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Auto de infração e lançamento tributário: Elementos, pressupostos, vícios e anulação

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Artigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.

1. Superando as astúcias da expressão ato administrativo

Como diz LUDWIG WITTGENSTEIN, “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”.(1) Sem aparelhar nossa ferramenta de trabalho, que é a linguagem, simplesmente não conseguimos detectar as múltiplas nuanças que o direito constrói e de cuja manipulação nos tornamos reféns. Especificamente na ciência do direito, romper os limites da linguagem é alargar os horizontes para a compreensão do direito.

Por isso, é necessário discutir a relevância do problema da ambiguidade das palavras no processo de aplicação do direito. Tomemos como exemplo a afirmação de que “a posse incide sobre a posse e faz nascer a posse”, que só poderá ser compreendida por quem souber identificar, no direito civil, as três acepções de posse: norma geral e abstrata veiculada pelo Código Civil, fato jurídico de determinada pessoa exercer facticamente relação com dada coisa com ânimo de proprietário e direito subjetivo decorrente desse fato.(2) Assim, a afirmação seria compreendida: a posse (norma) incide sobre a posse (fato) e faz nascer a posse (relação jurídica).

Assim como ocorre com posse no direito civil, ato administrativo apresenta mais de uma acepção no direito administrativo.(3) Que é ato administrativo? Ato de aplicação do direito? Ou é justamente o produto desse ato, quer dizer uma norma individual e concreta? Ou será o documento legal veiculador desse ato de concreção do direito?

Se em posse é possível distinguir três significados, em ato administrativo, pode-se identificar o que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambiguidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, “é o que ocorre com palavras como ‘trabalho’, ‘vivência’, ‘construção’, ‘pintura’. Se alguém me diz ‘me encontro na pintura’, pode-se duvidar de, se o que gosta, é pintar ou contemplar quadros”.(4)

Assim, o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto). Note-se que, só no caso de ato administrativo, é que ocorre a ambiguidade processo/produto, à qual imputamos inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrativo.

Se esse problema não passou despercebido a ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(5) ele fica patente na “definição legal” proposta por HELY LOPES MEIRELES: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.(6) O termo por nós destacado encerra a mesma ambiguidade de ato administrativo: manifestação serve tanto para denotar o ato de se manifestar (processo) como o resultado desse ato (produto).(7)

Assim, quando um guarda de trânsito lavra um auto de infração, ele está realizando um ato administrativo. Ao mesmo tempo, a norma individual e concreta, introduzida pelo guarda mediante o suporte físico do auto de infração, é também um ato administrativo. Note-se, o primeiro ato administrativo é fato: consiste em ato de aplicação do direito. O segundo é o resultado jurídico daquele ato de aplicação do direito. O que entrevemos é a confusão entre (i) o ato de aplicação que cria a norma e a própria norma criada por esse ato; (ii) a fonte material e a norma produzida; (iii) o exercício da competência administrativa e seu resultado; (iv) a enunciação e o enunciado, e (v) o processo de criação do direito e o produto.

Ora, se de um lado essa dualidade é aceita na linguagem técnica do direito, de outro, no plano científico, que prima pela univocidade de seus termos, deve ser esclarecida de antemão. Assim, convencionaremos chamar ato-fato administrativo, ao ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da competência administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato,(8) deixando a expressão ato administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies.(9)

Assim, parece-nos pertinente distinguir entre os requisitos do ato administrativo citados por HELY LOPES MEIRELES,(10) os que se encontram no plano do ato-fato administrativo (competência e motivo) e os que se encontram no ato-norma administrativo (forma, finalidade e objeto). Com relação aos atributos, julgamos estarem todos eles (presunção de legimidade, imperatividade e autoexecutoriedade) ligados ao ato-norma administrativo.

2. Elementos do ato-fato administrativo e do ato-norma administrativo

Sem desconsiderar a crítica de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,(11) utilizaremos a noção de elemento tal qual foi definida por WITTEGENSTEIN, como “proposição factual que resulta da decomposição de um fato”.(12)

Compatibilizamos desse modo o conceito aristotélico(13) de elementos de BANDEIRA DE MELLO com o de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem elementos são as proposições jurídicas que compõe o fato (proposição linguística), e não entidades da ordem dos acontecimentos (eventos). Assim, adaptamos a proposta que havíamos edificado anteriormente(14) a essa nova perspectiva.(15)

2.1. Elementos do ato-fato administrativo (lançamento e auto de infração)

Os elementos do ato-fato administrativo, como entidades linguísticas que são, encontram-se revestidos em linguagem na enunciação enunciada que compõe a fonte formal, e que sua refutação jurídica está justamente na relação desses enunciados com outros que exprimam de forma diferente esses referenciais empíricos.(16)

São elementos do ato-fato administrativo os fatos jurídicos protocolares que influem positivamente em sua conformação jurídica: (i) o agente público competente, (ii) o motivo do ato, (iii) o procedimento previsto normativamente e (iv) a publicidade.

Agente público competente é a autoridade administrativa juridicamente habilitada para fiscalização e verificação da ocorrência do motivo do ato, para realização do procedimento e da publicidade exigidos pelo direito posto.(17)

Motivo do ato é o fato jurídico provado que autoriza (ato discricionário) ou exige (ato vinculado) a prática do procedimento administrativo.(18)

Procedimento é o fato jurídico que se configura com a ordenação da série de atos e fatos jurídicos que colaboram, de forma sucessiva ou instantânea, sequencial ou não, na formação do ato-fato administrativo. Seria perfeitamente cabível considerar os outros três elementos (a autoridade, a publicidade e a verificação do motivo do ato) como aspectos do procedimento, mas preferimos especificar o sentido de procedimento como a estrutura, e não os fatos em si, de um sistema de fatos ordenamente inter-relacionados e dirigidos a dado fim, ou seja, como a relação que se estabelece entre os vários fazeres.

Publicidade é o fato jurídico que se configura mediante o ato comunicacional para informar ao destinatário que a norma individual e concreta foi produzida em conformidade com os pressupostos legais. Nela, constam os dêiticos da autoridade, do motivo do ato, do procedimento e da própria publicidade.

Basta provar a inexistência jurídica de qualquer desses elementos para se inquinar juridicamente um ato-norma administrativo como inválido. Exemplo, uma multa de trânsito que seja lavrada sem a presença de qualquer desses elementos é de pleno direito invalidável perante o direito positivo.

2.2. Elementos do ato-norma administrativo (lançamento e auto de infração)

Elementos do ato-norma administrativo são os fatos jurídicos que compõem a estrutura dessa norma individual e concreta. Acatando a terminologia de PAULO DE BARROS CARVALHO, são elementos do ato-norma administrativo o fato-evento e o fato-conduta.

Em direito administrativo, o fato-evento é a motivação do ato administrativo, que pode ser expressa ou implícita. A motivação é expressa quando verbalizada no texto do veículo introdutor e implícita, quando num ato administrativo vinculado, possa ser construída a partir do conteúdo do ato em contexto semântico-pragmático com o ato-fato que orientou sua produção. Motivação, desse modo, é uma proposição descritiva do motivo do ato que ocupa o lugar sintático de antecedente numa norma individual e concreta (ato-norma administrativo).(19)

Em direito tributário, fato-evento é a descrição em linguagem jurídica do evento jurídico tributário. No processo de positivação do direito, é o elo jurídico que liga a norma individual e concreta à regra-matriz de incidência tributária, estabelecendo, nessa interação, os referenciais de espaço e tempo imprescindíveis ao controle da legalidade do ato-norma administrativo.

Poderíamos dizer que o fato-evento é o genoma do ato administrativo, e a informação do DNA contida nesse genoma equivale à informação contida no fato-evento. É essa informação que nos permite identificar o evento tributário e a regra-matriz da incidência tributária que lhe confere juridicidade, facultando, assim, o controle da legalidade.

Fato-conduta é a relação jurídica constituída no consequente do ato-norma administrativo. Como relação que é, apresenta a forma xRy, em que x e y representam o sujeito ativo e o sujeito passivo e R, a obrigação, a permissão ou a proibição de dada conduta. No ato-norma administrativo de lançamento tributário, Fisco e contribuinte ocupam os polos dessa relação, que determina a obrigatoriedade de o contribuinte pagar o tributo ao Fisco. Na terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, o fato-conduta corresponde ao conteúdo do ato administrativo, definido por esse autor como aquilo que o ato dispõe.(20)

3. Lançamento tributário

Lançamento tributário, consoante assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(21) apresenta vários matizes significativos.(22) Encontram-se vinte e sete ocorrências do vocábulo lançamento no Código Tributário Nacional(23) e uma na Constituição Federal de 1988,(24) basicamente em dois sentidos: (i) como o ato ou o procedimento material de formalização do crédito tributário realizado pelo contribuinte ou pelo Fisco e (ii) como a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte ou pelo Fisco.

A proposta que identifica o ato-fato e o ato-norma como entidades contíguas, mas distintas, permite ampliar a análise do ato administrativo de lançamento tributário. O primeiro sentido é o de o ato-fato administrativo, em que se pode identificar o agente competente, o motivo do ato, o procedimento e a publicidade. O segundo é de ato-norma administrativo, em que se identificam o fato-evento (motivação) e o fato-conduta (relação jurídica tributária).

3.1. Lançamento tributário como norma individual e concreta produzida pelo agente fiscal

Doravante utilizaremos lançamento como a norma individual e concreta que formaliza o crédito tributário e decorre de procedimento administrativo realizado por autoridade administrativa. Observamos que essa tomada de posição não inibe nem desqualifica o uso de lançamento com outras proporções de sentido, mas permite manter coerência com a orientação inicial deste trabalho, que define direito como o conjunto das normas jurídicas válidas.

Essa opção foi orientada também pelo diretivo do art. 142 do CTN, que exclui do sentido de lançamento a norma individual e concreta formalizada pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

No caput e no parágrafo único desse dispositivo – conforme assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO(25) -, lançamento está empregado na acepção de procedimento formalizador do crédito tributário. Trata-se, pois, de norma de competência administrativa orientada para a conformação do ato-fato administrativo de lançamento tributário, disciplinando o ato do direito dirigido a constituir o crédito.

Não pode ser confundido com aquilo que se chama de sentido material de lançamento, designando ora a atividade material de formalizar o crédito tributário independentemente da pessoa que o realiza (seja o contribuinte, seja a autoridade judiciária), ora o produto desse ato formalizador do crédito quando não realizado pelo Fisco. Isso porque, nesses dois últimos casos, considera-se que o lançamento pode ser realizado por outra pessoa que não a autoridade administrativa, e isso não está de acordo com o previsto no art. 142.

É sob essa óptica que se discute a índole do chamado “autolançamento” como atividade material, denotando o ato de formalização efetuado pelo contribuinte e que culmina com o pagamento antecipado.

Assim, lançamento será considerado como ato-norma administrativo, com estrutura dual de fato-evento e fato-conduta, introduzido pela autoridade fiscal. Não poderá ser confundido, portanto, com o procedimento administrativo e estará em oposição às demais normas jurídicas que também têm o condão de constituir o crédito tributário, mas que não decorrem de procedimento administrativo realizado pelo Fisco. A cada uma dessas normas, chamaremos norma individual e concreta de formalização do crédito tributário.

3.2. O fato-evento, ou fato jurídico tributário

No fato-evento, encontramos a descrição do motivo do ato e, no caso específico do lançamento tributário, a descrição do fato jurídico tributário. Conforme dispõe o art. 144 do CTN, o fato-evento do ato-norma administrativo de lançamento reporta-se à data da ocorrência do evento tributário e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. Verifica-se, pois, que o fato-evento não só constitui o fato jurídico tributário como também define o direito aplicável. Sem fato-evento não há fato jurídico. Sem fato jurídico que determine as coordenadas espaço-temporais da legislação vigente, o direito aplicável é uma incógnita.

O evento não é o fato-evento, é descrito pelo fato-evento que assim o constitui juridicamente. O evento é, por exemplo, a circunstância de ser proprietário de imóvel no perímetro urbano da cidade de São Paulo no dia 01/01/2000. O fato-evento decorre do ato de enunciação, da lavratura do ato-norma administrativo de lançamento em 20/02/2000. Pode-se dizer, assim, que o evento é conteúdo do fato-evento ou que, juridicamente, o fato-evento descreve o evento.

Identificam-se aí dois momentos: o da enunciação do fato-evento e o do referente constituído por essa proposição. A data do fato é 20/02/2000 e a data no fato é 01/01/2000: esta indica a data da ocorrência do acontecimento tributário; aquela, o momento em que esse acontecimento foi internalizado na linguagem própria do direito.

