretiza, não se generaliza, ferindo o primado da igualdade.

GERALDO ATALIBA adverte

“A lei é o instrumento da isonomia”. E arremata: “A captação do conteúdo jurídico da isonomia exige do intérprete adequada consideração sistemática de inúmeros outros princípios constitucionais, especialmente a legalidade, critério primeiro, lógica e cronologicamente, de toda e qualquer ação estatal” (…) “Igualdade diante do Estado, em todas as suas manifestações. Igualdade perante a Constituição, perante a lei e perante todos os demais atos estatais. A isonomia, como quase todos os princípios constitucionais, é a implicação lógica do magno princípio republicano, que fecunda e lhe dá substância.” (…) “Embora tenha larguíssima fundamentação histórica e provectas raízes culturais, o princípio da isonomia só pode ser compreendido em toda sua dimensão e significado, juntamente com o princípio da legalidade” (42).

Sem legalidade, não há igualdade; sem igualdade não há república.

É. A poderosa intuição jurídica do Guardião da República parece haver gravado sua influência e sabedoria no texto constitucional: há inúmeras regras constitucionais prescrevendo, expressa e implicitamente, a realização da legalidade, nos procedimentos e processos jurídicos, vejamos:

– O próprio caput do artigo 5º: “todos são iguais perante a lei”;

– A legalidade estrita do artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ou leia-se: de sua devida aplicação mediante provas previstas, também, em lei para sua fiel aplicação (busca da verdade material);

– O reiterado artigo 5º, inciso XII, em que o expresso acesso a inefabilidade da comunicação telefônica, em detrimento do sigilo de comunicação, permite a constituição de provas para realização da legalidade;

– O artigo 5º, inciso LV, o devido processo legal com os meios e recursos inerentes: pois sem a prova, que é meio, a legalidade material não se realiza; nem a formal…

– O artigo 37: dever de legalidade, impessoalidade e eficiência da Administração pública;

– O artigo 84, inciso IV, que prescreve que “compete ao executivo cuidar da fiel execução da lei”: ora, sem provas, é impossível aplicar juridicamente a lei.

DIMITRI DIMOULIS e LEONARDO MARTINS advertem para a herança da preocupação com as garantias do princípio da legalidade, positivado pela primeira vez na terceira Constituição francesa de 1795, retratando a prevalência e supremacia da lei sobre as decisões dos demais Poderes e aguardando do legislador a tutela e harmonização dos direitos fundamentais sem ulteriores possibilidades de controle: “A máxima jurídica da qual se valiam os constitucionalistas alemães do século XIX era a seguinte ‘não haverá intervenção na liberdade e na propriedade sem lei (que as legitime)’ (Kein Eingriff in Freheit und Eigentum ohne Gesetz)” (43) (destacamos em negrito).

Destarte, a intimidade e a vida privada já nascem limitadas pela igualdade e pela legalidade que é seu derradeiro instrumento de realização; são diante desses “termos” que os incisos X, XII e LV devem ser interpretados.

Que direito se opõe ao gozo absoluto do direito ao sigilo bancário? A resposta está na Constituição: o direito à prova, última instância que conecta direito e realidade, possibilitando a concretização da legalidade que instrumentaliza a efetivação da igualdade.

10.1 – Legalidade e a necessidade da prova como motivação do ato de lançamento, delimitando o núcleo do direito à intimidade e à privacidade, previstos no artigo 5º, inciso X da Constituição

Como harmonizar a vida social com a mesquinhez do direito à intimidade? Como garantir a idoneidade de um homem público sem relativizar parcela de sua intimidade? Como garantir que todos contribuam igualmente para manutenção do Estado? O fato é que o texto constitucional não se refere à manutenção de uma intimidade injustificável. Muito ao contrário, a sintaxe do dispositivo apenas não admite a violação ilegal, ilícita. Tanto é assim que a Constituição prevê outras situações que delimitam essa hipótese: por exemplo, o legítimo exercício da liberdade de expressão; outro exemplo, a legítima obrigação de todos pagarem impostos e o dever de a Administração obter os meios de prova para realização efetiva da legalidade tributária.

A legalidade protege a violação ilícita da intimidade, mas, também, a intimidade não pode impedir a concretização da legalidade: sem legalidade, não há propriedade nem liberdade; nem suas garantias e, sendo assim, para que intimidade?

Seja o sigilo bancário variável ou não do direito à intimidade, este direito pode ser restrito por outro, uma vez demonstrada a precedência daquele sobre este. Sobre o reconhecimento de que o sigilo bancário não é absoluto, confira-se outro julgado do Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: – CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X. I. – Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art. 5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma infraconstitucional. II. – R.E. não conhecido” (destaques não contidos no original). RE 219780, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 13/04/1999, DJ 10/09/1999.

Reitere-se a indagação central: que direito se contrapõe ao direito ao sigilo bancário?

Referido direito se revela no princípio da prevalência do interesse público em face do interesse particular que, nesse caso, se manifesta pela necessidade de agregar eficácia à legalidade e à igualdade através da faculdade conferida à Administração de controlar a veracidade das informações declaradas pelo contribuinte, mediante a averiguação das movimentações financeiras respectivas, observados os ditames legais (LC 105), e, assim, produzir as provas necessárias para a constituição do fato jurídico tributário. De um ponto de vista geral, pode-se resumir esse princípio no enunciado do artigo 145, § 1º da Constituição, que determina:

Artigo 145 – (…)
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Disso decorre que a Administração, na busca pela comprovação da ocorrência de fatos que resultem na exigência tributária e, assim, como teoriza PAULO DE BARROS CARVALHO , na constituição em linguagem de fatos subtraídos do conhecimento das autoridades, pode requisitar informações sobre os rendimentos, patrimônio e atividades econômicas dos contribuintes. A questão é saber qual o limite para essa requisição e em que medida essa faculdade pode ser acomodada diante da proteção à intimidade, nos termos acima delineados. A resposta nos é fornecida pela ponderação entre princípios: neste caso específico, a relativização do direito à intimidade se mostra adequada, necessária e proporcional. Isso porque, a redução da esfera de proteção do direito à intimidade, para garantir tanto a eficácia na produção de provas tributárias quanto, como resultado, a concretização da legalidade, justifica-se em face dos maiores benefícios advindos na limitação desse direito do que na sua prevalência.

Importante notar que não se trata aqui, de proceder à simples técnica de hierarquização dos princípios, criticada pelo Ministro GILMAR FERREIRA MENDES. O que pretendemos é, pela via da identificação dos significados dos princípios, estabelecer, em uma situação de conflito prática qual deve, necessariamente, prevalecer. Nas palavras do Ministro:

“o Tribunal não se limita a proceder a uma simplificada ponderação entre princípios conflitantes, atribuindo precedência ao de maior hierarquia ou significado. (…) Ao revés, no juízo de ponderação indispensável entre os valores em conflito, contempla a Corte as circunstâncias peculiares de cada caso. Daí afirmar-se, correntemente, que a solução desses conflitos há de se fazer mediante a utilização do recurso à concordância prática (praktische Konkordanz), de modo que cada um dos valores jurídicos em conflito ganhe realidade” (45).

Pelo exposto, deve-se concluir, necessariamente, que o interesse da Administração de formalizar fatos jurídicos tributários e, assim, ser capaz de produzir provas com base nas movimentações financeiras dos contribuintes, prevalece em face da proteção à intimidade – nesse balanço, é o interesse relacionado à realização da legalidade tributária (e não meramente da arrecadação da Administração) que possui maior peso e, assim, tem precedência sobre o princípio do artigo 5º, inciso X da Constituição.

