Andréia Henriques
SÃO PAULO – Uma indústria do setor automobilístico conseguiu decisão favorável ao aproveitamento de ágio no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que cancelou o auto de infração milionário da Receita Federal. O julgamento vem reforçar os precedentes do órgão, que recentemente, em Turmas diversas, apreciou casos de repercussão como os do Santander, Telemar e Gerdau.
O caso foi julgado pela 2ª Turma Ordinária, da 2ª Câmara da 1ª Seção do Carf, que ainda não tinha se posicionado sobre o ágio, que resulta em recolhimento menor de impostos. “O aproveitamento do ágio é matéria em voga dentro do Carf e esse foi mais um precedente que reforçou o exame criterioso que o órgão tem feito nesses casos, com a tendência de ser observada a consistência do negócio”, afirma a advogada Lígia Regini, sócia da área tributária do Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A) e responsável pelo processo no Carf.
Porém, ainda não há jurisprudência pacífica no Carf e o impasse segue, pois há decisões favoráveis e desfavoráveis aos contribuintes. “Ainda é cedo para dizermos que há uma tendência do Carf em validar o ágio. Isso só será possível afirmar quando os casos chegarem à Câmara Superior, órgão mais expressivo do Conselho”, diz a advogada. Para ela, no Carf há sensibilidade dos conselheiros em analisar a preservação do benefício previsto em lei.
O Conselho Superior já tem um caso em julgamento, sobre autuação contra o grupo Casa do Pão de Queijo por amortização indevida. O caso foi suspenso por pedido de vista e pode voltar à pauta ainda em outubro.
O ágio se dá quando uma empresa adquire outra e paga um preço além do valor patrimonial da adquirida. Essa diferença entre o preço pago e o valor patrimonial, o ágio, pode ser aproveitada para dedução no pagamento de Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A discussão envolve o benefício fiscal concedido às empresas no País nos últimos 15 anos. Em 1997, o governo editou a Lei n. 9.532 com a intenção de atrair investidores para as diversas privatizações da época. Segundo a norma ainda em vigor, o ágio é permitido conforme certos requisitos e pode ser amortizado em no mínimo cinco anos da base de cálculos dos tributos. Essa dedução só pode ser feita quando há, entre outros requisitos, a incorporação da nova empresa na compradora e quando o ágio é registrado como despesa no balanço das empresas. Foi o que aconteceu, por exemplo, na compra do Banespa pelo Santander.
No entanto, a Receita Federal quer acabar com o benefício. Segundo Lígia Regini, já há um movimento para edição de medida provisória (MP) que trata de outros temas tributários em que um dos pontos é o fim do ágio. Não há, porém, previsão para que a MP seja efetivada e o ágio extinto.
Com isso, a lei de 1997 que permite o ágio segue em vigor. O fisco, porém, tem interpretação restritiva sobre operações com ágio e faz diversas autuações, com cobrança de multa e juros – são cerca de R$ 12 bilhões cobrados de grandes companhias autuadas desde 2010. Gerdau, Santander, Organizações Globo e Telemar são algumas na mira da Receita.
O fisco questiona aspectos como os laudos que atribuem o valor da companhia e a expectativa de rentabilidade futura do negócio. Além disso, considera inválido o ágio interno, registrado quando são feitas reestruturações societárias dentro do mesmo grupo econômico. Para o fisco, esse ágio sem mudança de controle é artificial e abusivo.
Os valores discutidos na esfera administrativa são elevados. Segundo a advogada, eles sempre ultrapassam ao menos os R$ 20 milhões. No caso da Gerdau, a empresa conseguiu cancelar cobrança de cerca de R$ 700 milhões, por operações de oito empresas do grupo com ágio interno. Para o Carf, ágio em operação entre empresas do grupo tem a mesma validade do resultante de negócio entre companhias sem vínculo.
O Santander se livrou de uma cobrança de aproximadamente R$ 4 bilhões, em julgamento em câmara baixa do Carf, primeira instância do órgão. A autuação da Telemar, que adquiriu a Telebrás, é de cerca de R$ 2 bilhões.
O caso mais recente do Carf, julgado na última quarta-feira (3) envolvia o ágio decorrente de um negócio feito em nível global, com subsidiárias no Brasil. O processo já havia sido designado para julgamento em maio e depois de diversos pedidos de vista, o resultado deixou a relatora, com posição restritiva, vencida. A divergência foi aberta por um conselheiro representante do fisco, seguido por outros cinco.
Segundo a decisão, a lei está em vigor e não há limitação apenas para casos de privatização. “A consistência da operação e o propósito negocial foram avaliados com muito rigor. Isso porque as operações feitas apenas para gerar ágio são vistas como artificiais e a lei não as comporta”, afirma a advogada do BM&A. “Há uma tendência de separar os casos com consistência dos artificiais por meio da análise total da operação e de seus reflexos nas empresas”, completa.
Fonte: DCI