Vale advertir: pode haver fato-evento sem evento que lhe corresponda. Ora, a história nasceu com a linguagem. A linguagem propicia a representação do real sem com ele se confundir. Como disse CHARLES SANDERS PEIRCE: “signo é algo que representa algo diferente de si mesmo”.(26) A linguagem, que é feita de signos, não é aquilo que representa. Qual gêmeos univitelinos, com a linguagem nascem, concomitantemente, a verdade e a mentira. Ainda, nesse mesmo berço, surgem de mãos dadas a história e o direito. Sem linguagem não há verdade, nem mentira; nem história, nem direito. Assim como na história, o direito pode referir-se a um evento que não ocorreu e, para isso, existe no direito o contraditório administrativo, judicial e o mandado de segurança como formas de processamento da verdade construída no interior do direito.

Outra percepção que o estudo mais acurado do fato-evento nos propicia é a de que o direito não volta ao passado, reconstrói o passado no presente, enunciando-o e instalando seus efeitos para o vir a ser deste presente. Essa é a principal função do fato-evento na estrutura da norma individual e concreta do lançamento: trazer o passado para o presente, dimensionando e fundamentando juridicamente o fato-conduta. Assim, são determinados: a lei aplicável, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

3.3. O fato-conduta, ou relação jurídica tributária

O fato-conduta é a proposição prescritiva que estipula a relação jurídica tributária entre determinando sujeito ativo e determinado sujeito passivo, quantificando o montante do tributo devido. Como a linguagem prescritiva visa a alterar condutas, o fato-conduta volta-se para o futuro, pois só a conduta futura é passível de alteração.

É impossível prescrever o passado, pois comportamentos passados são inalteráveis. Seria uma absurdo prescrever: “Fulano é obrigado a fazer algo ontem”. É um sem sentido pretender alterar aquilo que já se deu. Pode-se dissimular, alterar ou desfigurar sua articulação linguística, o que é outro processo, não o próprio acontecimento.

3.4. O dever de lançar e a responsabilidade funcional, o poder de lançar e a decadência

O dever-poder de produzir o lançamento tributário retrata duas relações jurídicas: uma, a relação que se estabelece entre o Estado-administração e a autoridade administrativa incumbida de realizar o ato-fato de lançamento; outra, entre a autoridade administrativa e o contribuinte. O agente público é, assim, simultaneamente, sujeito de um dever jurídico e titular de um poder jurídico. É polo passivo do dever jurídico de empreender o ato-fato de lançamento tributário, em face do Estado-administração, que é o polo ativo nessa relação. É polo ativo do direito subjetivo público (competência) de efetuar o ato-fato de lançamento, em face do contribuinte, que é o polo passivo nessa outra relação. Assim, o agente público participa dessas duas relações, em que dever e poder modalizam a conduta de realizar o ato-fato de lançamento.(27)

Não há, portanto, que se confundir esse sentido com o uso de dever-poder enquanto liame lógico de subalternação, que estabelece que o dever implica o poder (OpÉPp). Assim, se a conduta é obrigatória, então, a conduta p está permitida, ou seja, a obrigação de fazer algo implica a permissão de fazê-lo. Nesse sentido, a relação dever-poder denota a mera implicação dedutiva da obrigação como modal deôntico.

Essas duas relações jurídicas de direito público são projetadas por duas normas jurídicas diversas e, quando descumpridas, ocorrem, também, efeitos distintos: do descumprimento do dever de lançar, decorrre a responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único do CTN); do não exercício do poder de lançar, decorre a decadência (art. 173 do CTN). Nos dois casos, a figura central é o agente administrativo, que será punido pelo Estado-administração caso não cumpra o dever de lançar no prazo determinado, e que perderá o direito de constituir o crédito, caso não cumpra o prazo determinado para exercer o poder de lançar.

Isso não significa que o contribuinte não seja passível de punição pelo descumprimento do dever de formalizar o crédito no prazo determinado. Mas é preciso considerar que a punição, para o contribuinte, é apenas uma sanção de cunho patrimonial, enquanto que, para o agente administrativo, a pena é de responsabilidade funcional.

O vínculo funcional entre agente e Estado estreita muito mais o controle sobre a atividade de constituição do crédito do que qualquer sanção patrimonial atribuída ao inadimplemento de dever instrumental. Por isso, a figura da autoridade administrativa é tão valorizada no CTN para a realização do ato-fato de lançamento tributário, aparecendo no caput do art. 142.

4. Constituição do crédito realizada pelo contribuinte

O dever de o contribuinte constituir o crédito sem prévio ato de lançamento, realizando o “pagamento antecipado”, assim denominado pelo simples fato de anteceder cronologicamente à qualquer atuação do Fisco, está previsto no caput do art. 150 do CTN. Mas isso só ocorre se não houver a tipificação de nenhum dos dispositivos do art. 149 do CTN, caso em que a formalização do crédito será realizada pela autoridade administrativa.

O contribuinte que se encontra obrigado, segundo a forma prevista na legislação, a formalizar o crédito tributário, subsome o evento tributário à regra-matriz de incidência e determina o quantum debeatur. Definido o montante do tributo, efetua o pagamento, que pressupõe a formalização do crédito.

Pode-se concluir, assim, que a constituição do crédito tributário não exige necessariamente ato-norma administrativo de lançamento, pois, conforme expressa determinação do § 1o do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação. Nosso direito positivo, portanto, reconhece expressamente a possibilidade jurídica de o contribuinte constituir a relação jurídica tributária (crédito).

Conforme leciona PAULO DE BARROS CARVALHO,(28) quando o sujeito passivo é obrigado, em face de deveres formais expressos, a proceder à formalização do crédito tributário, há a edição de uma norma individual e concreta produzida pelo particular.

São identificáveis, nesse processo de positivação: (i) o ato de formalização do crédito pelo contribuinte; (ii) a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte, nesse procedimento; (iii) o crédito tributário constituído no consequente dessa norma; (iv) o ato de pagamento que extingue esse crédito sob condição resolutória; (v) o ato de homologação expressa efetivado ulteriormente pelo Fisco, ou, na ausência deste, a homologação tácita desse pagamento, ou no caso de irregularidade no pagamento, o procedimento administrativo de formalização do crédito, com edição do respectivo ato-norma de lançamento.

Nesse fluxo, não se confundem: o pagamento antecipado formalizado pelo contribuinte com o pagamento do crédito formalizado pelo lançamento de ofício, nem a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte com o ato-norma de lançamento produzido pelo Fisco, nem o procedimento do particular tendente a formalizar o crédito com o procedimento administrativo do Fisco dirigido à formalização do crédito.

5. Constituição do crédito realizada pela autoridade fiscal

Como vimos, o dever de a autoridade fiscal empreender a constituição do crédito tributário está previsto no art. 142 do CTN. Além disso, é determinado, seja por menção expressa da legislação tributária, independentemente de qualquer outro fato (art. 147 e art. 149, Inciso I), seja quando se comprove omissão na declaração prevista no art. 147 (Incisos II, III e IV do art. 149) do CTN ou vício no exercício da atividade prevista no art. 150 (Incisos V, VI e VII do art. 149).

Aí está incluído o chamado “lançamento por declaração”, que decorre da edição de um ato-norma administrativo e pertence, portanto, à categoria das modalidades que exigem ato de formalização realizado pela autoridade fiscal.

Outro ponto que merece ser desmistificado é o de que a modalidade de formalização do crédito está ligada à natureza específica do tributo. Se assim fosse, o ICMS seria sempre sujeito ao chamado “lançamento por homologação”. No entanto, conforme prescreve o Inciso V do art. 149 do CTN, pelo simples fato de se comprovar a omissão da atividade prevista no art. 150 pela pessoa legalmente obrigada, o ICMS submete-se ao procedimento de formalização do crédito realizado pela autoridade administrativa.

Portanto, só num primeiro momento é que a definição da legislação tributária ordinária é relevante para determinação da modalidade de formalização do crédito. Inúmeras outras circunstâncias fácticas inserem-se como relevantes (ex vi dos incisos do art. 149 do CTN) para impor o processo de formalização do Fisco àqueles tributos que, em razão da legislação originária, eram destinados ao ato de formalização do contribuinte.(29)

Conclui-se, assim, que a modalidade de formalização aplicável a cada caso concreto define-se em função da combinação de vários critérios definidos pelo próprio direito e não, simplesmente, em razão do que é estipulado pela legislação instituidora do tributo.

6. Revisão do ato-norma de lançamento

O crédito tributário, consequente do ato-norma de lançamento tributário, para ser alterado requer outra norma individual e concreta que invalide a norma original instituidora do crédito.(30) Segundo o art. 145 do CTN, o lançamento regularmente notificado ao contribuinte só pode ser alterado em virtude de: “I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149”.

É interessante notar, conforme sublinhou ALBERTO XAVIER,(31) que a lei usa o termo alteração para as três hipóteses de reapreciação do lançamento, reservando revisão, ex vi do art. 149 caput e parágrafo único, para indicar o ato-norma administrativo de reapreciação do ato-norma de lançamento tributário original. Nesse caso, a revisão consiste, juridicamente, em novo lançamento e, por consequência, novo crédito tributário.

Mas revisão pode significar também o procedimento de produção da norma substitutiva, regulado pela norma geral e abstrata de competência administrativa que delineia sua produção. Nesse plano, a norma definidora da competência administrativa para o exercício da revisão pressupõe em sua hipótese a existência jurídica de ato-norma administrativo passível de ser objeto de revisão e, além disso, o acontecimento de pelo menos uma das circunstâncias tipificadas nos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX do art. 149 do CTN, que, configuradas, implicam o consequente normativo dessa regra: o dever de realizar novo lançamento.

No patamar das normas individuais e concretas, a norma de revisão equivale a novo lançamento veiculador do crédito. Diferencia-se estruturalmente do lançamento original apenas em razão de sua motivação: naquele, é apenas o fato jurídico tributário, enquanto nesta, é a combinação do fato-evento com pelo menos uma das hipóteses, acima relacionadas.

Assim, a denominada revisão constitui novo ato-norma administrativo que instala, com a devida notificação, nova constituição do crédito, atendendo à hipótese prevista no art. 174 do CTN, funcionando como dies a quo do prazo prescricional.

7. A anulação por vício formal

No fenômeno de produção normativa, forma e matéria entrelaçam-se em mútua relação, como exemplifica RICARDO GUIBOURG: a exceção de incompetência é questão de forma em relação ao direito material, mas, se alegada extemporaneamente, a exceção, em relação ao argumento de sua intempestividade, passa a ser questão de conteúdo (do assunto competência).(32) Assim também, no direito tributário, o ato de lançamento é forma em relação à regra-matriz de incidência, mas é matéria em relação à sua anulação por vício formal.

Numa visão dinâmica, os conceitos de forma e matéria estão relacionados com o processo de positivação do direito. Considerando, por hipótese, quatro normas, sendo: N1 a norma constitucional que cuida do processo de produção de N3; N2 a norma constitucional que informa o conteúdo desse ato; N3 a norma infraconstitucional que cuida do procedimento de lançamento, e N4 a norma individual e concreta do lançamento. N1 será do âmbito da forma em relação a N3, que será do âmbito da matéria em relação a N1 e da forma em relação a N4, e N2 e N4 serão do âmbito da matéria.

Na visão estática do direito, como sistema de normas jurídicas válidas, não se leva em conta essa relatividade: são do âmbito da forma as normas jurídicas sobre processos de produção de outras normas jurídicas, e da matéria, as normas jurídicas que cuidam de prescrever condutas inter-humanas não vinculadas, imediatamente, à produção de outras normas. Fixada essa premissa, identificaríamos N1 e N3 como normas de direito formal, N2 e N4 como normas de direito material.