Nada é por acaso: não há mercado sem governo e não há governo sem tributos. É a magistral lição de LIAM MURPHY e THOMAS NAGEL: não há que se falar em “propriedade” antes da tributação. O direito de propriedade é institucional e, como tal, depende do direito tributário e da própria existência do Estado, o que implica tributação; os tributos não são representativos de invasão do Estado no patrimônio dos contribuintes, já que tal direito não é anterior à tributação, mas condicionado a ele. Disso decorre que é o sistema tributário que delineia a propriedade e não o contrário:

“(…) não há mercado sem governo e não há governo sem tributos; e qual tipo de mercado existe depende das leis e das decisões políticas que o governo deve tomar. Na ausência de um sistema jurídico suportado por tributos, não poderia haver dinheiro, bancos, corporações, venda de ações, patentes ou uma moderna economia de mercado – nenhuma das instituições que tornam possível a existência de quase todas as formas contemporâneas de renda e riqueza” (46).

10.2 – Legalidade e a interpretação do artigo 5º, inciso XII da Constituição, como confirmação da importância da garantia à prova também para as comunicações telefônicas

Alega-se que a transferência de sigilo bancário afeta o direito fundamental do “sigilo de dados”, amparado pelo artigo 5º, inciso XII da Constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

A controvertida interpretação do artigo 5º, inciso XII da Constituição decorre, basicamente, de problemas de ambigüidade na relação produto/processo (47), inerentes à toda e qualquer comunicação: protege-se o sigilo de dados (produto)? Ou garante-se tão somente o sigilo da comunicação de dados (processo)?

Ocorre com a expressão “comunicação de dados”, a mesma confusão que encontramos em expressões jurídicas como “ato administrativo”, “posse” e “contrato”. É o que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambigüidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, “é o que ocorre com palavras como ‘trabalho’, ‘vivência’, ‘construção’, ‘pintura’. Se alguém me diz ‘encontro-me na pintura’, pode-se duvidar se o que gosta é pintar ou contemplar quadros” (48).

Assim, também, são as fontes do direito: o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto).

Da mesma forma, esta dualidade está presente nos atos de comunicação citados no inciso XII do artigo 5º da Constituição, sendo assim temos:

(i) o ato de escrita e envio da correspondência (processo) e a carta recebida (produto);

(ii) o ato de enunciação da comunicação telegráfica (processo) e o telegrama (produto);

(iii) o ato de comunicação de dados transitando por via aérea, fios de cobre ou fibras ópticas (processo) e os dados recebidos e armazenados no disco rígido do destinatário (produto); enfim,

(iv) temos o ato de comunicação telefônica (processo) e o próprio resultado deste ato que é a comunicação realizada pelos interlocutores no tempo-espaço histórico do diálogo (produto).

O processo é ato de enunciação que se consome no tempo-espaço de sua realização: perde-se o ato do envio da correspondência; perde-se o ato da comunicação telegráfica, perde-se o ato da transmissão de dados e perde-se o ato da comunicação telefônica.

Contudo, pela própria natureza do suporte físico (ou canal) que lhe servem de veículo comunicacional, dos três primeiros: da correspondência e da comunicação telegráfica ou de dados, resta o produto, a prova da comunicação: a carta, o telegrama e os dados gravados ou registrados em qualquer suporte.

Dos quatro meios de comunicação relacionados no inciso XII do artigo 5º, apenas a comunicação telefônica não deixa resquícios ou marcas materiais da sua existência (provas); sua natureza exige intervenção de terceiro no próprio ato comunicacional.

A previsão de transferência no sigilo na comunicação telefônica é a confirmação, neste dispositivo, da prevalência do interesse da prova sobre o próprio direito ao sigilo. Correspondência, telegramas e dados deixam provas: por sua própria natureza, marcas (índices) do conteúdo dessas comunicações. Daí porque o texto constitucional exigir autorização judicial exclusivamente para o acesso à comunicação telefônica: neste caso, o processo de comunicação não resulta em qualquer produto; o único meio de se ter conhecimento do conteúdo da comunicação é pela interceptação direta no ato de comunicar.

Essa percepção corrobora duas importantes conclusões:

(i) o âmbito da proteção é, centralmente, o processo de comunicação e não o produto (prova da transação ou do negócio) que dela decorre; e

(ii) a justificativa dessa exceção (sigilo telefônico) está, precisamente, em garantir expressamente a legalidade mediante o pleno acesso a todos os tipos de comunicação, viabilizando a produção de provas, sem as quais o direito não se concretiza: LEGALIDADE DE PAPEL.

10.3 – Legalidade e necessidade da transferência do sigilo bancário como realização dos meios de prova inerentes ao devido processo legal

Argumenta-se que a transferência do sigilo bancário às autoridades administrativas ofende os incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição. É curioso que na interpretação desses incisos também é esquecido o caput respectivo, que condiciona a compreensão dos dispositivos à realização da igualdade, instrumentalizada pela legalidade, conforme já ressaltado acima em relação aos incisos X e XII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

A suposta ofensa está fundada em duas razões distintas:

(i) a transferência de sigilo dependeria de autorização específica do Poder Judiciário e, assim, a LC 105 ofenderia a reserva de jurisdição e

(ii) o acesso das autoridades tributárias às movimentações financeiras dos contribuintes resultaria em ofensa ao contraditório e ao direito à ampla defesa, já que ao contribuinte, não seria dado contestar, ao menos administrativamente, a providência fazendária.

Nenhum dos argumentos tem fundamento. No que se refere à ofensa do princípio da reserva de jurisdição, deve-se considerar que as informações objeto de transferência para a Administração Tributária estão fora do núcleo de proteção do direito á intimidade e à vida privada. De outro lado, o sigilo contemplado no referido dispositivo condiciona a autorização do Poder Judiciário somente às comunicações telefônicas, conforme se depreende da redação constitucional, que não deixa qualquer dúvida sobre o tema e ainda confirma a preocupação deste dispositivo de garantir a realização da legalidade e da verdade material, pelos inerentes meios de prova:

“Art. 5º – (…)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Nesse sentido, também, é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal:

“(.) O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. (.)” (destaques não contidos no original)

MS 23452, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12/05/2000.

Sendo assim, não encontra qualquer fundamento a alegação de que a LC 105 ofende a reserva de jurisdição, por dois motivos: primeiro, porque a transferência do sigilo bancário está fora do núcleo de proteção previsto no artigo 5º, incisos X e XII da Constituição e, segundo, porque reserva de jurisdição não pode acobertar informações (dados) que são objeto de obrigações tributárias acessórias ordinárias, mas tão somente as interceptações telefônicas.

Finalmente, no que se refere à suposta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, a tese, igualmente, não possui respaldo na Constituição Federal, nem nos termos do Decreto nº 3.724/2001 que regulamenta a LC 105 e determina a intimação prévia do contribuinte que terá o sigilo de seus dados bancários transferidos à Administração:

Art. 4º (…)
§ 2º A RMF (requisição de informações sobre movimentação financeira) será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do MPF (mandado de procedimento fiscal).

Ora, uma vez intimado, na hipótese de o contribuinte entender que tal providência é abusiva ou ilegal e, assim, não se encontrar de acordo com os ditames da LC 105, poderá impetrar mandado de segurança e garantir o exercício da ampla defesa e contraditório. É importante frisar que a própria da LC estabelece, de forma precisa, as condições para que seja possível a solicitação, pela autoridade administrativa às instituições financeiras, das informações bancárias dos contribuintes.

