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De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a multa tributária deve ser proporcional ao dano

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Há tempos tenho defendido que as penalidades tributárias devem guardar uma relação de proporcionalidade com o dano e discorri sobre a matéria no livro “Infrações e Sanções Tributárias” (Editora Dialética, 2003, p. 95-101). Na oportunidade defendi que a existência de sanções (de normas impositivas de sanções negativas, como são as penalidades) pelo não cumprimento de obrigações de natureza tributária é imprescindível para garantir a efetividade da norma tributária validamente posta no ordenamento jurídico positivo.

De um ponto de vista pragmático ou funcional, as normas que estipulam sanções pelo não cumprimento de obrigações tributárias principais (obrigação de pagar o tributo com a prática do fato imponível) visam a dar efetividade aos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da isonomia. Por outro lado, as sanções aplicáveis em decorrência da falta de cumprimento de deveres formais e instrumentais visam a garantir o poder de fiscalização do sujeito ativo que está implícito nas normas atributivas do poder de tributar. Ademais, o não cumprimento de normas que estipulam deveres instrumentais ou formais pode vir a ofender o direito de colaboração inerente à situação do sujeito passivo perante a Administração.

A necessidade de sanção não significa, todavia, que elas possam ser estipuladas de forma arbitrária ou sem peias. Nos Estados governados pelo Direito, o poder de punir tem limites imanentes, de modo que a competência constitucional para estipular penalidades em abstrato não pode ser exercida de modo arbitrário, de modo que as normas penais devem ser guiadas pelo princípio da proporcionalidade, e, por conseguinte, as sanções (penalidades) devem ser estabelecidas em lei que atenda a esse importante princípio jurídico.

É princípio geral de direito que as penalidades devem ser proporcionais ao dano. A pena, em qualquer caso, deve ter relação com o risco assumido pelo infrator; ou seja, ela deve ter igual ou menor intensidade que o “ganho” que foi propiciado pela ação ou omissão ilícita. Portanto, pena razoável é aquela que guarda uma relação de equivalência ou proporcionalidade com o proveito do ilícito. Assim, a título de exemplo, se há um dano no valor de 100, a sanção deve ser, no máximo, igual a esse valor sob pena de ter-se por inexistente a proporção.

Haverá ofensa do princípio da proporcionalidade sempre que forem infligidas penalidades que não guardem correspondência com o eventual proveito que o infrator obteria com a falta. Por esta razão, são inválidas, no campo tributário, as chamadas “multas isoladas” aplicáveis diante de situações em que não há um necessário vínculo com o quantum do tributo devido e nos casos em que há dupla incidência sobre um mesmo fato.

Ademais, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito não se compadece com a imposição de penalidades por descumprimento de obrigações acessórias calculadas com base no montante do tributo devido ou sobre a sua base de cálculo ou sobre qualquer outra grandeza que não tenha relação com a matéria tributável. As multas por simples erro no preenchimento de livros ou guias não podem – validamente – tomar como parâmetro o valor do movimento econômico do sujeito passivo e não podem ser aplicadas diante de erros formais que não aumentaram o risco do desconhecimento dos fatos por parte da autoridade fiscalizadora.

As penalidades devem ser proporcionais ao dano e, portanto, não podem ser excessivas ou confiscatórias. A Constituição Federal repugna as penas cruéis, e, portanto, não se compadece com as penalidades excessivas ou desarrazoadas. A existência de um limite para as sanções tributárias é reforçada pelo fato de que elas não têm o caráter ressarcitório de certas penas porque são aplicadas a despeito da devida reparação, ou seja, são exigidas mesmo se houver o cumprimento da obrigação tributária, a teor do disposto no art. 157 do CTN.

Essa circunstância, a da exigência do ressarcimento do eventual dano, torna ainda mais candente e necessária a limitação quantitativa das penalidades pecuniárias. Assim, toda penalidade, no campo tributário, deve guardar uma proporção ao dano e nunca deve ser algo maior que ele, posto que o dano principal será reparado com o pagamento do tributo devido. A proporcionalidade da pena pecuniária em relação à lesão ao patrimônio estatal indica que ela deve ser – no máximo – igual ao montante do benefício que o infrator intentou obter. De fato, quando o montante das penalidades ultrapassa o valor do tributo, elas tornam a pena desproporcional ao dano. Assim, em tais casos, a multa não guarda proporção com o risco assumido pelo infrator.

No citado livro fiz menção ao fato de que o Supremo Tribunal Federal houvera decidido, quando do julgamento da ADI nº 551, que as normas tributárias que estipulam multas fiscais excessivamente onerosas são inválidas em face do princípio que proíbe o confisco e, por esta razão, declarou a inconstitucionalidade dos §§ 2º e 3º do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que estipularam penalidades excessivas, aplicáveis nos casos em que fosse caracterizada sonegação fiscal. Noticiei que em outra ocasião o mesmo tribunal determinou, liminarmente, a suspensão de norma da Lei nº 8.846, de 21 de janeiro de 1994, que estipulava uma multa de 300% para os casos de falta de emissão de documentos fiscais exigidos por lei. Aqui, uma vez mais, a Suprema Corte decidiu pela invalidade da norma em face da excessiva onerosidade da multa prevista.

Até aquele momento a Corte Suprema não havia estabelecido parâmetros mais ou menos objetivos acerca dos limites quantitativos das multas fiscais. Somente em 2011, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 582.461-SP ocorrido em 18 de maio daquele ano, o Plenário da Corte deixou claro que as multas não podem ultrapassar o patamar de 100% (cem por cento) e o fez no regime dos recursos repetitivos. Mais recentemente a Segunda Turma do Tribunal, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 400.927, em sessão de 4 de junho de 2013, aplicou o citado precedente em acórdão que tem a seguinte ementa:

“1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, em diversas ocasiões, serem abusivas multas tributárias que ultrapassem o percentual de 100% (ADI 1075 MC, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ de 24-11-2006; ADI 551, Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, DJ de 14-02-2003). 2. Assim, não possui caráter confiscatório multa moratória aplicada com base na legislação pertinente no percentual de 40% da obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”.

Segundo essa decisão, que na ementa reproduz trecho do voto do Ministro Relator proferido no citado Recurso Extraordinário nº 582.461-SP, a multa superior a cem por cento é abusiva, e, portanto, é inconstitucional a norma que estipula percentual superior. Nessas decisões a Suprema Corte, ao menos por enquanto, acolhe o princípio geral segundo o qual a pena deve ser proporcional ao dano, que, no caso, corresponde ao montante do tributo devido. Todavia, as referidas decisões fazem referências apenas e tão somente à multa, e, portanto, não cogitam das demais penalidades, como são os juros de mora.

Tenho defendido que o referido limite não é aplicável apenas às multas, mas, também, a todas as penalidades somadas. Assim, segundo o meu entendimento, no conceito de penalidades estão incluídos os juros de mora que têm feição penal. De fato, os juros de mora são aplicáveis diante de uma infração, que tem como fato gerador a falta de pagamento de obrigação no prazo e lugar devidos; são, portanto, juros pela demora. Eles representam uma penalidade por ato ilícito em face do retardamento culposo do pagamento devido fora dos casos autorizados pelo ordenamento jurídico, isto é, eles são devidos como sanção por ato ilícito que causa dano ao credor. A identidade entre multa e juros de mora é evidente, pois ambas as figuras são instrumentos de repressão ao não cumprimento de norma tributária, e, por conseguinte, deve ser aplicado o velho brocardo: “ubi eadem ratio, ibi eadem juris” (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito).

– Publicado pela FISCOSoft em 02/07/2013