Importa notar, sob o enfoque da primeira visão, que direito formal e material se unem na realização de um único ato de aplicação do direito. No processo legislativo, por exemplo, estão presentes concomitantemente as normas constitucionais que disciplinam a forma do processo legislativo, bem como as normas constitucionais que delimitam o conteúdo da lei, definindo a competência material de cada ente tributante, de maneira que a lei é o resultado da aplicação da competência formal e da competência material. No processo administrativo, o mesmo ocorre: realizar ato-fato administrativo significa aplicar, concomitantemente, regras que disciplinam procedimento e regras que disciplinam condutas materiais. Exemplo: o guarda que lavra multa de trânsito, aplica, simultaneamente, a regra que disciplina o seu procedimento e a regra que disciplina que aquele que infringir o Código Nacional de Trânsito deve pagar multa.(33)

7.1. Uma proposta de distinção entre nulidade e anulação do lançamento

Partindo-se dessa coincidência do direito material e formal no ato de aplicação do direito, propõe-se ligar anulação aos vícios de forma e nulidade aos vícios de matéria no lançamento. Assim, para construir essa distinção tomaremos o direito posto, conquanto não haja registro expresso do contorno jurídico da anulação ou da nulidade no direito tributário positivo. Entendemos que, como a atividade administrativa é vinculada à lei, os mesmos critérios que determinam a produção do ato-norma de lançamento válido serão aplicáveis para identificar sua invalidade. Afinal, invalidade é o anverso da validade. Portanto, mesmo diante da ausência de enunciados expressos sobre a invalidação do lançamento, a distinção entre nulidade e anulação pode ser edificada a partir dos enunciados normativos que disciplinam as condições de validade do lançamento. Só assim obteremos critérios jurídicos para diferençar nulidade de anulação.(34)

A anulação decorre do descumprimento dos dispositivos que determinam o ato-fato de lançamento, ex vi dos arts. 141,(35) 142 caput e parágrafo único,(36) 145,(37) 146(38) e 149,(39) do CTN. A nulidade decorre de vícios na aplicação da regra-matriz de incidência tributária, introjetados na estrutura do ato-norma administrativo, seja no antecedente (motivação), seja no consequente (crédito), tais como falta de motivação, defeito na composição ou determinação do sujeito ativo, do sujeito passivo, da base de cálculo ou da alíquota aplicáveis ex vi dos arts. 142, 143(40) e 144(41) do CTN.

Assim, se o lançamento anterior objeto de invalidação apresentar vício em seu processo de produção, ato-fato, é caso de anulação; se o vício estiver instalado em seu produto, ato-norma, é caso de nulidade. Vinculamos anulação aos problemas na aplicação dos enunciados prescritivos que se referem ao processo de produção do lançamento (vícios formais) e nulidade aos problemas inerentes ao conteúdo do ato (vícios materiais), ou seja, à norma individual e concreta que estabelece o crédito e sua motivação. Articulando-se esse tema às pesquisas de JOSÉ LUIZ FIORIN,(42) livre-docente do departamento de Línguística da Universidade de São Paulo, pode-se afirmar que a anulação está para os vícios da enunciação, assim como a nulidade está para os vícios do enunciado-enunciado.

Na anulação, figura-se problema na aplicação das normas de produção normativa (direito formal);(43) na nulidade, na aplicação da regra matriz de incidência (direito material). Nos patamares da teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO, nulidade é defeito no enunciado da norma individual e concreta, produzida pelo Fisco, seja no antecedente (fato jurídico tributário), seja no consequente (relação jurídica tributária ou crédito tributário); anulação é impropriedade verificada na fonte material, como antecedente da norma individual e concreta do veículo introdutor desse ato administrativo. Em suma, vício no veículo introdutor, anulação; vício no próprio ato-norma de lançamento, nulidade.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO(44) interpretando ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(45) entende que a possibilidade ou impossibilidade de convalidar-se(46) o vício do ato-norma administrativo é o critério superno para discriminar os dois tipos de invalidação: se o ato-norma é convalidável, é passível de anulação; se é inconvalidável, de nulidade.(47)

Diz expressamente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“São nulos:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos em que racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.
(…)
São anuláveis:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos que podem ser repraticados sem vício”.(48)

Portanto, convalidável, e anulável, é o ato administrativo que não apresente vício em seu conteúdo decorrente da aplicação distorcida do direito material, mas tão apenas defeito no procedimento administrativo que o formou. Inconvalidável, e sujeito à nulidade, é o ato administrativo que apresente vício em seu conteúdo, de maneira que, mesmo submetido a novo procedimento de aplicação, produziria o mesmo conteúdo viciado e que só seria válido tivesse seu conteúdo alterado. Só que, nesse caso, não seria mais o mesmo ato. Esse raciocínio permite afirmar que, enquanto na anulação o vício se encontra nos pressupostos de constituição do ato, na nulidade encontra-se entre os elementos do ato administrativo (conteúdo do ato), usando a terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

Ora, se, como diz o autor: “Sem os elementos não há ato jurídico algum (administrativo ou não). Sem pressupostos não há ato administrativo formado de maneira válida”,(49) então, nada mais coerente que centrar o estudo da invalidação nesses elementos e pressupostos. Na falta dos pressupostos, descumpre-se a norma de competência e o ato fica inquinado de anulação; na ausência dos elementos em conformidade com a lei material, compromete-se o próprio ato jurídico, que fica inquinado de nulidade. Entrementes, advirta-se: ato administrativo nenhum, em decorrência de sua inerente presunção de validade, torna-se nulo ou anulado sozinho. A invalidação requer sempre ato de aplicação do direito que lhe atribua, mediante ato-norma invalidador, uma ou outra dessas qualidades.

Sendo assim, os problemas do lançamento podem estar na aplicação da regra-matriz ou da regra de competência administrativa, ou, respectivamente, do direito material ou do direito formal na terminologia de RUY BARBOSA NOGUEIRA;(50) ou das normas de comportamento ou das normas de estrutura, na terminologia de NORBERTO BOBBIO.(51)

7.2. O procedimento de invalidação do ato-norma de lançamento tributário

Invalidade, como diz LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(52) ainda enquanto professora assistente da PUC/SP, é “a maneira como a Administração Pública corrige de ofício, ou a requerimento da parte, seu ato praticado, em desacordo com a legalidade”. Essa ilegalidade diz respeito tanto à regra-matriz de incidência tributária quanto ao exercício da competência administrativa, posto que a produção de ato válido exige a iteração dessas duas normas: a norma de direito material que se pretende aplicar e a que outorga competência para a prática do procedimento administrativo.

Para se corrigir um ato administrativo requer-se outro ato administrativo, como anota a autora. E, ainda, competência para agir, além de norma geral e abstrata que prescreva materialmente a invalidação, estabelecendo a hipótese e a consequência do ato-norma invalidador.(53) Na hipótese dessa norma geral e abstrata que cuida de disciplinar o ato-norma invalidador, encontramos os mesmos critérios de nulidade e anulação.

Será de nulidade o ato-norma invalidador que tiver por suposto vício nos elementos substanciais do ato-norma, fato-evento (motivação) e fato-conduta. Convém adscrever que fato-evento e fato-conduta, não por coincidência, correspondem à concreção do binômio hipótese tributária e consequente tributário presente na regra-matriz de incidência tributária.(54)

Será de anulação o ato-norma invalidador que tiver por pressuposto vício no procedimento administrativo, quer dizer, como sublinham MERKEL e ENTERRÍA,(55) no processo de concreção da competência administrativa tendente a produzir o ato administrativo.(56) Portanto, há anulação por vício formal quando há defeito na confecção do veículo introdutor do ato de lançamento.

7.3. O ato-norma administrativo de anulação

Sob o signo anulação, entendemos o ato-norma administrativo que retira do sistema normativo um lançamento anterior motivado pela verificação jurídica de vício em seu procedimento. Tratando-se de decisão definitiva, como faz, por exemplo, alusão o art. 173, II do CTN, consideramos que é a norma jurídica individual e concreta, veiculada por decisão judicial ou ato administrativo, que tem por objeto a invalidação de lançamento anterior.

Nessa norma individual e concreta de anulação há um antecedente e um consequente. Este último corresponde ao efeito do ato-norma invalidador que decorre do vínculo de imputação, como diria KELSEN. O efeito do ato-norma administrativo não é externo, mas interno à estrutura do ato-norma administrativo. Fora do ato-norma administrativo, como entreviu ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(57) não há que se falar em eficácia jurídica, mas em eficácia social.

É este ato decisório final que serve como pressuposto fáctico da regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior, como veremos adiante. Assim, o que é efeito pelo prisma da regra geral e abstrata de anulação, passa à condição de fato, previsto na hipótese dessa regra decadencial.

Notas

(1). Tratado lógico-filosófico, p. 114

(2). A ambiguidade do vocábulo posse foi nos revelada por LUIZ CÉSAR DE SOUZA QUEIROZ, autor do livro Sujeição passiva tributária, publicado pela Forense, e hoje professor de direito tributário da UERJ.

(3). No direito civil são, também, exemplos desse mesmo problema: (i) o termo “contrato” que pode significar a norma, o fato do acordo de vontades, o próprio instrumento ou o conteúdo contido no instrumento que firma o acordo de vontades e (ii) o vocábulo “negócio jurídico” que pode conotar o próprio acordo de vontades ou eficácia gerada pelo acordo de vontades. São palavras que propiciam a ambiguidade, cuja atenção sobre elas deve ser redobrada com o fito de se compreender o direito.

(4). Introducción al análisis del derecho, p. 261.

(5). Apercebendo-se dessa situação, em magnifico artigo publicado na RDP 32, esse autor qualifica como inadequada a expresso “ato administrativo”, inspirando, assim, de modo original todo o desdobramento do raciocínio que edificamos nesse tópico. Cf. Elementos do ato administrativo, p. 38.

(6). Direito administrativo brasileiro, p. 116-7.

(7). Identificamos o mesmo tipo de ambiguidade no uso de declaração, no conceito proposto por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: “declaração do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas ao controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (Curso de Direito Administrativo, p. 173-4). Entretanto, a poderosa intuição jurídica desse autor não deixou escapar essa dualidade ao efetuar a crítica à expressão requisitos do ato, propondo em seguida uma distinção entre pressupostos do ato e elementos do ato.

(8). A expressão ato-fato implica que se trata de ato humano em que o sentido psicológico da vontade é irrelevante. Cf. MARCOS BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico, p. 106.

(9). Cf. Lançamento tributário, p. 89.

(10). Idem, ibidem. p. 118-22.

(11). Curso de direito administrativo, p. 176-7.

(12). Tratado lógico-filosófico, p. 71.

(13). ARISTÓTELES entende por “elemento” o componente de uma coisa qualquer, que seja uma espécie irredutível a uma espécie diferente: neste sentido, p. ex., os elementos das palavras [isto é, as letras] são os elementos de que consistem as palavras, nos quais se dividem em última análise porque não podem dividir-se em partes de espécie diferente. Se um elemento for dividido, suas partes serão da mesma espécie; p. ex: uma parte de água é água, ao passo que a parte de uma sílaba não é uma sílaba”. Metafísica, V, 3, 1014 a 30.

(14). Cf. Lançamento tributário, Capítulo V, itens 7 e 8.

(15). PAULO DE BARROS CARVALHO, Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 107.

(16). V. infra o Item Fontes do direito.

(17). Não se confunde com o sujeito ativo do crédito, que é elemento do ato-norma administrativo de lançamento, compreendendo sim o conceito de fonte formal enquanto enunciação enunciada da autoridade produtora que necessariamente ocupará lugar no suporte enunciativo do ato administrativo.

(18). Não há de se confundi-lo com a motivação que é proposição fáctica que perfaz o antecedente do ato-norma individual e, portanto, perfaz a função de elemento do ato-norma.

(19). Não obstante descreva fato a motivação não se submete aos valores de verdade e falsidade, pois, enquanto antecedente de proposição normativa subjuga-se aos valores validade/não-validade que estabelecem justamente a relação de pertinência dessa proposição com o sistema jurídico.

(20). Curso de direito administrativo, p. 179.

(21). Curso de direito administrativo, p. 137.

(22). “Uma abordagem semântico-histórica, que refoge aos lindes deste trabalho, colocaria à luz as várias acepções que o termo “lançamento” assumiu perante os diversos contextos histórico-científicos em que foi empregada esta locução. Assim, no uso técnico-comercial-contábil temos o emprego da expressão “lançamento” como: – (i) ação ou (ii) efeito de escriturar uma verba em livros de escrituração comercial; (iii) a própria verba que se escritura; e (iv) efetuar o cálculo, conferir liquidez a crédito ou débito. (§) Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica-dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo “lançamento”, acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim: (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (Art. 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (Art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo; (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como o ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados “lançamentos por homologação” (Art. 150 do CTN e §§)”. Lançamento tributário, p. 145-6. O correspondente em italiano accertamento, segundo BERLIRI, também apresenta vários sentidos, o que seria “um dos motivos que justificam a confusão e os equívocos cometidos pela doutrina italiana na sistematização desta matéria, Principi di diritto tributário, tomo III, p. 7 e 24-33.

(23). Art. 82 § 2o, Art. 85 § 3o, como título da Secção I do Capítulo II, Art. 142 caput e parágrafo único, Art. 143, Art. 144 caput e § 1o, Art. 145, Art. 146, Art. 147 caput e § 1o, Art. 149 caput, incisos VIII, IX e parágrafo único, Art. 150 caput e §§ 1o e 4o, Art. 154, Art. 156 inciso VII, Art. 160, Art. 173 incisos I, II e III e no parágrafo único do Art. 195.

(24). Art. 146, III, b.

(25). Curso de direito administrativo.p. 137.

(26). Semiótica, p. 47.