Nos termos do artigo 5º da LC 105, sempre que as movimentações dos contribuintes superarem um determinado valor (R$ 5.000,00 para pessoas físicas e R$ 10.000,00 para pessoas jurídicas), a instituição financeira tem o dever de informar à Administração. Além disso, nos termos do artigo 6º da mesma lei, também poderão as autoridades, no curso de procedimento ou processo administrativo, solicitar informações às instituições financeiras, em relação às movimentações dos contribuintes, desde que tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Conforme se verifica da simples leitura dos dispositivos, o objetivo da Administração em obter tais informações é o de colher elementos para, eventualmente, apurar obrigação tributária existente em face do sujeito passivo, mas não adimplida. Trata-se, pois, de mecanismo de produção de prova e, como tal, necessariamente inquisitório: faz parte da obrigação da autoridade fiscal seguir rigorosamente a legislação que regula o procedimento administrativo de apuração de fatos destinados à formação da motivação do ato de lançamento tributário. É tão apenas após a notificação do ato de lançamento que se deve falar em exercício do contraditório. Até então, estamos diante das atividades vinculadas da Administração, voltadas à formalização do crédito tributário.

Além disso, confirma essa tese, o próprio texto do inciso LV do artigo 5º da Constituição, ao enunciar que:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ora, sem os meios de prova, contraditório sobre o quê? Ampla defesa do quê? Só de matéria de direito? E os fatos? E a incansável busca pela “verdade material”? Due process of law só para debater a interpretação de artigos não tem sentido! O devido processo legal pressupõe os meios de prova necessários para aplicação da legalidade material ao fato material para que assim se exerça plenamente o contraditório e a ampla defesa.

Em verdade, a transferência do sigilo bancário para Administração pública, exaustivamente disciplinada na LC 105 e seus regulamentos, regula e incrementa a realização efetiva do devido processo legal, sendo que qualquer ilegalidade neste procedimento estará sempre sujeita à apreciação do Poder Judiciário.

10.4 – Legalidade e interpretação do artigo 145 § 1º da Constituição como fundamento da eficácia do Sistema Tributário Nacional desenhado pelo legislador constituinte

Alega-se, confusamente, que a quebra de sigilo bancário ofende o artigo 145, § 1º da Constituição na medida em que tal dispositivo, apesar de possibilitar que a Administração Tributária, para conferir efetividade à realização da capacidade contributiva, pode identificar “o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, limita tais atividades ao respeito dos direitos individuais; e, no presente caso, a LC 105, não teria observado tais direitos. A não observância decorre do argumento de que a quebra de sigilo bancário ofende os direitos tutelados pelo artigo 5º, incisos X, XII, LIV e LV, todos da Constituição.

Novamente revisitamos os mesmos incisos X, XII, LIV e LV do artigo 5º, agora direcionados pela inusitada via do artigo 145, § 1º, sob a rubrica “direitos individuais”. Entretanto, como exposto até agora, nenhum desses dispositivos, devidamente modulados pelo sempre esquecido caput do artigo 5º têm o condão de infirmar a LC 105. Conforme demonstrado, ao contrário de opor-se, a LC 105 outorga concretude e regulamentação aos aludidos direitos.

É estranho ver o artigo que abre o Capítulo I, firmando as raízes do Sistema Tributário Nacional -, outorgando (i) competência tributária aos entes federativos para criar leis instituidoras de impostos, taxas e contribuições e, ainda, expressamente atribuindo (ii) competência administrativa às Administrações tributárias, especialmente para conferir efetividade à cobrança de tributos, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte – sendo utilizado justamente para fundamentar a não-efetividade deste dispositivo e comprometer a eficácia do Sistema Tributário desenhado pelo Poder Constituinte Originário:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º – As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

Por outro lado, tais direitos individuais que se opõem ao poder de tributar são muito mais imponentes que os derivativos “intimidade” e a “privacidade”: centralmente, o poder de tributar opõe-se ao direito de propriedade e ao direito de liberdade. Nas palavras de GERALDO ATALIBA:

A tributação – em seus princípios básicos e formas mais gerais – é matéria constitucional. Não só porque justificou e esteve na essência do primeiro documento constitucional moderno – a Magna Carta de 1215 – mas também porque envolve tensão entre o poder estatal e dois valores fundamentais para o homem: a liberdade e o patrimônio. Estes bens jurídicos, precipuamente protegidos pelas constituições modernas, são ao mesmo tempo a sua razão de ser.

Ora, se os sagrados direitos à propriedade e à liberdade curvam-se ao poder constitucional de tributar, sob que justificativa pretende-se ocultar dos entes tributantes informações, em nome da intimidade ou privacidade?

De fato, conforme destacado nos itens acima, a existência do artigo 145, § 1º da Constituição está a fundamentar a possibilidade de transferência do sigilo bancário para a Administração Tributária, legitimando a LC 105 e impondo-se harmonicamente aos incisos X e XII do artigo 5º, garantindo a eficácia do sistema tributário que é a artéria que alimenta o Estado com recursos necessários para custear todo o sistema de direitos largamente relacionados nos múltiplos incisos do artigo 5º da Constituição.

10 – Dez Conclusões

De um ponto de vista geral, todas as ADIN’s ajuizadas fazem referência a quatro tipos ofensas:

(i) ao artigo 5º, inciso X;

(ii) ao artigo 5º, inciso XII;

(iii) ao artigo 5º, incisos LIV e LV; e

(iv) ao artigo 145, § 1º da Constituição. Seguem, em nível de conclusão, respostas às questões-objeto de análise propostas no inicio deste estudo:

C.1. A transferência do sigilo bancário à Administração tributária ofende o direito à intimidade e à vida privada, previstos no artigo 5º, inciso X da Constituição?

RESPOSTA:

Não. A transferência do sigilo bancário prevista na LC 105 regula, garante e concretiza a proteção à intimidade e à vida privada. Conforme demarcamos (v. item 3), é certo que há informações protegidas pela intimidade e pela vida privada na Constituição que são invioláveis porque representam o próprio núcleo de proteção desses direitos. Contudo, os artigos 5º e 6º da LC 105 restringem-se a exigir conjunto de informações relativas à atividade econômica do contribuinte (v. item 3.3) que este, ordinariamente, já é obrigado a prestar para a fiscalização e exigência do crédito tributário pelo simples adimplemento de “obrigações acessórias” instituídas pela legislação tributária e que não podem ser consideradas como partes do espaço privado do indivíduo, em face do Fisco: trata-se de simples reflexo documental das atividades do contribuinte, com a finalidade de fornecer instrumentos à Administração Tributária na apuração e verificação dos tributos devidos. O conhecimento dos dados relativos à movimentação financeira dos sujeitos passivos somente tem o condão de comprovar e testar a veracidade das informações constantes desses documentos obrigatoriamente disponibilizados (v. relação exemplificativa no item 3.3) que instrumentalizam e realizam a concretização da igualdade na aplicação da lei tributária (v. item 10).

O quadro abaixo (ex vi do Item 3), sintetiza e sistematiza essa dualidade, bem como distingue os planos do lícito (respeito ao núcleo de proteção e legitimidade de regulamentação legal fora do núcleo de proteção) e do ilícito (quebra do sigilo):

Note-se que a expressão “quebra do sigilo”, reiteradamente citada, além de passar, retoricamente, uma noção muito mais ampla e socialmente negativa dos termos da LC 105, é completamente estranha à atividade delegada a Administração nos artigos 5º e 6º. O artigo 5º trata do dever das instituições financeiras de “informar” as operações financeiras efetuadas pelos correntistas. O artigo 6º trata da faculdade de a Administração “examinar” documentos livros e registros de instituições financeiras quando houver processo ou procedimento administrativo e tais “exames” sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa.

Ressalte-se, em nenhum momento esses dispositivos tratam de “quebra do sigilo bancário”, mas sim de transferência do sigilo destas informações à Administração Tributária. O § 5º do artigo 5º prescreve o dever das autoridades manterem o sigilo das informações obtidas: “As informações a que se refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.” Na mesma sintonia, o parágrafo único do artigo 6º prescreve:

“O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se referem este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”

A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária ofende a proteção ao sigilo de dados, prevista no artigo 5º, inciso XII da Constituição?

RESPOSTA:

Não, pois o sigilo de dados não podem servir de meio ou instrumento de bloqueio da realização da igualdade perante a lei: não é por acaso que a expressão “Todos são iguais perante a lei” e a garantia à “igualdade” encontram-se expressamente no esquecidiço caput do artigo 5º que deve guiar e orientar o sentido do inciso XII.

Ocorre que os “dados” previstos como fatos geradores da legislação tributária e exigidos na forma de obrigações acessórias, bem como seus meios de verificação, são as provas que justificam e motivam o ato de lançamento tributário. Sem provas, não há como lançar; sem possibilidade de apurar a veracidade dessas provas não se realiza plenamente os primados da legalidade nem da igualdade; por exemplo, perante a legislação do imposto de renda, realizam o fato gerador “auferir renda”: tanto (i) o contribuinte que, ao cumprir as obrigações acessórias, espelha nas informações fiscais sua efetiva movimentação financeira, quanto (ii) o contribuinte que se omite e não declara seus rendimentos, apresentando inconsistência com a efetiva movimentação financeira. Para ambos nasce a obrigação de pagar imposto sobre a renda. Contudo, sem a prova deste fato gerador, que é motivo do ato de lançamento tributário, não há como aplicar a lei concretamente.

Cria-se discriminação injustificada entre o primeiro, que oferece a informação, e o segundo, que oculta a prova, e ainda pretende gozar de forma abusiva do direito ao sigilo, em atitude de fraude à lei tributária.

A realização prática da legalidade exige prova dos fatos descritos hipoteticamente na lei. Sem prova não há ato administrativo: compromete-se a eficácia jurídica da lei. Sem ato administrativo, a legalidade não se concretiza, não se generaliza, ferindo o primado da igualdade (v. item 10).

Além disso, a previsão de transferência no sigilo na comunicação telefônica é a confirmação, neste dispositivo, da prevalência do interesse da prova sobre o próprio direito ao sigilo. Correspondência, telegramas e dados deixam provas: por sua própria natureza, marcas (índices) do conteúdo dessas comunicações (ex vi do item 10.2). Daí o texto constitucional exigir autorização judicial exclusivamente para o acesso à comunicação telefônica: neste caso, o processo de comunicação não resulta em qualquer produto; o único meio de se ter conhecimento do conteúdo da comunicação é pela interceptação direta no ato de comunicar.

C.2. A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária, nos termos da LC 105 e sua regulamentação, representa ofensa ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa?

RESPOSTA:

Não encontra fundamento a alegação de que há ofensa ao contraditório e à ampla defesa: a tese não possui respaldo na Constituição Federal, nem nos termos do Decreto nº 3.724/2001 que regulamenta a LC 105 e determina a intimação prévia do contribuinte que terá o sigilo de seus dados bancários transferidos à Administração:

Art. 4º (…)
§ 2º A RMF (requisição de informações sobre movimentação financeira) será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do MPF (mandado de procedimento fiscal).

Ora, uma vez intimado, na hipótese de o contribuinte entender que tal providência é abusiva ou ilegal e, assim, não se encontrar de acordo com os ditames da LC 105, poderá impetrar mandado de segurança e garantir o exercício da ampla defesa e contraditório. É importante frisar que a própria da LC estabelece, de forma precisa, as condições para que seja possível a solicitação, pela autoridade administrativa às instituições financeiras, das informações bancárias dos contribuintes.

A LC 105 trata, pois, de mecanismo de produção de prova no procedimento administrativo e, como tal, necessariamente inquisitório: faz parte da obrigação da autoridade fiscal seguir rigorosamente a legislação que regula o procedimento de apuração de fatos (provas) destinados à formação da motivação do ato de lançamento tributário. É tão apenas após a notificação do ato de lançamento que se deve falar em exercício do contraditório. Até então, estamos diante das atividades vinculadas da Administração, voltadas à formalização do crédito tributário.

Além disso, confirma essa tese, o próprio texto do inciso LV do artigo 5º da Constituição, ao enunciar que:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ora, sem os meios de prova necessários à constituição do lançamento o contraditório e a ampla defesa perdem seu objeto. Due process of law só para questão de direito, debatendo a interpretação de artigos não tem sentido. O devido processo legal pressupõe os meios de prova necessários para aplicação da legalidade material ao fato material para que assim se exerça plenamente o contraditório e a ampla defesa: em verdade, é a transferência do sigilo bancário para Administração pública, exaustivamente disciplinada na LC 105 e seus regulamentos, que garante e incrementa a realização efetiva do devido processo legal, sendo que qualquer ilegalidade neste procedimento estará sempre sujeita à apreciação do Poder Judiciário.

C.3. A transferência do sigilo bancário à Administração Tributária ofende os “direitos individuais” mencionados no artigo 145, § 1º da Constituição?

RESPOSTA:

É estranho ver o artigo que abre o Capítulo I, firmando as raízes do Sistema Tributário Nacional -, outorgando (i) competência tributária aos entes federativos para criar leis instituidoras de impostos, taxas e contribuições e, ainda, expressamente atribuindo (ii) competência administrativa às Administrações tributárias, especialmente para conferir efetividade à cobrança de tributos, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte – sendo utilizado justamente para fundamentar a não-efetividade deste dispositivo e comprometer a eficácia do Sistema Tributário desenhado pelo Poder Constituinte:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º – As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

Ocorre que tais “direitos individuais” aludidos no § 1º do dispositivo acima que se opõem ao poder de tributar são muito mais imponentes que os derivativos direitos à “intimidade” e à “vida privada”: centralmente, o poder de tributar opõe-se ao direito de propriedade e ao direito de liberdade.

Ora, se os sagrados direitos à propriedade e à liberdade curvam-se ao poder constitucional de tributar, sob que justificativa pretende-se ocultar dos entes tributantes informações, em nome da intimidade ou privacidade? De fato, conforme destacado nos itens acima, a existência do artigo 145 § 1º da Constituição está a fundamentar a possibilidade de transferência do sigilo bancário para a Administração Tributária:

(i) legitima a LC 105;

(ii) impõe-se, harmonicamente, aos incisos X e XII do artigo 5º, e

(iii) garantindo a eficácia do sistema tributário que é a artéria que alimenta o Estado com recursos necessários para custear todo o sistema de direitos largamente relacionados nos múltiplos incisos do artigo 5º da Constituição.

C.4. A intervenção representada pela medida da “transferência do sigilo bancário” à Administração Tributária atende a extensão e sentido do princípio da razoabilidade?

RESPOSTA:

A LC 105não só atende como realiza o princípio da razoabilidade. Além de atuar num campo de informação fora do núcleo de proteção da intimidade e da vida privada do individuo, a LC 105 cuida da concreção de campo de informações que já é próprio da legislação tributária ordinária, portanto, sobre ser oportuna, é adequada, necessária e proporcional. Isso porque a simples eficácia da legalidade, garantida pela produção de provas, justifica-se em face de todos os benefícios que oferece à transparência, igualdade e justiça do sistema tributário.

O interesse de a Administração formalizar fatos jurídicos tributários e, assim, ser capaz de produzir e confirmar provas com base nas movimentações financeiras dos contribuintes, há de prevalecer pois, como vimos, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 5º da LC 105, as informações que as instituições financeiras têm o dever de transferir à Administração Tributária devem se limitar à individualização dos titulares, das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, sem que haja a inserção de qualquer elemento capaz de identificar a origem ou natureza destes gastos.