(27). Esta interpretação de dever-poder nos afigura plenamente compatível com uma visão analítica do pensamento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que fixa por atividade administrativa o desempenho de “função”, que é em si a realização de uma conduta prescrita pelo direito, entendendo que: “Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito da função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para procipiar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir”. Curso de direito administrativo, p. 45.

(28). Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 248.

(29). Cf. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, Lançamento tributário, p. 393.

(30). Cabe aqui a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: “A alteração do lançamento corresponde apenas a um aspecto particular do problema mais genérico da alteração dos atos administrativos, transplantado para o campo do Direito Administrativo Tributário ou Direito Tributário Formal”. Lançamento tributário, p. 280.

(31). Do lançamento, teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 240.

(32). Forma y fondo, p. 1.

(33). Fato que também o direito cuida de positivar: a realização da regra procedimental comporá o veículo introdutor, a realização da regra material comporá o conteúdo desse ato-norma administrativo.

(34). Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, a distinção entre atos nulos e anuláveis “embora objeto de sistematização pelos civilistas, não envolve matéria jurídica de direito privado, mas de Teoria Geral do Direito, pertinente à ilegitimidade dos atos jurídicos, e, portanto, perfeitamente adaptável ao direito público, especialmente, ao direito administrativo”. Princípios gerais de direito administrativo, p. 651.

(35). Que impõe o princípio da legalidade no processo de anulação: “O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”.

(36). Determinando a autoridade, o procedimento e a vinculação do ato de lançamento: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

(37). Cuidando das formas em se pode dar a anulação: “O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo. 149”.

(38). Disciplinando os critérios jurídicos a serem adotados pela autoridade administrativa na constituição do lançamento: “A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

(39). “O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública”.

(40). “Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação”.

(41). “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1o Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. § 2o O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido”.

(42). V. Capílulo I, Astúcias da enunciação.

(43). Cf. terminologia de LUIZ CESAR DE SOUSA QUEIROZ com supedâneo em HERBERT HART, Sujeição passiva tributária, p. 53.

(44). CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 232.

(45). Registre-se que ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL não utiliza nem aceita a terminologia usual (ato anulável e ato nulo) posto que entende que não há atos nulos (todos são anuláveis conforme ensina Kelsen), preferindo, assim, a classificação de ato convalidável e ato não-convalidável. Extinção dos atos administrativos, p. 66.

(46). Tenha-se em tela que segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, convalidação é o suprimento da invalidade de um ato administrativo com efeitos retroativos. Curso de direito administrativo, p. 234.

(47). Cf. adscrevemos, Lançamento tributário, p. 117.

(48). Curso de direito administrativo, p. 257.

(49). Curso de direito administrativo, p. 177.

(50). Cf. Curso de direito tributário, p. 139.

(51). Teoria do ordenamento jurídico, p. 36.

(52). Panorama da extinção dos atos administrativos, p. 142. Entretanto, mais precisa e elaborada é a definição oferecida em seu “Curso”: “A invalidação de ato administrativo consiste em sua desconstituição, suprimindo-se seus efeitos típicos, por incompatibilidade com a ordem jurídica, com atribuição de efeitos ex tunc. Curso de direito administrativo, p. 198.

(53). Curso de direito administrativo, p. 200.

(54). Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 233-8.

(55). Cf. EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA & TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, Curso de direito administrativo, p. 483.

(56). O procedimento seria aqui, segundo ADOLPH MERKEL, o “modo de produção de um ato” por aplicação de normas superiores a esse ato, que enfeixam aquilo que denominamos competência administrativa. Como diz ENTERRÍA: “o procedimento administrativo aparece como uma ordenação unitária de uma pluralidade de operações expressadas em diversos atos realizados heterogeneamente (pela função, pela natureza) por vários sujeitos ou órgãos, operações e atos que, não obstante sua relativa autonomia, se articulam em ordem à produção de um ato decisório final”. Idem, ibidem, p. 484.

(57). “Eficácia é, a nosso ver, a produção de efeitos e não a aptidão para produzi-los”. Extinção do ato administrativo, p. 38.

Eurico Marcos Diniz de Santi

Fonte: FISCOSoftArtigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.

1. Superando as astúcias da expressão ato administrativo

Como diz LUDWIG WITTGENSTEIN, “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”.(1) Sem aparelhar nossa ferramenta de trabalho, que é a linguagem, simplesmente não conseguimos detectar as múltiplas nuanças que o direito constrói e de cuja manipulação nos tornamos reféns. Especificamente na ciência do direito, romper os limites da linguagem é alargar os horizontes para a compreensão do direito.

Por isso, é necessário discutir a relevância do problema da ambiguidade das palavras no processo de aplicação do direito. Tomemos como exemplo a afirmação de que “a posse incide sobre a posse e faz nascer a posse”, que só poderá ser compreendida por quem souber identificar, no direito civil, as três acepções de posse: norma geral e abstrata veiculada pelo Código Civil, fato jurídico de determinada pessoa exercer facticamente relação com dada coisa com ânimo de proprietário e direito subjetivo decorrente desse fato.(2) Assim, a afirmação seria compreendida: a posse (norma) incide sobre a posse (fato) e faz nascer a posse (relação jurídica).

Assim como ocorre com posse no direito civil, ato administrativo apresenta mais de uma acepção no direito administrativo.(3) Que é ato administrativo? Ato de aplicação do direito? Ou é justamente o produto desse ato, quer dizer uma norma individual e concreta? Ou será o documento legal veiculador desse ato de concreção do direito?

Se em posse é possível distinguir três significados, em ato administrativo, pode-se identificar o que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambiguidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, “é o que ocorre com palavras como ‘trabalho’, ‘vivência’, ‘construção’, ‘pintura’. Se alguém me diz ‘me encontro na pintura’, pode-se duvidar de, se o que gosta, é pintar ou contemplar quadros”.(4)

Assim, o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto). Note-se que, só no caso de ato administrativo, é que ocorre a ambiguidade processo/produto, à qual imputamos inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrativo.

Se esse problema não passou despercebido a ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(5) ele fica patente na “definição legal” proposta por HELY LOPES MEIRELES: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.(6) O termo por nós destacado encerra a mesma ambiguidade de ato administrativo: manifestação serve tanto para denotar o ato de se manifestar (processo) como o resultado desse ato (produto).(7)

Assim, quando um guarda de trânsito lavra um auto de infração, ele está realizando um ato administrativo. Ao mesmo tempo, a norma individual e concreta, introduzida pelo guarda mediante o suporte físico do auto de infração, é também um ato administrativo. Note-se, o primeiro ato administrativo é fato: consiste em ato de aplicação do direito. O segundo é o resultado jurídico daquele ato de aplicação do direito. O que entrevemos é a confusão entre (i) o ato de aplicação que cria a norma e a própria norma criada por esse ato; (ii) a fonte material e a norma produzida; (iii) o exercício da competência administrativa e seu resultado; (iv) a enunciação e o enunciado, e (v) o processo de criação do direito e o produto.

Ora, se de um lado essa dualidade é aceita na linguagem técnica do direito, de outro, no plano científico, que prima pela univocidade de seus termos, deve ser esclarecida de antemão. Assim, convencionaremos chamar ato-fato administrativo, ao ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da competência administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato,(8) deixando a expressão ato administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies.(9)

Assim, parece-nos pertinente distinguir entre os requisitos do ato administrativo citados por HELY LOPES MEIRELES,(10) os que se encontram no plano do ato-fato administrativo (competência e motivo) e os que se encontram no ato-norma administrativo (forma, finalidade e objeto). Com relação aos atributos, julgamos estarem todos eles (presunção de legimidade, imperatividade e autoexecutoriedade) ligados ao ato-norma administrativo.

2. Elementos do ato-fato administrativo e do ato-norma administrativo

Sem desconsiderar a crítica de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,(11) utilizaremos a noção de elemento tal qual foi definida por WITTEGENSTEIN, como “proposição factual que resulta da decomposição de um fato”.(12)

Compatibilizamos desse modo o conceito aristotélico(13) de elementos de BANDEIRA DE MELLO com o de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem elementos são as proposições jurídicas que compõe o fato (proposição linguística), e não entidades da ordem dos acontecimentos (eventos). Assim, adaptamos a proposta que havíamos edificado anteriormente(14) a essa nova perspectiva.(15)

2.1. Elementos do ato-fato administrativo (lançamento e auto de infração)

Os elementos do ato-fato administrativo, como entidades linguísticas que são, encontram-se revestidos em linguagem na enunciação enunciada que compõe a fonte formal, e que sua refutação jurídica está justamente na relação desses enunciados com outros que exprimam de forma diferente esses referenciais empíricos.(16)

São elementos do ato-fato administrativo os fatos jurídicos protocolares que influem positivamente em sua conformação jurídica: (i) o agente público competente, (ii) o motivo do ato, (iii) o procedimento previsto normativamente e (iv) a publicidade.

Agente público competente é a autoridade administrativa juridicamente habilitada para fiscalização e verificação da ocorrência do motivo do ato, para realização do procedimento e da publicidade exigidos pelo direito posto.(17)

Motivo do ato é o fato jurídico provado que autoriza (ato discricionário) ou exige (ato vinculado) a prática do procedimento administrativo.(18)

Procedimento é o fato jurídico que se configura com a ordenação da série de atos e fatos jurídicos que colaboram, de forma sucessiva ou instantânea, sequencial ou não, na formação do ato-fato administrativo. Seria perfeitamente cabível considerar os outros três elementos (a autoridade, a publicidade e a verificação do motivo do ato) como aspectos do procedimento, mas preferimos especificar o sentido de procedimento como a estrutura, e não os fatos em si, de um sistema de fatos ordenamente inter-relacionados e dirigidos a dado fim, ou seja, como a relação que se estabelece entre os vários fazeres.

Publicidade é o fato jurídico que se configura mediante o ato comunicacional para informar ao destinatário que a norma individual e concreta foi produzida em conformidade com os pressupostos legais. Nela, constam os dêiticos da autoridade, do motivo do ato, do procedimento e da própria publicidade.

Basta provar a inexistência jurídica de qualquer desses elementos para se inquinar juridicamente um ato-norma administrativo como inválido. Exemplo, uma multa de trânsito que seja lavrada sem a presença de qualquer desses elementos é de pleno direito invalidável perante o direito positivo.

2.2. Elementos do ato-norma administrativo (lançamento e auto de infração)

Elementos do ato-norma administrativo são os fatos jurídicos que compõem a estrutura dessa norma individual e concreta. Acatando a terminologia de PAULO DE BARROS CARVALHO, são elementos do ato-norma administrativo o fato-evento e o fato-conduta.

Em direito administrativo, o fato-evento é a motivação do ato administrativo, que pode ser expressa ou implícita. A motivação é expressa quando verbalizada no texto do veículo introdutor e implícita, quando num ato administrativo vinculado, possa ser construída a partir do conteúdo do ato em contexto semântico-pragmático com o ato-fato que orientou sua produção. Motivação, desse modo, é uma proposição descritiva do motivo do ato que ocupa o lugar sintático de antecedente numa norma individual e concreta (ato-norma administrativo).(19)

Em direito tributário, fato-evento é a descrição em linguagem jurídica do evento jurídico tributário. No processo de positivação do direito, é o elo jurídico que liga a norma individual e concreta à regra-matriz de incidência tributária, estabelecendo, nessa interação, os referenciais de espaço e tempo imprescindíveis ao controle da legalidade do ato-norma administrativo.

Poderíamos dizer que o fato-evento é o genoma do ato administrativo, e a informação do DNA contida nesse genoma equivale à informação contida no fato-evento. É essa informação que nos permite identificar o evento tributário e a regra-matriz da incidência tributária que lhe confere juridicidade, facultando, assim, o controle da legalidade.

Fato-conduta é a relação jurídica constituída no consequente do ato-norma administrativo. Como relação que é, apresenta a forma xRy, em que x e y representam o sujeito ativo e o sujeito passivo e R, a obrigação, a permissão ou a proibição de dada conduta. No ato-norma administrativo de lançamento tributário, Fisco e contribuinte ocupam os polos dessa relação, que determina a obrigatoriedade de o contribuinte pagar o tributo ao Fisco. Na terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, o fato-conduta corresponde ao conteúdo do ato administrativo, definido por esse autor como aquilo que o ato dispõe.(20)

3. Lançamento tributário

Lançamento tributário, consoante assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(21) apresenta vários matizes significativos.(22) Encontram-se vinte e sete ocorrências do vocábulo lançamento no Código Tributário Nacional(23) e uma na Constituição Federal de 1988,(24) basicamente em dois sentidos: (i) como o ato ou o procedimento material de formalização do crédito tributário realizado pelo contribuinte ou pelo Fisco e (ii) como a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte ou pelo Fisco.

A proposta que identifica o ato-fato e o ato-norma como entidades contíguas, mas distintas, permite ampliar a análise do ato administrativo de lançamento tributário. O primeiro sentido é o de o ato-fato administrativo, em que se pode identificar o agente competente, o motivo do ato, o procedimento e a publicidade. O segundo é de ato-norma administrativo, em que se identificam o fato-evento (motivação) e o fato-conduta (relação jurídica tributária).

3.1. Lançamento tributário como norma individual e concreta produzida pelo agente fiscal

Doravante utilizaremos lançamento como a norma individual e concreta que formaliza o crédito tributário e decorre de procedimento administrativo realizado por autoridade administrativa. Observamos que essa tomada de posição não inibe nem desqualifica o uso de lançamento com outras proporções de sentido, mas permite manter coerência com a orientação inicial deste trabalho, que define direito como o conjunto das normas jurídicas válidas.

Essa opção foi orientada também pelo diretivo do art. 142 do CTN, que exclui do sentido de lançamento a norma individual e concreta formalizada pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

No caput e no parágrafo único desse dispositivo – conforme assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO(25) -, lançamento está empregado na acepção de procedimento formalizador do crédito tributário. Trata-se, pois, de norma de competência administrativa orientada para a conformação do ato-fato administrativo de lançamento tributário, disciplinando o ato do direito dirigido a constituir o crédito.

Não pode ser confundido com aquilo que se chama de sentido material de lançamento, designando ora a atividade material de formalizar o crédito tributário independentemente da pessoa que o realiza (seja o contribuinte, seja a autoridade judiciária), ora o produto desse ato formalizador do crédito quando não realizado pelo Fisco. Isso porque, nesses dois últimos casos, considera-se que o lançamento pode ser realizado por outra pessoa que não a autoridade administrativa, e isso não está de acordo com o previsto no art. 142.

É sob essa óptica que se discute a índole do chamado “autolançamento” como atividade material, denotando o ato de formalização efetuado pelo contribuinte e que culmina com o pagamento antecipado.

Assim, lançamento será considerado como ato-norma administrativo, com estrutura dual de fato-evento e fato-conduta, introduzido pela autoridade fiscal. Não poderá ser confundido, portanto, com o procedimento administrativo e estará em oposição às demais normas jurídicas que também têm o condão de constituir o crédito tributário, mas que não decorrem de procedimento administrativo realizado pelo Fisco. A cada uma dessas normas, chamaremos norma individual e concreta de formalização do crédito tributário.

3.2. O fato-evento, ou fato jurídico tributário

No fato-evento, encontramos a descrição do motivo do ato e, no caso específico do lançamento tributário, a descrição do fato jurídico tributário. Conforme dispõe o art. 144 do CTN, o fato-evento do ato-norma administrativo de lançamento reporta-se à data da ocorrência do evento tributário e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. Verifica-se, pois, que o fato-evento não só constitui o fato jurídico tributário como também define o direito aplicável. Sem fato-evento não há fato jurídico. Sem fato jurídico que determine as coordenadas espaço-temporais da legislação vigente, o direito aplicável é uma incógnita.

O evento não é o fato-evento, é descrito pelo fato-evento que assim o constitui juridicamente. O evento é, por exemplo, a circunstância de ser proprietário de imóvel no perímetro urbano da cidade de São Paulo no dia 01/01/2000. O fato-evento decorre do ato de enunciação, da lavratura do ato-norma administrativo de lançamento em 20/02/2000. Pode-se dizer, assim, que o evento é conteúdo do fato-evento ou que, juridicamente, o fato-evento descreve o evento.

Identificam-se aí dois momentos: o da enunciação do fato-evento e o do referente constituído por essa proposição. A data do fato é 20/02/2000 e a data no fato é 01/01/2000: esta indica a data da ocorrência do acontecimento tributário; aquela, o momento em que esse acontecimento foi internalizado na linguagem própria do direito.

Vale advertir: pode haver fato-evento sem evento que lhe corresponda. Ora, a história nasceu com a linguagem. A linguagem propicia a representação do real sem com ele se confundir. Como disse CHARLES SANDERS PEIRCE: “signo é algo que representa algo diferente de si mesmo”.(26) A linguagem, que é feita de signos, não é aquilo que representa. Qual gêmeos univitelinos, com a linguagem nascem, concomitantemente, a verdade e a mentira. Ainda, nesse mesmo berço, surgem de mãos dadas a história e o direito. Sem linguagem não há verdade, nem mentira; nem história, nem direito. Assim como na história, o direito pode referir-se a um evento que não ocorreu e, para isso, existe no direito o contraditório administrativo, judicial e o mandado de segurança como formas de processamento da verdade construída no interior do direito.

Outra percepção que o estudo mais acurado do fato-evento nos propicia é a de que o direito não volta ao passado, reconstrói o passado no presente, enunciando-o e instalando seus efeitos para o vir a ser deste presente. Essa é a principal função do fato-evento na estrutura da norma individual e concreta do lançamento: trazer o passado para o presente, dimensionando e fundamentando juridicamente o fato-conduta. Assim, são determinados: a lei aplicável, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

3.3. O fato-conduta, ou relação jurídica tributária

O fato-conduta é a proposição prescritiva que estipula a relação jurídica tributária entre determinando sujeito ativo e determinado sujeito passivo, quantificando o montante do tributo devido. Como a linguagem prescritiva visa a alterar condutas, o fato-conduta volta-se para o futuro, pois só a conduta futura é passível de alteração.

É impossível prescrever o passado, pois comportamentos passados são inalteráveis. Seria uma absurdo prescrever: “Fulano é obrigado a fazer algo ontem”. É um sem sentido pretender alterar aquilo que já se deu. Pode-se dissimular, alterar ou desfigurar sua articulação linguística, o que é outro processo, não o próprio acontecimento.

3.4. O dever de lançar e a responsabilidade funcional, o poder de lançar e a decadência

O dever-poder de produzir o lançamento tributário retrata duas relações jurídicas: uma, a relação que se estabelece entre o Estado-administração e a autoridade administrativa incumbida de realizar o ato-fato de lançamento; outra, entre a autoridade administrativa e o contribuinte. O agente público é, assim, simultaneamente, sujeito de um dever jurídico e titular de um poder jurídico. É polo passivo do dever jurídico de empreender o ato-fato de lançamento tributário, em face do Estado-administração, que é o polo ativo nessa relação. É polo ativo do direito subjetivo público (competência) de efetuar o ato-fato de lançamento, em face do contribuinte, que é o polo passivo nessa outra relação. Assim, o agente público participa dessas duas relações, em que dever e poder modalizam a conduta de realizar o ato-fato de lançamento.(27)

Não há, portanto, que se confundir esse sentido com o uso de dever-poder enquanto liame lógico de subalternação, que estabelece que o dever implica o poder (OpÉPp). Assim, se a conduta é obrigatória, então, a conduta p está permitida, ou seja, a obrigação de fazer algo implica a permissão de fazê-lo. Nesse sentido, a relação dever-poder denota a mera implicação dedutiva da obrigação como modal deôntico.

Essas duas relações jurídicas de direito público são projetadas por duas normas jurídicas diversas e, quando descumpridas, ocorrem, também, efeitos distintos: do descumprimento do dever de lançar, decorrre a responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único do CTN); do não exercício do poder de lançar, decorre a decadência (art. 173 do CTN). Nos dois casos, a figura central é o agente administrativo, que será punido pelo Estado-administração caso não cumpra o dever de lançar no prazo determinado, e que perderá o direito de constituir o crédito, caso não cumpra o prazo determinado para exercer o poder de lançar.

Isso não significa que o contribuinte não seja passível de punição pelo descumprimento do dever de formalizar o crédito no prazo determinado. Mas é preciso considerar que a punição, para o contribuinte, é apenas uma sanção de cunho patrimonial, enquanto que, para o agente administrativo, a pena é de responsabilidade funcional.

O vínculo funcional entre agente e Estado estreita muito mais o controle sobre a atividade de constituição do crédito do que qualquer sanção patrimonial atribuída ao inadimplemento de dever instrumental. Por isso, a figura da autoridade administrativa é tão valorizada no CTN para a realização do ato-fato de lançamento tributário, aparecendo no caput do art. 142.

4. Constituição do crédito realizada pelo contribuinte

O dever de o contribuinte constituir o crédito sem prévio ato de lançamento, realizando o “pagamento antecipado”, assim denominado pelo simples fato de anteceder cronologicamente à qualquer atuação do Fisco, está previsto no caput do art. 150 do CTN. Mas isso só ocorre se não houver a tipificação de nenhum dos dispositivos do art. 149 do CTN, caso em que a formalização do crédito será realizada pela autoridade administrativa.

O contribuinte que se encontra obrigado, segundo a forma prevista na legislação, a formalizar o crédito tributário, subsome o evento tributário à regra-matriz de incidência e determina o quantum debeatur. Definido o montante do tributo, efetua o pagamento, que pressupõe a formalização do crédito.

Pode-se concluir, assim, que a constituição do crédito tributário não exige necessariamente ato-norma administrativo de lançamento, pois, conforme expressa determinação do § 1o do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação. Nosso direito positivo, portanto, reconhece expressamente a possibilidade jurídica de o contribuinte constituir a relação jurídica tributária (crédito).

Conforme leciona PAULO DE BARROS CARVALHO,(28) quando o sujeito passivo é obrigado, em face de deveres formais expressos, a proceder à formalização do crédito tributário, há a edição de uma norma individual e concreta produzida pelo particular.

São identificáveis, nesse processo de positivação: (i) o ato de formalização do crédito pelo contribuinte; (ii) a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte, nesse procedimento; (iii) o crédito tributário constituído no consequente dessa norma; (iv) o ato de pagamento que extingue esse crédito sob condição resolutória; (v) o ato de homologação expressa efetivado ulteriormente pelo Fisco, ou, na ausência deste, a homologação tácita desse pagamento, ou no caso de irregularidade no pagamento, o procedimento administrativo de formalização do crédito, com edição do respectivo ato-norma de lançamento.

Nesse fluxo, não se confundem: o pagamento antecipado formalizado pelo contribuinte com o pagamento do crédito formalizado pelo lançamento de ofício, nem a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte com o ato-norma de lançamento produzido pelo Fisco, nem o procedimento do particular tendente a formalizar o crédito com o procedimento administrativo do Fisco dirigido à formalização do crédito.

5. Constituição do crédito realizada pela autoridade fiscal

Como vimos, o dever de a autoridade fiscal empreender a constituição do crédito tributário está previsto no art. 142 do CTN. Além disso, é determinado, seja por menção expressa da legislação tributária, independentemente de qualquer outro fato (art. 147 e art. 149, Inciso I), seja quando se comprove omissão na declaração prevista no art. 147 (Incisos II, III e IV do art. 149) do CTN ou vício no exercício da atividade prevista no art. 150 (Incisos V, VI e VII do art. 149).

Aí está incluído o chamado “lançamento por declaração”, que decorre da edição de um ato-norma administrativo e pertence, portanto, à categoria das modalidades que exigem ato de formalização realizado pela autoridade fiscal.

Outro ponto que merece ser desmistificado é o de que a modalidade de formalização do crédito está ligada à natureza específica do tributo. Se assim fosse, o ICMS seria sempre sujeito ao chamado “lançamento por homologação”. No entanto, conforme prescreve o Inciso V do art. 149 do CTN, pelo simples fato de se comprovar a omissão da atividade prevista no art. 150 pela pessoa legalmente obrigada, o ICMS submete-se ao procedimento de formalização do crédito realizado pela autoridade administrativa.

Portanto, só num primeiro momento é que a definição da legislação tributária ordinária é relevante para determinação da modalidade de formalização do crédito. Inúmeras outras circunstâncias fácticas inserem-se como relevantes (ex vi dos incisos do art. 149 do CTN) para impor o processo de formalização do Fisco àqueles tributos que, em razão da legislação originária, eram destinados ao ato de formalização do contribuinte.(29)

Conclui-se, assim, que a modalidade de formalização aplicável a cada caso concreto define-se em função da combinação de vários critérios definidos pelo próprio direito e não, simplesmente, em razão do que é estipulado pela legislação instituidora do tributo.

6. Revisão do ato-norma de lançamento

O crédito tributário, consequente do ato-norma de lançamento tributário, para ser alterado requer outra norma individual e concreta que invalide a norma original instituidora do crédito.(30) Segundo o art. 145 do CTN, o lançamento regularmente notificado ao contribuinte só pode ser alterado em virtude de: “I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149”.