Dessa forma, a transferência do sigilo deve prevalecer em face da necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobrepõe ao interesse particular, sintonizando a adequação da medida ao fim pretendido, bem como sua efetiva necessidade: garantir a simples efetividade da legislação tributária.

Enfim, a LC 105 retrata ainda medida em perfeita harmonia com o cenário jurídico global, valorando a transparência e concretamente impugnando os paraísos fiscais e, especialmente, acompanhando a tendência da morte do segredo bancário suíço, sob a pressão dos EUA e da EU. Anúncio, em tempos de crise, do alvorecer de uma nova ordem do direito tributário internacional que sugere um transconstitucionalismo que rompe com negociações mesquinhas, unilaterais e leva a sério a alteridade, a observação e a existência do problema do outro, no esforço do reconhecimento da necessidade de buscar formas transversais de articulação das ordens jurídicas particulares na solução de problemas supra-nacionais.

C.5. Meros dados bancários genéricos ou cadastrais do contribuinte como o nome do cliente da instituição bancária, seu CPF ou CGC, número da conta bancária, ou a informação se há, naquela instituição, aplicação financeira em nome do contribuinte, os valores globais depositados ou investidos , ou a movimentação periódica de valores, portanto, informes incapazes de desvendar algo da intimidade das pessoas, podem ser tidos como amparados pela garantia da vida privada?

RESPOSTA:

Não há justificativa jurídica para restringir nos bancos, o mesmo tipo e o mesmo nível de informação que o Fisco já obtém com a adimplência das obrigações acessórias, exigidas em nível infraconstitucional pela legislação tributária ordinária: trata-se, pois de INFORMAÇÃO FORA DO NÚCLEO DE PROTEÇÃO da intimidade e da vida privada.

Este conjunto de informações que o contribuinte, ordinariamente, é obrigado a prestar para a fiscalização e exigência do crédito tributário, mediante deveres denominados “obrigações acessórias”, representam o reflexo documental das atividades do contribuinte, com a finalidade de fornecer instrumentos à Administração Tributária na apuração e verificação dos tributos devidos. O conhecimento dos dados relativos à movimentação financeira dos sujeitos passivos somente tem por condão comprovar e testar a veracidade das informações constantes dos documentos que instrumentalizam o cumprimento das obrigações acessórias.

Ilustrativamente e de forma não exaustiva, pode-se citar e relacionar (cf. Item 3.2) diversos tributos (IR, CSSL, PIS, COFINS, IOF etc) e seus respectivos “deveres formais” para concluir que as informações objeto da transferência do sigilo bancário para o Fisco não vão além daquelas que o contribuinte já é OBRIGADO A PRESTAR EM RAZÃO DAS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS, instituídas na legislação tributária.

É nesse sentido que os artigos 5º e 6º da LC 105 determinam que as informações prestadas pelas instituições financeiras ficarão restritas aos valores movimentados e aos titulares das operações, sendo vedada a inserção de qualquer elemento capaz de identificar a origem ou natureza dos gastos.

Enfim, tendo em vista essa grande liberdade do sujeito passivo, em declarar e apurar o valor devido desses tributos, cabe à Administração o dever de controlar a veracidade das informações prestadas e o acesso à movimentação financeira, que simplesmente espelha tais dados, é simples instrumento para efetiva realização da legalidade tributária e da igualdade entre contribuintes.

C.6. Estariam protegidos em relação ao Fisco os informes bancários genéricos de pessoas jurídicas? Pessoas jurídicas têm intimidade ou vida privada, quando a legislação comercial exige a publicação dos seus balanços de algumas empresas?

RESPOSTA:

Não há qualquer fundamento legal no direito brasileiro que imunize as empresas e demais pessoas jurídicas de prestar informações bancárias genéricas à Administração Tributária, ex vi dos artigos 5º e 6º da LC 105, por duas razões objetivas: primeiro, porque estas informações estão fora do núcleo de proteção do direito à intimidade e à vida privada (ex vi do quadro no Item 3 e reproduzido na resposta da questão 2.1), tanto que são objeto de simples obrigações acessórias que constituem as provas e os fundamentos facticos essenciais na apuração, formalização e cobrança do crédito tributário; segundo, os direitos e deveres relacionados no artigo 5º e em especial nos incisos X e XII referem-se, exclusivamente, aos direitos do homem e do cidadão (v. análise histórica demonstrando o fundamento e origem destes direitos no início do Item 3), direitos e deveres individuais e personalíssimos que não se aplicam a empresas nem a outras pessoas jurídicas de direito público interno.

Aliás, a própria noção de governança corporativa pressupõe a necessidade de accountability (ex vi do Item 3.3) que não é possível sem a ampla publicidade e transparência dos dados relativos à gestão empresarial: não deve haver segredos ou surpresas para sócios e acionistas. Quem se comprometeria como devedor solidário ou investiria em empresa que não paga seus tributos? Só a ampla transparência confere segurança jurídica para o sócio e o investidor em suas relações com o Fisco e propicia as condições de uma economia institucional. Neste sentido, a transparência fiscal é um importantíssimo instrumento para a saúde e regulação do mercado financeiro e de capitais. Vale ressaltar, nosso sistema não quebrou: não por acaso, aqui no Brasil, tínhamos a CPMF (praticamente, desde o IPMF em 1993 até dezembro de 2008) e temos a LC 105.

C.7. Com supedâneo no §1º do art. 145, da CF, que faculta à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade ao princípio da pessoalidade de alguns impostos, ao princípio da igualdade entre contribuintes e da capacidade contributiva, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, seria admissível que lei complementar razoável determinasse a transferência direta do sigilo bancário das instituições financeiras para a Administração Tributária, independentemente de prévio apreciação do Poder Judiciário?

RESPOSTA:

A transferência do sigilo bancário para ao Fisco é dado inerente ao exercício da Administração Tributária que se submete aos primados da legalidade e da igualdade (sobre a INEXISTÊNCIA de obstáculo constitucional à transferência do sigilo ver Item 6.3): não há legalidade ou igualdade sem provas que permitam a concreção da lei tributária.

A LC 105 regula as hipóteses e o conteúdo de informações objeto da transferência do sigilo bancário ao Fisco, apenando a quebra do sigilo bancário com severas punições funcionais, cíveis e criminais (sobre o receio do uso ilícito da transferência e desconhecimento dos termos na LC 105 ver Itens 8 e 9): ao poder judiciário cabe a garantia da aplicação da LC 105 em seus termos e, como sempre, coibir eventuais abusos de poder que restaram ainda mais exíguos, em face da existência e vigor dessa lei complementar e sua respectiva regulamentação.

C.8. A transferência de sigilos, de sigilo bancário para sigilo fiscal, nos termos de lei complementar, não garantiria à vida privada dos contribuintes, já que impediria que outras pessoas, que não tenham justo motivo para ter acesso a esses dados, tomem ciência desses informes?

RESPOSTA:

Não há dúvida, a LC 105 surgiu para substituir o Art. 38 da Lei 4.595/1964, no sentido de fundamentar, aprimorar, regulamentar e criar instrumentos de efetiva proteção ao sigilo bancário, oferecendo ainda mais garantias à vida privada e à intimidade dos contribuintes (ex vi do quadro comparativo entre a LC 105 e o artigo 38 da Lei 4.596/1964 no Item 4.4).

Para tal constatação, basta a leitura dos termos da LC 105 (ver Item 3.3: sobre mitos, sacralizações, generalizações apressadas): o § 5º do artigo 5º prescreve o dever das autoridades manterem o sigilo das informações obtidas:

“As informações a que se refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.”