É interessante notar, conforme sublinhou ALBERTO XAVIER,(31) que a lei usa o termo alteração para as três hipóteses de reapreciação do lançamento, reservando revisão, ex vi do art. 149 caput e parágrafo único, para indicar o ato-norma administrativo de reapreciação do ato-norma de lançamento tributário original. Nesse caso, a revisão consiste, juridicamente, em novo lançamento e, por consequência, novo crédito tributário.

Mas revisão pode significar também o procedimento de produção da norma substitutiva, regulado pela norma geral e abstrata de competência administrativa que delineia sua produção. Nesse plano, a norma definidora da competência administrativa para o exercício da revisão pressupõe em sua hipótese a existência jurídica de ato-norma administrativo passível de ser objeto de revisão e, além disso, o acontecimento de pelo menos uma das circunstâncias tipificadas nos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX do art. 149 do CTN, que, configuradas, implicam o consequente normativo dessa regra: o dever de realizar novo lançamento.

No patamar das normas individuais e concretas, a norma de revisão equivale a novo lançamento veiculador do crédito. Diferencia-se estruturalmente do lançamento original apenas em razão de sua motivação: naquele, é apenas o fato jurídico tributário, enquanto nesta, é a combinação do fato-evento com pelo menos uma das hipóteses, acima relacionadas.

Assim, a denominada revisão constitui novo ato-norma administrativo que instala, com a devida notificação, nova constituição do crédito, atendendo à hipótese prevista no art. 174 do CTN, funcionando como dies a quo do prazo prescricional.

7. A anulação por vício formal

No fenômeno de produção normativa, forma e matéria entrelaçam-se em mútua relação, como exemplifica RICARDO GUIBOURG: a exceção de incompetência é questão de forma em relação ao direito material, mas, se alegada extemporaneamente, a exceção, em relação ao argumento de sua intempestividade, passa a ser questão de conteúdo (do assunto competência).(32) Assim também, no direito tributário, o ato de lançamento é forma em relação à regra-matriz de incidência, mas é matéria em relação à sua anulação por vício formal.

Numa visão dinâmica, os conceitos de forma e matéria estão relacionados com o processo de positivação do direito. Considerando, por hipótese, quatro normas, sendo: N1 a norma constitucional que cuida do processo de produção de N3; N2 a norma constitucional que informa o conteúdo desse ato; N3 a norma infraconstitucional que cuida do procedimento de lançamento, e N4 a norma individual e concreta do lançamento. N1 será do âmbito da forma em relação a N3, que será do âmbito da matéria em relação a N1 e da forma em relação a N4, e N2 e N4 serão do âmbito da matéria.

Na visão estática do direito, como sistema de normas jurídicas válidas, não se leva em conta essa relatividade: são do âmbito da forma as normas jurídicas sobre processos de produção de outras normas jurídicas, e da matéria, as normas jurídicas que cuidam de prescrever condutas inter-humanas não vinculadas, imediatamente, à produção de outras normas. Fixada essa premissa, identificaríamos N1 e N3 como normas de direito formal, N2 e N4 como normas de direito material.

Importa notar, sob o enfoque da primeira visão, que direito formal e material se unem na realização de um único ato de aplicação do direito. No processo legislativo, por exemplo, estão presentes concomitantemente as normas constitucionais que disciplinam a forma do processo legislativo, bem como as normas constitucionais que delimitam o conteúdo da lei, definindo a competência material de cada ente tributante, de maneira que a lei é o resultado da aplicação da competência formal e da competência material. No processo administrativo, o mesmo ocorre: realizar ato-fato administrativo significa aplicar, concomitantemente, regras que disciplinam procedimento e regras que disciplinam condutas materiais. Exemplo: o guarda que lavra multa de trânsito, aplica, simultaneamente, a regra que disciplina o seu procedimento e a regra que disciplina que aquele que infringir o Código Nacional de Trânsito deve pagar multa.(33)

7.1. Uma proposta de distinção entre nulidade e anulação do lançamento

Partindo-se dessa coincidência do direito material e formal no ato de aplicação do direito, propõe-se ligar anulação aos vícios de forma e nulidade aos vícios de matéria no lançamento. Assim, para construir essa distinção tomaremos o direito posto, conquanto não haja registro expresso do contorno jurídico da anulação ou da nulidade no direito tributário positivo. Entendemos que, como a atividade administrativa é vinculada à lei, os mesmos critérios que determinam a produção do ato-norma de lançamento válido serão aplicáveis para identificar sua invalidade. Afinal, invalidade é o anverso da validade. Portanto, mesmo diante da ausência de enunciados expressos sobre a invalidação do lançamento, a distinção entre nulidade e anulação pode ser edificada a partir dos enunciados normativos que disciplinam as condições de validade do lançamento. Só assim obteremos critérios jurídicos para diferençar nulidade de anulação.(34)

A anulação decorre do descumprimento dos dispositivos que determinam o ato-fato de lançamento, ex vi dos arts. 141,(35) 142 caput e parágrafo único,(36) 145,(37) 146(38) e 149,(39) do CTN. A nulidade decorre de vícios na aplicação da regra-matriz de incidência tributária, introjetados na estrutura do ato-norma administrativo, seja no antecedente (motivação), seja no consequente (crédito), tais como falta de motivação, defeito na composição ou determinação do sujeito ativo, do sujeito passivo, da base de cálculo ou da alíquota aplicáveis ex vi dos arts. 142, 143(40) e 144(41) do CTN.

Assim, se o lançamento anterior objeto de invalidação apresentar vício em seu processo de produção, ato-fato, é caso de anulação; se o vício estiver instalado em seu produto, ato-norma, é caso de nulidade. Vinculamos anulação aos problemas na aplicação dos enunciados prescritivos que se referem ao processo de produção do lançamento (vícios formais) e nulidade aos problemas inerentes ao conteúdo do ato (vícios materiais), ou seja, à norma individual e concreta que estabelece o crédito e sua motivação. Articulando-se esse tema às pesquisas de JOSÉ LUIZ FIORIN,(42) livre-docente do departamento de Línguística da Universidade de São Paulo, pode-se afirmar que a anulação está para os vícios da enunciação, assim como a nulidade está para os vícios do enunciado-enunciado.

Na anulação, figura-se problema na aplicação das normas de produção normativa (direito formal);(43) na nulidade, na aplicação da regra matriz de incidência (direito material). Nos patamares da teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO, nulidade é defeito no enunciado da norma individual e concreta, produzida pelo Fisco, seja no antecedente (fato jurídico tributário), seja no consequente (relação jurídica tributária ou crédito tributário); anulação é impropriedade verificada na fonte material, como antecedente da norma individual e concreta do veículo introdutor desse ato administrativo. Em suma, vício no veículo introdutor, anulação; vício no próprio ato-norma de lançamento, nulidade.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO(44) interpretando ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(45) entende que a possibilidade ou impossibilidade de convalidar-se(46) o vício do ato-norma administrativo é o critério superno para discriminar os dois tipos de invalidação: se o ato-norma é convalidável, é passível de anulação; se é inconvalidável, de nulidade.(47)

Diz expressamente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“São nulos:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos em que racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.
(…)
São anuláveis:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos que podem ser repraticados sem vício”.(48)

Portanto, convalidável, e anulável, é o ato administrativo que não apresente vício em seu conteúdo decorrente da aplicação distorcida do direito material, mas tão apenas defeito no procedimento administrativo que o formou. Inconvalidável, e sujeito à nulidade, é o ato administrativo que apresente vício em seu conteúdo, de maneira que, mesmo submetido a novo procedimento de aplicação, produziria o mesmo conteúdo viciado e que só seria válido tivesse seu conteúdo alterado. Só que, nesse caso, não seria mais o mesmo ato. Esse raciocínio permite afirmar que, enquanto na anulação o vício se encontra nos pressupostos de constituição do ato, na nulidade encontra-se entre os elementos do ato administrativo (conteúdo do ato), usando a terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

Ora, se, como diz o autor: “Sem os elementos não há ato jurídico algum (administrativo ou não). Sem pressupostos não há ato administrativo formado de maneira válida”,(49) então, nada mais coerente que centrar o estudo da invalidação nesses elementos e pressupostos. Na falta dos pressupostos, descumpre-se a norma de competência e o ato fica inquinado de anulação; na ausência dos elementos em conformidade com a lei material, compromete-se o próprio ato jurídico, que fica inquinado de nulidade. Entrementes, advirta-se: ato administrativo nenhum, em decorrência de sua inerente presunção de validade, torna-se nulo ou anulado sozinho. A invalidação requer sempre ato de aplicação do direito que lhe atribua, mediante ato-norma invalidador, uma ou outra dessas qualidades.

Sendo assim, os problemas do lançamento podem estar na aplicação da regra-matriz ou da regra de competência administrativa, ou, respectivamente, do direito material ou do direito formal na terminologia de RUY BARBOSA NOGUEIRA;(50) ou das normas de comportamento ou das normas de estrutura, na terminologia de NORBERTO BOBBIO.(51)

7.2. O procedimento de invalidação do ato-norma de lançamento tributário

Invalidade, como diz LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(52) ainda enquanto professora assistente da PUC/SP, é “a maneira como a Administração Pública corrige de ofício, ou a requerimento da parte, seu ato praticado, em desacordo com a legalidade”. Essa ilegalidade diz respeito tanto à regra-matriz de incidência tributária quanto ao exercício da competência administrativa, posto que a produção de ato válido exige a iteração dessas duas normas: a norma de direito material que se pretende aplicar e a que outorga competência para a prática do procedimento administrativo.

Para se corrigir um ato administrativo requer-se outro ato administrativo, como anota a autora. E, ainda, competência para agir, além de norma geral e abstrata que prescreva materialmente a invalidação, estabelecendo a hipótese e a consequência do ato-norma invalidador.(53) Na hipótese dessa norma geral e abstrata que cuida de disciplinar o ato-norma invalidador, encontramos os mesmos critérios de nulidade e anulação.

Será de nulidade o ato-norma invalidador que tiver por suposto vício nos elementos substanciais do ato-norma, fato-evento (motivação) e fato-conduta. Convém adscrever que fato-evento e fato-conduta, não por coincidência, correspondem à concreção do binômio hipótese tributária e consequente tributário presente na regra-matriz de incidência tributária.(54)

Será de anulação o ato-norma invalidador que tiver por pressuposto vício no procedimento administrativo, quer dizer, como sublinham MERKEL e ENTERRÍA,(55) no processo de concreção da competência administrativa tendente a produzir o ato administrativo.(56) Portanto, há anulação por vício formal quando há defeito na confecção do veículo introdutor do ato de lançamento.

7.3. O ato-norma administrativo de anulação

Sob o signo anulação, entendemos o ato-norma administrativo que retira do sistema normativo um lançamento anterior motivado pela verificação jurídica de vício em seu procedimento. Tratando-se de decisão definitiva, como faz, por exemplo, alusão o art. 173, II do CTN, consideramos que é a norma jurídica individual e concreta, veiculada por decisão judicial ou ato administrativo, que tem por objeto a invalidação de lançamento anterior.

Nessa norma individual e concreta de anulação há um antecedente e um consequente. Este último corresponde ao efeito do ato-norma invalidador que decorre do vínculo de imputação, como diria KELSEN. O efeito do ato-norma administrativo não é externo, mas interno à estrutura do ato-norma administrativo. Fora do ato-norma administrativo, como entreviu ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(57) não há que se falar em eficácia jurídica, mas em eficácia social.

É este ato decisório final que serve como pressuposto fáctico da regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior, como veremos adiante. Assim, o que é efeito pelo prisma da regra geral e abstrata de anulação, passa à condição de fato, previsto na hipótese dessa regra decadencial.

Notas

(1). Tratado lógico-filosófico, p. 114

(2). A ambiguidade do vocábulo posse foi nos revelada por LUIZ CÉSAR DE SOUZA QUEIROZ, autor do livro Sujeição passiva tributária, publicado pela Forense, e hoje professor de direito tributário da UERJ.

(3). No direito civil são, também, exemplos desse mesmo problema: (i) o termo “contrato” que pode significar a norma, o fato do acordo de vontades, o próprio instrumento ou o conteúdo contido no instrumento que firma o acordo de vontades e (ii) o vocábulo “negócio jurídico” que pode conotar o próprio acordo de vontades ou eficácia gerada pelo acordo de vontades. São palavras que propiciam a ambiguidade, cuja atenção sobre elas deve ser redobrada com o fito de se compreender o direito.

(4). Introducción al análisis del derecho, p. 261.

(5). Apercebendo-se dessa situação, em magnifico artigo publicado na RDP 32, esse autor qualifica como inadequada a expresso “ato administrativo”, inspirando, assim, de modo original todo o desdobramento do raciocínio que edificamos nesse tópico. Cf. Elementos do ato administrativo, p. 38.

(6). Direito administrativo brasileiro, p. 116-7.

(7). Identificamos o mesmo tipo de ambiguidade no uso de declaração, no conceito proposto por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: “declaração do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas ao controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (Curso de Direito Administrativo, p. 173-4). Entretanto, a poderosa intuição jurídica desse autor não deixou escapar essa dualidade ao efetuar a crítica à expressão requisitos do ato, propondo em seguida uma distinção entre pressupostos do ato e elementos do ato.

(8). A expressão ato-fato implica que se trata de ato humano em que o sentido psicológico da vontade é irrelevante. Cf. MARCOS BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico, p. 106.

(9). Cf. Lançamento tributário, p. 89.

(10). Idem, ibidem. p. 118-22.

(11). Curso de direito administrativo, p. 176-7.

(12). Tratado lógico-filosófico, p. 71.

(13). ARISTÓTELES entende por “elemento” o componente de uma coisa qualquer, que seja uma espécie irredutível a uma espécie diferente: neste sentido, p. ex., os elementos das palavras [isto é, as letras] são os elementos de que consistem as palavras, nos quais se dividem em última análise porque não podem dividir-se em partes de espécie diferente. Se um elemento for dividido, suas partes serão da mesma espécie; p. ex: uma parte de água é água, ao passo que a parte de uma sílaba não é uma sílaba”. Metafísica, V, 3, 1014 a 30.

(14). Cf. Lançamento tributário, Capítulo V, itens 7 e 8.

(15). PAULO DE BARROS CARVALHO, Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 107.

(16). V. infra o Item Fontes do direito.

(17). Não se confunde com o sujeito ativo do crédito, que é elemento do ato-norma administrativo de lançamento, compreendendo sim o conceito de fonte formal enquanto enunciação enunciada da autoridade produtora que necessariamente ocupará lugar no suporte enunciativo do ato administrativo.

(18). Não há de se confundi-lo com a motivação que é proposição fáctica que perfaz o antecedente do ato-norma individual e, portanto, perfaz a função de elemento do ato-norma.

(19). Não obstante descreva fato a motivação não se submete aos valores de verdade e falsidade, pois, enquanto antecedente de proposição normativa subjuga-se aos valores validade/não-validade que estabelecem justamente a relação de pertinência dessa proposição com o sistema jurídico.

(20). Curso de direito administrativo, p. 179.

(21). Curso de direito administrativo, p. 137.

(22). “Uma abordagem semântico-histórica, que refoge aos lindes deste trabalho, colocaria à luz as várias acepções que o termo “lançamento” assumiu perante os diversos contextos histórico-científicos em que foi empregada esta locução. Assim, no uso técnico-comercial-contábil temos o emprego da expressão “lançamento” como: – (i) ação ou (ii) efeito de escriturar uma verba em livros de escrituração comercial; (iii) a própria verba que se escritura; e (iv) efetuar o cálculo, conferir liquidez a crédito ou débito. (§) Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica-dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo “lançamento”, acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim: (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (Art. 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (Art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo; (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como o ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados “lançamentos por homologação” (Art. 150 do CTN e §§)”. Lançamento tributário, p. 145-6. O correspondente em italiano accertamento, segundo BERLIRI, também apresenta vários sentidos, o que seria “um dos motivos que justificam a confusão e os equívocos cometidos pela doutrina italiana na sistematização desta matéria, Principi di diritto tributário, tomo III, p. 7 e 24-33.

(23). Art. 82 § 2o, Art. 85 § 3o, como título da Secção I do Capítulo II, Art. 142 caput e parágrafo único, Art. 143, Art. 144 caput e § 1o, Art. 145, Art. 146, Art. 147 caput e § 1o, Art. 149 caput, incisos VIII, IX e parágrafo único, Art. 150 caput e §§ 1o e 4o, Art. 154, Art. 156 inciso VII, Art. 160, Art. 173 incisos I, II e III e no parágrafo único do Art. 195.

(24). Art. 146, III, b.

(25). Curso de direito administrativo.p. 137.

(26). Semiótica, p. 47.

(27). Esta interpretação de dever-poder nos afigura plenamente compatível com uma visão analítica do pensamento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que fixa por atividade administrativa o desempenho de “função”, que é em si a realização de uma conduta prescrita pelo direito, entendendo que: “Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito da função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para procipiar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir”. Curso de direito administrativo, p. 45.

(28). Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 248.

(29). Cf. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, Lançamento tributário, p. 393.

(30). Cabe aqui a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: “A alteração do lançamento corresponde apenas a um aspecto particular do problema mais genérico da alteração dos atos administrativos, transplantado para o campo do Direito Administrativo Tributário ou Direito Tributário Formal”. Lançamento tributário, p. 280.

(31). Do lançamento, teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 240.

(32). Forma y fondo, p. 1.

(33). Fato que também o direito cuida de positivar: a realização da regra procedimental comporá o veículo introdutor, a realização da regra material comporá o conteúdo desse ato-norma administrativo.

(34). Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, a distinção entre atos nulos e anuláveis “embora objeto de sistematização pelos civilistas, não envolve matéria jurídica de direito privado, mas de Teoria Geral do Direito, pertinente à ilegitimidade dos atos jurídicos, e, portanto, perfeitamente adaptável ao direito público, especialmente, ao direito administrativo”. Princípios gerais de direito administrativo, p. 651.

(35). Que impõe o princípio da legalidade no processo de anulação: “O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”.

(36). Determinando a autoridade, o procedimento e a vinculação do ato de lançamento: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

(37). Cuidando das formas em se pode dar a anulação: “O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo. 149”.

(38). Disciplinando os critérios jurídicos a serem adotados pela autoridade administrativa na constituição do lançamento: “A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

(39). “O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública”.

(40). “Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação”.

(41). “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1o Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. § 2o O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido”.

(42). V. Capílulo I, Astúcias da enunciação.

(43). Cf. terminologia de LUIZ CESAR DE SOUSA QUEIROZ com supedâneo em HERBERT HART, Sujeição passiva tributária, p. 53.

(44). CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 232.

(45). Registre-se que ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL não utiliza nem aceita a terminologia usual (ato anulável e ato nulo) posto que entende que não há atos nulos (todos são anuláveis conforme ensina Kelsen), preferindo, assim, a classificação de ato convalidável e ato não-convalidável. Extinção dos atos administrativos, p. 66.

(46). Tenha-se em tela que segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, convalidação é o suprimento da invalidade de um ato administrativo com efeitos retroativos. Curso de direito administrativo, p. 234.

(47). Cf. adscrevemos, Lançamento tributário, p. 117.

(48). Curso de direito administrativo, p. 257.

(49). Curso de direito administrativo, p. 177.

(50). Cf. Curso de direito tributário, p. 139.

(51). Teoria do ordenamento jurídico, p. 36.

(52). Panorama da extinção dos atos administrativos, p. 142. Entretanto, mais precisa e elaborada é a definição oferecida em seu “Curso”: “A invalidação de ato administrativo consiste em sua desconstituição, suprimindo-se seus efeitos típicos, por incompatibilidade com a ordem jurídica, com atribuição de efeitos ex tunc. Curso de direito administrativo, p. 198.

(53). Curso de direito administrativo, p. 200.

(54). Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 233-8.

(55). Cf. EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA & TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, Curso de direito administrativo, p. 483.

(56). O procedimento seria aqui, segundo ADOLPH MERKEL, o “modo de produção de um ato” por aplicação de normas superiores a esse ato, que enfeixam aquilo que denominamos competência administrativa. Como diz ENTERRÍA: “o procedimento administrativo aparece como uma ordenação unitária de uma pluralidade de operações expressadas em diversos atos realizados heterogeneamente (pela função, pela natureza) por vários sujeitos ou órgãos, operações e atos que, não obstante sua relativa autonomia, se articulam em ordem à produção de um ato decisório final”. Idem, ibidem, p. 484.

(57). “Eficácia é, a nosso ver, a produção de efeitos e não a aptidão para produzi-los”. Extinção do ato administrativo, p. 38.

Eurico Marcos Diniz de Santi

Fonte: FISCOSoftArtigo elaborado no NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV.

1. Superando as astúcias da expressão ato administrativo

Como diz LUDWIG WITTGENSTEIN, “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”.(1) Sem aparelhar nossa ferramenta de trabalho, que é a linguagem, simplesmente não conseguimos detectar as múltiplas nuanças que o direito constrói e de cuja manipulação nos tornamos reféns. Especificamente na ciência do direito, romper os limites da linguagem é alargar os horizontes para a compreensão do direito.

Por isso, é necessário discutir a relevância do problema da ambiguidade das palavras no processo de aplicação do direito. Tomemos como exemplo a afirmação de que “a posse incide sobre a posse e faz nascer a posse”, que só poderá ser compreendida por quem souber identificar, no direito civil, as três acepções de posse: norma geral e abstrata veiculada pelo Código Civil, fato jurídico de determinada pessoa exercer facticamente relação com dada coisa com ânimo de proprietário e direito subjetivo decorrente desse fato.(2) Assim, a afirmação seria compreendida: a posse (norma) incide sobre a posse (fato) e faz nascer a posse (relação jurídica).

Assim como ocorre com posse no direito civil, ato administrativo apresenta mais de uma acepção no direito administrativo.(3) Que é ato administrativo? Ato de aplicação do direito? Ou é justamente o produto desse ato, quer dizer uma norma individual e concreta? Ou será o documento legal veiculador desse ato de concreção do direito?

Se em posse é possível distinguir três significados, em ato administrativo, pode-se identificar o que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambiguidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, “é o que ocorre com palavras como ‘trabalho’, ‘vivência’, ‘construção’, ‘pintura’. Se alguém me diz ‘me encontro na pintura’, pode-se duvidar de, se o que gosta, é pintar ou contemplar quadros”.(4)

Assim, o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto). Note-se que, só no caso de ato administrativo, é que ocorre a ambiguidade processo/produto, à qual imputamos inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrativo.

Se esse problema não passou despercebido a ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(5) ele fica patente na “definição legal” proposta por HELY LOPES MEIRELES: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.(6) O termo por nós destacado encerra a mesma ambiguidade de ato administrativo: manifestação serve tanto para denotar o ato de se manifestar (processo) como o resultado desse ato (produto).(7)

Assim, quando um guarda de trânsito lavra um auto de infração, ele está realizando um ato administrativo. Ao mesmo tempo, a norma individual e concreta, introduzida pelo guarda mediante o suporte físico do auto de infração, é também um ato administrativo. Note-se, o primeiro ato administrativo é fato: consiste em ato de aplicação do direito. O segundo é o resultado jurídico daquele ato de aplicação do direito. O que entrevemos é a confusão entre (i) o ato de aplicação que cria a norma e a própria norma criada por esse ato; (ii) a fonte material e a norma produzida; (iii) o exercício da competência administrativa e seu resultado; (iv) a enunciação e o enunciado, e (v) o processo de criação do direito e o produto.

Ora, se de um lado essa dualidade é aceita na linguagem técnica do direito, de outro, no plano científico, que prima pela univocidade de seus termos, deve ser esclarecida de antemão. Assim, convencionaremos chamar ato-fato administrativo, ao ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da competência administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato,(8) deixando a expressão ato administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies.(9)

Assim, parece-nos pertinente distinguir entre os requisitos do ato administrativo citados por HELY LOPES MEIRELES,(10) os que se encontram no plano do ato-fato administrativo (competência e motivo) e os que se encontram no ato-norma administrativo (forma, finalidade e objeto). Com relação aos atributos, julgamos estarem todos eles (presunção de legimidade, imperatividade e autoexecutoriedade) ligados ao ato-norma administrativo.

2. Elementos do ato-fato administrativo e do ato-norma administrativo

Sem desconsiderar a crítica de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,(11) utilizaremos a noção de elemento tal qual foi definida por WITTEGENSTEIN, como “proposição factual que resulta da decomposição de um fato”.(12)

Compatibilizamos desse modo o conceito aristotélico(13) de elementos de BANDEIRA DE MELLO com o de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem elementos são as proposições jurídicas que compõe o fato (proposição linguística), e não entidades da ordem dos acontecimentos (eventos). Assim, adaptamos a proposta que havíamos edificado anteriormente(14) a essa nova perspectiva.(15)

2.1. Elementos do ato-fato administrativo (lançamento e auto de infração)

Os elementos do ato-fato administrativo, como entidades linguísticas que são, encontram-se revestidos em linguagem na enunciação enunciada que compõe a fonte formal, e que sua refutação jurídica está justamente na relação desses enunciados com outros que exprimam de forma diferente esses referenciais empíricos.(16)

São elementos do ato-fato administrativo os fatos jurídicos protocolares que influem positivamente em sua conformação jurídica: (i) o agente público competente, (ii) o motivo do ato, (iii) o procedimento previsto normativamente e (iv) a publicidade.