Na mesma sintonia, o parágrafo único do artigo 6º prescreve:

“O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se referem este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.” E é a própria LC 105 que arremata esse assunto: (i) seu artigo 10 determina que se houver uso ilícito destas informações, aí sim se configurará a “quebra do sigilo” como tipo penal; (ii) seu artigo 11, ainda acrescenta ao ilícito da “quebra” qualificado no artigo anterior mais duas conseqüências: a primeira, responsabilidade pessoal do servidor pelos danos materiais e morais causados; a segunda, responsabilidade objetiva da entidade pública.

C.9. Estaria a transferência do sigilo bancário submetido a reserva constitucional de jurisdição? Ou seja, somente o Poder Judiciário poderia relativizar a transferência do sigilo bancário?

RESPOSTA:

A LC 105 não ofende o princípio da reserva de jurisdição: deslocar esse acesso de informações, exclusivamente, para o Poder Judiciário, em nome da genérica idéia da universalidade da jurisdição, não encontra outro motivo jurídico senão a pratica de sobrecarregar o Poder Judiciário com o objetivo de mitigar e retardar a efetividade (eficácia social) da legislação tributária.

Não há ofensa ao princípio da reserva de jurisdição:

(i) as informações objeto de transferência para a Administração Tributária estão, conforme demonstra o quadro transcrito na resposta à questão 2.1, fora do núcleo de proteção do direito à intimidade e à vida privada;

(ii) o sigilo contemplado no referido Art. 5º, XII, condiciona a autorização do Poder Judiciário somente às comunicações telefônicas, conforme se depreende da redação constitucional, que não deixa qualquer dúvida sobre o tema e ainda confirma e revela a preocupação deste dispositivo realizar a legalidade e a verdade material, mediante a garantia dos inerentes meios de prova, em objetiva opção constitucional pela supremacia da realização da legalidade em contraposição à intimidade e à vida privada e, enfim,

(iii) porque não há sentido em pleitear a reserva de jurisdição para informações (dados) que são objeto de obrigações tributárias acessórias ordinárias.

C.10. O STF, por ocasião do julgamento da ADIn nº 1.790, o STF admitiu a legitimidade da transferência, mesmo sem lei que autorizasse e mediante remuneração, de registros de dados de clientes por parte de estabelecimentos comerciais e instituições financeiras com o escopo de proteção de créditos privados e do lucro. Diante desta decisão, por que não seria constitucionalmente possível que lei complementar autorizasse a transferência direta de dados bancários genéricos, que nada revelam da vida privada das pessoas, para a Administração Tributária, para que fosse atendida a determinação constitucional do art. 145, §1º?

Sim, há relação entre os argumentos tratados na ADIn 1.790 e o presente caso, especialmente, no uso amplo e retórico que se pretendeu imprimir à noção de “privacidade”, nas palavras do Relator, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

“O apelo à privacidade e à proteção do consumidor, à primeira leitura, não se configuram convincentes. Na tentativa de dar-lhes alguma plausibilidade, a petição inicial atribui aos textos questionados uma interpretação quase terrorista que eles não comportam. A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos do consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: viabilizá-la cuidou o Código de Defesa do Consumidor, segundo molde das legislações mais avançadas”.

Contudo, se o “apelo à privacidade” nesta ADIn cedeu em nome da facticidade da “economia da sociedade de massas”, por razões múltiplas e ainda mais fortes não se pode opor a privacidade ao dever-poder da Administração Tributária aplicar a legalidade, assim como no caso paradigmático, trata-se de informações que estão fora do núcleo de proteção deste direito, mas, além disso, tais “informações” configuram provas necessárias para fundamentar o motivo dos atos de lançamento que concretizam a exigência do crédito tributário; sem essas provas não há lançamento, nem se realiza a legalidade.

Portanto, a LC 105 não só é juridicamente possível, como é juridicamente necessária para a eficácia das leis tributárias. De fato (conforme destacamos no Item 10.4 “Legalidade e interpretação do artigo 145 § 1º da Constituição como fundamento da eficácia do Sistema Tributário Nacional desenhado pelo legislador constituinte”), a existência do artigo 145, § 1º da Constituição está a fundamentar a possibilidade de transferência do sigilo bancário para a Administração Tributária, legitimando a LC 105 em plena harmonia com os incisos X e XII do artigo 5º, garantindo a eficácia do sistema tributário que é a artéria (argumento e relação também jurídico só que de direito financeiro) que alimenta o Estado com recursos necessários para custear todo o sistema de direitos humanos largamente relacionados nos múltiplos incisos do artigo 5º da Constituição, incluindo-se ai, também, os sistemas de garantia, controle e eficácia do Código de Defesa do Consumidor. Nada é por acaso, conforme magistral investigação “The myth of ownership: taxes and justice” de LIAM MURPHY e THOMAS NAGEL, professores da NYU, publicada pela Oxford University Express e traduzida no Brasil sob o título “O mito da propriedade” (ver Item 10.1), enfim: não há mercado sem governo e não há governo sem tributos!

Notas

(01) Afinal, uma das principais funções das regras é imprimir eficácia a valores, concretizando princípios abstratos, de modo a orientar a ação normativa, qualificando e punindo seu descumprimento.

(02) PERROT, Michelle. In: História da Vida Privada, Ed. Schwarcz, São Paulo, 1991, pp. 9-17. Para delimitar o direito à privacidade, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. destaca: “no recôndito da privacidade se esconde, pois, em primeiro lugar, a intimidade”. Não se trata, então, de tutelas iguais, mas sim passíveis de graduação: a privacidade é mais que a intimidade. Ainda sobre essa diferenciação, o autor ressalta:
“A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer em comum). Não há um conceito absoluto de intimidade, embora se possa dizer que o seu atributo básico é o estar-só, não exclui o segredo e a autonomia. (…) Já a vida privada envolve a proteção de formas exclusivas de convivência. Trata-se de situações em que a comunicação é inevitável (…) das quais, em princípio, são excluídos terceiros. Seu atributo máximo é o segredo, embora inclua também a autonomia e, eventualmente, o estar-só com os seus”. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Sigilo de dados: o direito à privacidade os limites à função fiscalizadora do Estado”, in PIZOLIO, Reinaldo, GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (coords). Sigilo Fiscal…, cit., pp. 20-21. Sobre o conteúdo constitucionalmente tutelado do direito à privacidade confira, a título indicativo: SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. MIGUEL, Carlos Ruiz. La configuración constitucional del derecho a la intimidad, Madrid, Espanha, Tecnos, 1995. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Fabris, 2000. Miguel, 1995, SILVA, Edson Ferreira da. Direito à intimidade – De acordo com a doutrina, o direito comparado, a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002. São Paulo: J. de Oliveira, 2003.

(03) Op. Cit. PERROT, Michelle, p. 612.

(04) Idem, ibidem, pp. 114-21.

(05) Segundo GILMAR FERREIRA MENDES, a privacidade enseja “ao indivíduo um espaço de autonomia, escoimado de qualquer restrição por parte de Poderes Públicos”. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso…, cit., p. 380.

(06) Análise em: PACELLO, Paulo Ribeiro. Sigilo bancário, direito de privacidade e dever de tributação. Dissertação de Mestrado em Direito. Universidade Metodista de Piracicaba, 2004. Pp. 31-43.

(07) Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 1999, pp. 36-7.

(08) MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. P. 385.

(09) Apelação em Mandado de Segurança nº 82880. Relator: Des. Alcides Vettorazzi. TRF 4ª região. DJU 11/06/2003, p. 587. Apelação Cível nº 535351. Relator: Des. Vilson Darós. TRF 4ª região. DJU: 26/02/2003, p. 720. Agravo de instrumento nº 174981. Relator: Des. Lazarano Neto. TRF 3ª região, DJU: 05/09/2003, p. 387; Agravo de instrumento nº 170324. Relatora: Desa. Suzana Camargo. TRF 3ª região, DJU: 20/06/2003, p. 263; Agravo de instrumento nº 181409. Relatora: Desa. Ritinha Stevenson. TRF 3ª região: DJU: 09/03/2004, p. 224. Jurisprudência citada em Pacello, 2004, p. 41.

(10) Nesse sentido, não se aplica à discussão relativa à transferência do sigilo bancário para efeitos fiscais a quebra do sigilo solicitada em âmbito penal, pelo Ministério Público, ou pela autoridade policial, suscitada no julgamento da questão de ordem na Petição 577. Petição 577 – QO, Rel. Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/1992, DJ 23/04/1993. Sobre o tema, que especificamente se aplica à esfera penal, destaca o Ministro Carlos Velloso: “Em primeiro lugar, para dizer que tenho o sigilo bancário como espécie de direito à privacidade, que é inerente à personalidade das pessoas, já que não seria possível que a vida destas pudesse ser exposta a terceiros. Isto está inscrito no inc. X do art. 5º da Constituição: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Faço residir, portanto, no inciso X, do art. 5º, da Constituição, o sigilo bancário, que tenho como espécie de direito à privacidade”. Apenas a título ilustrativo, mesmo o Ministro CARLOS VELLOSO que defende o sigilo bancário, não aceita que esse direito tenha caráter absoluto: “(…) quero deixar claro que não tenho o direito ao sigilo bancário em termos absolutos. Aliás, esta é a regra, em direito comparado. Assim o é na Itália, na legislação da Suíça, na jurisprudência e na doutrina alemã. Quer dizer, o segredo bancário deve ser entendido em termos relativos”.

(11) MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso…, cit., p. 386.

(12) Segundo Giorgio Agamben, profanar significa tirar do templo onde algo foi posto, ou retirado inicialmente do uso e da propriedade dos seres humanos; profanar significa, assim, tocar no consagrado para libertá-lo (e libertar-se) do sagrado: “O que está realmente em questão é, na verdade, a possibilidade de uma ação humana que se situe fora de toda a relação com o direito, ação que não ponha, que não execute ou que não transgrida simplesmente o direito. Trata-se do que os franciscanos tinham em mente quando, em sua luta contra a hierarquia eclesiástica, reinvidicam a possibilidade de um uso de coisas que nunca advém [do] direito, que nunca advém [da] propriedade”. In: Profanações. Tradução e apresentação Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. Pp. 10-11.

(13) FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1994. P. 276.

(14) MOTA, Carlos Guilherme, LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Senac, São Paulo, 2008. P 799.

(15) CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. P. 208.

(16) Fonte: www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4595.htm

(17) Sobre isso, veja: PIZOLIO, Reinaldo, GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (coords). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
A autorização da Lei nº 4.595/1964, permitindo expressamente a transferência do sigilo para o uso dessas informações pela Administração Tributária, também faz parte da percepção de OSWALDO PONTES DE SARAIVA FILHO: “No plano infraconstitucional, iniciamos por ponderar que, embora o caput do art. 38 da Lei n. 4.595, de 31.12.64, estabeleça regra geral do dever das instituições financeiras conservarem o sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, tal regra sofre ressalvas nos parágrafos do mesmo preceptivo legal. Assim, o § 1º, do art. 83 da Lei supracitada, trata de fornecimento de informações e esclarecimentos e exibição de livros e documentos ordenados pelo Poder Judiciário, por parte do Banco Central e das instituições financeiras, mantendo o mesmo caráter sigiloso. (…) Os §§ 5º e 6º excepcionam do sigilo bancário as requisições dos Poderes Executivos dos entes tributantes, transferindo tal sigilo às Administrações Fazendárias, desde que haja processo administrativo instaurado e os exames de documentos, livros, registros de contas de depósitos e os esclarecimentos e informações seja considerados indispensáveis pela autoridade fiscal competente. (…) Ora, os §§ 5º e 6º seriam perfunctórios se dissessem respeito à hipótese do § 1º. Este sim, refere-se à transferência do sigilo em processo judicial por ordem de um dos órgãos do Poder Judiciário”. “Sigilo bancário e a Administração Tributária”, in Cadernos de direito tributário e finanças públicas n. 11, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

(19) Nos termos do despacho concedido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, na ADIN 2.390, publicado em 02.10.2001.

(20) OCDE. Improving access to bank information for tax purposes. 2000. Disponível em: http://www.oecd.org/dataoecd/3/7/2497487.pdf

(21) No original, a citação sem supressões: “The Committee on Fiscal Affairs is of the view that, as noted in paragraph 20 of the Report, ideally all Member countries should permit access to bank information, directly or indirectly, for all tax purposes so that tax authorities can fully discharge their revenue raising responsibilities and engage in effective exchange of information”. Improving access.., p. 5.

(22) No original: “Denying tax authorities access to banking information can have adverse consequences domestically and internationally. Domestically, it can impede the tax authorities’ ability to determine and collect the right amount of tax. It also can foster tax inequities among taxpayers. Some taxpayers will use technological and financial resources to escape taxes legally due by using financial institutions in jurisdictions that protect banking information from disclosure to tax authorities. This distorts the distribution of the tax burden and may lead to disillusionment with the fairness of the tax system. Lack of access to bank information for tax purposes may result in some types of income escaping all taxation, thus producing inequities among different categories of income. Mobile capital may obtain unjustified advantages as compared to income derived from labour or from immovable property. Further, lack of access to bank information may increase the costs of tax administration and compliance costs for taxpayers. Internationally, lack of adequate access to bank information for tax purposes may obstruct efficient international tax cooperation by curtailing a tax authorities’ ability to assist its treaty partners which in turn may lead to unilateral action by the country seeking the bank information. It also may distort capital and financial flows by directing them to countries that restrict tax authority access to bank information”. OCDE, Improving access.., p. 11.

(23) Fontes: 1. Campbell, Dennis, “International Bank Secrecy”; Sweet & Maxwell, London, 1992; 2. Dahm, Joachim, “Bankgeheimnis and Bankauskunft in der Praxis”; Dt. Genossenschafts-Verl, Wiesbaden, 1995; 3. Darmine, Jean, “European Banking in the 1990’s”; 4. Mikitani, Ryoichi; Hagankuwayama, Patrica, “Japan’s New Central Banking Law – A Critical View”; Center for Japanese Economy and Business, Columbia University; 5. Ralf, Miebach, “Das Bankgeheimnis”; Heymann, Köln, 1999; 6. http://www.law.nyu.edu/centralbankscenter/; 7. http://www.lectlaw.com; 8. http://www.theeconomist.com; 9. http://www.rpifs.com

(24) Nesse sentido é a leitura que Ferreiro Lapatza faz do sistema tributário: o direito tributário, para ele, não pode ser pensado apartado da atividade financeira do Estado e nem sequer de sua função principal de financiamento dos serviços públicos. FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español – Instituciones. Madrid: Marcial Pons, 2006.

(25) LAPOUGE, Gilles. A morte do segredo bancário Suiço. In: artigo no jornal O Estado de São Paulo, Caderno B4 – Economia, São Paulo, 24/02/2009, p. B4.

(26) Fonte: http://swiss-bank-accounts.com (tradução livre). Uma distinção importante deve ser feita entre evasão tributária e fraude tributária. Fraude tributária (falsificação de documentos, práticas desonestas) é considerada crime também na Suíça. Nesse caso, o sigilo bancário pode ser suspenso por um juiz com jurisdição e cooperação judicial pode ser obtida. Legislação suíça: Article 47 of the Swiss Federal Banking Act of 8 November 1934: “Any person who, in his or her capacity as member of a body, employee, proxy, liquidator or commissioner of a bank, observer for the Banking Commission, or a member of a body or an employee of an authorized auditing firm, has revealed a secret that was entrusted to him or her or of which he or she had knowledge by means of his or her practice or employment, any person who has incited another to violate professional secrecy, will be punished by imprisonment for a maximum of six months or by a fine not exceeding 50,000 francs: 1. If the offender acted in negligence, the punishment will consist of a fine not exceeding 30,000 francs; 2. Violation of secrecy remains punishable even when the practice or employment has terminated or the holder of the secret no longer works in the banking industry; 3. Reserved are the provisions of the federal and cantonal legislation ruling on the obligation to inform authorities and testify in court.”
Código Penal, Article 162 of the Swiss criminal code: “Any person who has divulged a trade secret or confidential business information that was meant to be kept by virtue of legal or contractual obligation, any person who has used this information to his or her benefit or to that of a third party, will be, on prosecution, punished by imprisonment or by fine.”
Article 320 of the Swiss criminal code: 1. Any person who has divulged a secret entrusted to him or her as a representative of authority or a civil servant, or who has acquired knowledge by means of his or her practice or employment, will be punished by imprisonment or by fine. The disclosure remains punishable even when the practice or employment has terminated. 2. The disclosure will not be punishable if it was made with the written consent of a superior authority.

(27) LAPOUGE, Gilles. A morte do segredo bancário Suiço. In: artigo no jornal O Estado de São Paulo, Caderno B4 – Economia, São Paulo, 24/02/2009, p. B4.

(28) Idem, ibidem.

(29) Artigo: Tax Havens: Not-So-Safe Havens. The Economist. Londres, nr. 21-27/02/2009, Londres, p. 53. Idem, Ibidem.

(30) Transconstitucionalismo. Tese apresentada ao concurso de provas e titulos para o provimento do cargo de Professor Titular na àrea de Direito Constitucional, junto ao Departramento de Direito do Estado da Faculdade de direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 265

(31) Referêcia ao filme do diretor e roteirista Florian Henckel Von Donnersmarck “A vida dos outros” (Das Leben der Anderen, 2006), vencedor do Oscar 2007 de Melhor Filme Estrangeiro, que se passa no ano de 1985, portanto antes da queda do Muro em que aqueles que viviam na República Democrática Alemã (RDA) estavam submetidos à completa investigação por parte da STASI, que era a principal organização de polícia secreta e inteligência do lado soviético da Alemanha. O tema do filme é justamente o processo de invasão da intimidade e da vida privada do dramaturgo George Dreymanem face da rotina de escutas e de perseguições que se desenrolam entre o artista e a percepção de um novo mundo experimentada pelo oficial e agente Wiesler no decorrer da investigação.

(32) MS 21729, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/1995, DJ 19/10/2001

(33) SCHAUER, Frederick F. Profiles, Probabilities, and Stereotypes. Harvard: Harvard University Press, 2003.

(34) Trata-se de um silogismo imperfeito, no qual a premissa maior é “escondida”. De acordo com Nicola Abbagnano: “Segundo Aristóteles, silogismo fundado em premissas prováveis ou em signos; é o silogismo da retórica. O entinema fundado em premissas prováveis nunca conclui necessariamente, pois as premissas prováveis vale na maioria das vezes, mas nem sempre. (…) Assim, quando se diz que alguém está doente porque tem febre, ou que uma mulher deu à luz porque tem leite, cria-se um silogismo do qual simplesmente se omite a premissa maior, ou seja, que quem tem febre está doente, ou que toma mulher que deu à luz, tem leite”. In: Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. P. 334.

(35) “Art. 108. Até 30 de abril de cada ano, as pessoas físicas e jurídicas,são obrigadas a enviar às repartições do Imposto de Renda informações sôbre, os rendimentos que pagaram os creditaram no ano anterior, por si ou como representantes de terceiros, com indicação da natureza, das respectivas importâncias e dos nomes e endereços das pessoas que os receberam”.

(36) Cf. O Estado de São Paulo, a partir de 14 de março de 2006.

(37) Ilícitos atípicos, pp. 33-34.

(38) “Uma argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercitivo das razões fornecidas, de sua evidência de sua validade intertemporal e absoluta, independente das contingências locais ou históricas”. PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a Nova Retórica. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. Martins Fontes: São Paulo, 2005. P. 35.
Diferentemente do que alega a ADIN 4010, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil:
“1.1. O dispositivo é inconstitucional, por ofensa ao artigo 5º, incisos X, XII e LV da Constituição Federal. Com efeito, a prestação de informação acerca das operações financeiras dos contribuintes, sem ordem judicial, ofende o devido processo legal (art. 5º, LV) e a reserva de jurisdição para a quebra do sigilo de dados (art. 5º, XII). Atinge, também, a intimidade e a vida privada das pessoas, guarnecida pelo inciso X do artigo 5º da CF.” (A1)
“Frise-se, a propósito, que, para efetivar tais garantias, os preditos incisos asseguram o sigilo das informações bancárias, quer das constantes nas instituições financeiras, quer das existentes na própria Receita. Afinal, por meio do simples conhecimento – quanto mais da análise e da divulgação – dos dados bancários, pode-se deixar ao desabrigo a intimidade das pessoas.” (A2).
Note-se, que expressa ou implicitamente, este excerto da ADIN da OAB, reflete a argumentação presente nas demais ADINs que se apóiam neste dispositivo, empregando, mas sem distinguir, o “termo intimidade”, em duas acepções distintas: (A1) “intimidade” no sentido normativo, como direito e (A2) “intimidade” em suas proporções facticas, seja referindo à conformidade de fato da legislação ao dispositivo, seja à eficácia social do direito à intimidade.

(40) Swiss Federal Banking Act of 8 November 1934.

(41) Especialmente na obra Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidêcia, Saraiva, São Paulo, 1997.

(42) República e Constituição, São Paulo, RT, 1985, p. 133.

(43) Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, RT, São Paulo, 2006, p. 31.

(44) Direito Tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2006 e Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.

(45) MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso…, cit., p. 346.

(46) “There is no market without government and no government without taxes; and what type of market there is depends on laws and policy decisions that government must make. In the absence of a legal system supported by taxes, there couldn’t be money, banks, corporations, stock exchanges, patents or a modern market economy – none of the institutions that make possible the existence of almost all contemporary forms of income and wealth”. MURPHY, Liam, NAGEL, Thomas. The myth of ownership – Taxes and Justice. New York: Oxford University Press, 2002. P. 32.

(47) A interpretação ampla deste dispositivo desconsidera relevantes elementos do surgimento desta proteção na história constitucional brasileira, tendentes à transparência e ao exercício da liberdade de imprensa, muito bem destacados em decisão do Supremo Tribunal Federal, nos termos de voto do Ministro FRANCISCO REZEK: “Do inciso XII, por seu turno, é de ciência corrente que ele se refere ao terreno das comunicações: a correspondência comum, as mensagens telegráficas, a comunicação de dados, e a comunicação telefônica. Sobre o disparate que resultaria do entendimento de que, fora do domínio das comunicações, os dados em geral – e a seu reboque o cadastro bancário – são invioláveis, não há o que dizer. O funcionamento mesmo do Estado e do setor privado enfrentaria um bloqueio. A imprensa, destacadamente, perderia sua razão de existir.” (Mandado de Segurança 2.179, Relator Ministro Luis Galotti, julgamento em 02.09.1953, Tribunal Pleno) Também de maneira contundente, o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE resumiu essa orientação com as seguintes palavras: “no inciso XII da Lei Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação “de dados” e não “os dados”, o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa” (Mandado de Segurança 2.179. cit.).

(48) Introducción al análisis del derecho, p. 261.

Eurico Marcos Diniz de Santi

Fonte: FISCOSoft