Agente público competente é a autoridade administrativa juridicamente habilitada para fiscalização e verificação da ocorrência do motivo do ato, para realização do procedimento e da publicidade exigidos pelo direito posto.(17)

Motivo do ato é o fato jurídico provado que autoriza (ato discricionário) ou exige (ato vinculado) a prática do procedimento administrativo.(18)

Procedimento é o fato jurídico que se configura com a ordenação da série de atos e fatos jurídicos que colaboram, de forma sucessiva ou instantânea, sequencial ou não, na formação do ato-fato administrativo. Seria perfeitamente cabível considerar os outros três elementos (a autoridade, a publicidade e a verificação do motivo do ato) como aspectos do procedimento, mas preferimos especificar o sentido de procedimento como a estrutura, e não os fatos em si, de um sistema de fatos ordenamente inter-relacionados e dirigidos a dado fim, ou seja, como a relação que se estabelece entre os vários fazeres.

Publicidade é o fato jurídico que se configura mediante o ato comunicacional para informar ao destinatário que a norma individual e concreta foi produzida em conformidade com os pressupostos legais. Nela, constam os dêiticos da autoridade, do motivo do ato, do procedimento e da própria publicidade.

Basta provar a inexistência jurídica de qualquer desses elementos para se inquinar juridicamente um ato-norma administrativo como inválido. Exemplo, uma multa de trânsito que seja lavrada sem a presença de qualquer desses elementos é de pleno direito invalidável perante o direito positivo.

2.2. Elementos do ato-norma administrativo (lançamento e auto de infração)

Elementos do ato-norma administrativo são os fatos jurídicos que compõem a estrutura dessa norma individual e concreta. Acatando a terminologia de PAULO DE BARROS CARVALHO, são elementos do ato-norma administrativo o fato-evento e o fato-conduta.

Em direito administrativo, o fato-evento é a motivação do ato administrativo, que pode ser expressa ou implícita. A motivação é expressa quando verbalizada no texto do veículo introdutor e implícita, quando num ato administrativo vinculado, possa ser construída a partir do conteúdo do ato em contexto semântico-pragmático com o ato-fato que orientou sua produção. Motivação, desse modo, é uma proposição descritiva do motivo do ato que ocupa o lugar sintático de antecedente numa norma individual e concreta (ato-norma administrativo).(19)

Em direito tributário, fato-evento é a descrição em linguagem jurídica do evento jurídico tributário. No processo de positivação do direito, é o elo jurídico que liga a norma individual e concreta à regra-matriz de incidência tributária, estabelecendo, nessa interação, os referenciais de espaço e tempo imprescindíveis ao controle da legalidade do ato-norma administrativo.

Poderíamos dizer que o fato-evento é o genoma do ato administrativo, e a informação do DNA contida nesse genoma equivale à informação contida no fato-evento. É essa informação que nos permite identificar o evento tributário e a regra-matriz da incidência tributária que lhe confere juridicidade, facultando, assim, o controle da legalidade.

Fato-conduta é a relação jurídica constituída no consequente do ato-norma administrativo. Como relação que é, apresenta a forma xRy, em que x e y representam o sujeito ativo e o sujeito passivo e R, a obrigação, a permissão ou a proibição de dada conduta. No ato-norma administrativo de lançamento tributário, Fisco e contribuinte ocupam os polos dessa relação, que determina a obrigatoriedade de o contribuinte pagar o tributo ao Fisco. Na terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, o fato-conduta corresponde ao conteúdo do ato administrativo, definido por esse autor como aquilo que o ato dispõe.(20)

3. Lançamento tributário

Lançamento tributário, consoante assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(21) apresenta vários matizes significativos.(22) Encontram-se vinte e sete ocorrências do vocábulo lançamento no Código Tributário Nacional(23) e uma na Constituição Federal de 1988,(24) basicamente em dois sentidos: (i) como o ato ou o procedimento material de formalização do crédito tributário realizado pelo contribuinte ou pelo Fisco e (ii) como a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte ou pelo Fisco.

A proposta que identifica o ato-fato e o ato-norma como entidades contíguas, mas distintas, permite ampliar a análise do ato administrativo de lançamento tributário. O primeiro sentido é o de o ato-fato administrativo, em que se pode identificar o agente competente, o motivo do ato, o procedimento e a publicidade. O segundo é de ato-norma administrativo, em que se identificam o fato-evento (motivação) e o fato-conduta (relação jurídica tributária).

3.1. Lançamento tributário como norma individual e concreta produzida pelo agente fiscal

Doravante utilizaremos lançamento como a norma individual e concreta que formaliza o crédito tributário e decorre de procedimento administrativo realizado por autoridade administrativa. Observamos que essa tomada de posição não inibe nem desqualifica o uso de lançamento com outras proporções de sentido, mas permite manter coerência com a orientação inicial deste trabalho, que define direito como o conjunto das normas jurídicas válidas.

Essa opção foi orientada também pelo diretivo do art. 142 do CTN, que exclui do sentido de lançamento a norma individual e concreta formalizada pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

No caput e no parágrafo único desse dispositivo – conforme assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO(25) -, lançamento está empregado na acepção de procedimento formalizador do crédito tributário. Trata-se, pois, de norma de competência administrativa orientada para a conformação do ato-fato administrativo de lançamento tributário, disciplinando o ato do direito dirigido a constituir o crédito.

Não pode ser confundido com aquilo que se chama de sentido material de lançamento, designando ora a atividade material de formalizar o crédito tributário independentemente da pessoa que o realiza (seja o contribuinte, seja a autoridade judiciária), ora o produto desse ato formalizador do crédito quando não realizado pelo Fisco. Isso porque, nesses dois últimos casos, considera-se que o lançamento pode ser realizado por outra pessoa que não a autoridade administrativa, e isso não está de acordo com o previsto no art. 142.

É sob essa óptica que se discute a índole do chamado “autolançamento” como atividade material, denotando o ato de formalização efetuado pelo contribuinte e que culmina com o pagamento antecipado.

Assim, lançamento será considerado como ato-norma administrativo, com estrutura dual de fato-evento e fato-conduta, introduzido pela autoridade fiscal. Não poderá ser confundido, portanto, com o procedimento administrativo e estará em oposição às demais normas jurídicas que também têm o condão de constituir o crédito tributário, mas que não decorrem de procedimento administrativo realizado pelo Fisco. A cada uma dessas normas, chamaremos norma individual e concreta de formalização do crédito tributário.

3.2. O fato-evento, ou fato jurídico tributário

No fato-evento, encontramos a descrição do motivo do ato e, no caso específico do lançamento tributário, a descrição do fato jurídico tributário. Conforme dispõe o art. 144 do CTN, o fato-evento do ato-norma administrativo de lançamento reporta-se à data da ocorrência do evento tributário e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. Verifica-se, pois, que o fato-evento não só constitui o fato jurídico tributário como também define o direito aplicável. Sem fato-evento não há fato jurídico. Sem fato jurídico que determine as coordenadas espaço-temporais da legislação vigente, o direito aplicável é uma incógnita.

O evento não é o fato-evento, é descrito pelo fato-evento que assim o constitui juridicamente. O evento é, por exemplo, a circunstância de ser proprietário de imóvel no perímetro urbano da cidade de São Paulo no dia 01/01/2000. O fato-evento decorre do ato de enunciação, da lavratura do ato-norma administrativo de lançamento em 20/02/2000. Pode-se dizer, assim, que o evento é conteúdo do fato-evento ou que, juridicamente, o fato-evento descreve o evento.

Identificam-se aí dois momentos: o da enunciação do fato-evento e o do referente constituído por essa proposição. A data do fato é 20/02/2000 e a data no fato é 01/01/2000: esta indica a data da ocorrência do acontecimento tributário; aquela, o momento em que esse acontecimento foi internalizado na linguagem própria do direito.

Vale advertir: pode haver fato-evento sem evento que lhe corresponda. Ora, a história nasceu com a linguagem. A linguagem propicia a representação do real sem com ele se confundir. Como disse CHARLES SANDERS PEIRCE: “signo é algo que representa algo diferente de si mesmo”.(26) A linguagem, que é feita de signos, não é aquilo que representa. Qual gêmeos univitelinos, com a linguagem nascem, concomitantemente, a verdade e a mentira. Ainda, nesse mesmo berço, surgem de mãos dadas a história e o direito. Sem linguagem não há verdade, nem mentira; nem história, nem direito. Assim como na história, o direito pode referir-se a um evento que não ocorreu e, para isso, existe no direito o contraditório administrativo, judicial e o mandado de segurança como formas de processamento da verdade construída no interior do direito.

Outra percepção que o estudo mais acurado do fato-evento nos propicia é a de que o direito não volta ao passado, reconstrói o passado no presente, enunciando-o e instalando seus efeitos para o vir a ser deste presente. Essa é a principal função do fato-evento na estrutura da norma individual e concreta do lançamento: trazer o passado para o presente, dimensionando e fundamentando juridicamente o fato-conduta. Assim, são determinados: a lei aplicável, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

3.3. O fato-conduta, ou relação jurídica tributária

O fato-conduta é a proposição prescritiva que estipula a relação jurídica tributária entre determinando sujeito ativo e determinado sujeito passivo, quantificando o montante do tributo devido. Como a linguagem prescritiva visa a alterar condutas, o fato-conduta volta-se para o futuro, pois só a conduta futura é passível de alteração.

É impossível prescrever o passado, pois comportamentos passados são inalteráveis. Seria uma absurdo prescrever: “Fulano é obrigado a fazer algo ontem”. É um sem sentido pretender alterar aquilo que já se deu. Pode-se dissimular, alterar ou desfigurar sua articulação linguística, o que é outro processo, não o próprio acontecimento.

3.4. O dever de lançar e a responsabilidade funcional, o poder de lançar e a decadência

O dever-poder de produzir o lançamento tributário retrata duas relações jurídicas: uma, a relação que se estabelece entre o Estado-administração e a autoridade administrativa incumbida de realizar o ato-fato de lançamento; outra, entre a autoridade administrativa e o contribuinte. O agente público é, assim, simultaneamente, sujeito de um dever jurídico e titular de um poder jurídico. É polo passivo do dever jurídico de empreender o ato-fato de lançamento tributário, em face do Estado-administração, que é o polo ativo nessa relação. É polo ativo do direito subjetivo público (competência) de efetuar o ato-fato de lançamento, em face do contribuinte, que é o polo passivo nessa outra relação. Assim, o agente público participa dessas duas relações, em que dever e poder modalizam a conduta de realizar o ato-fato de lançamento.(27)

Não há, portanto, que se confundir esse sentido com o uso de dever-poder enquanto liame lógico de subalternação, que estabelece que o dever implica o poder (OpÉPp). Assim, se a conduta é obrigatória, então, a conduta p está permitida, ou seja, a obrigação de fazer algo implica a permissão de fazê-lo. Nesse sentido, a relação dever-poder denota a mera implicação dedutiva da obrigação como modal deôntico.

Essas duas relações jurídicas de direito público são projetadas por duas normas jurídicas diversas e, quando descumpridas, ocorrem, também, efeitos distintos: do descumprimento do dever de lançar, decorrre a responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único do CTN); do não exercício do poder de lançar, decorre a decadência (art. 173 do CTN). Nos dois casos, a figura central é o agente administrativo, que será punido pelo Estado-administração caso não cumpra o dever de lançar no prazo determinado, e que perderá o direito de constituir o crédito, caso não cumpra o prazo determinado para exercer o poder de lançar.

Isso não significa que o contribuinte não seja passível de punição pelo descumprimento do dever de formalizar o crédito no prazo determinado. Mas é preciso considerar que a punição, para o contribuinte, é apenas uma sanção de cunho patrimonial, enquanto que, para o agente administrativo, a pena é de responsabilidade funcional.

O vínculo funcional entre agente e Estado estreita muito mais o controle sobre a atividade de constituição do crédito do que qualquer sanção patrimonial atribuída ao inadimplemento de dever instrumental. Por isso, a figura da autoridade administrativa é tão valorizada no CTN para a realização do ato-fato de lançamento tributário, aparecendo no caput do art. 142.

4. Constituição do crédito realizada pelo contribuinte

O dever de o contribuinte constituir o crédito sem prévio ato de lançamento, realizando o “pagamento antecipado”, assim denominado pelo simples fato de anteceder cronologicamente à qualquer atuação do Fisco, está previsto no caput do art. 150 do CTN. Mas isso só ocorre se não houver a tipificação de nenhum dos dispositivos do art. 149 do CTN, caso em que a formalização do crédito será realizada pela autoridade administrativa.

O contribuinte que se encontra obrigado, segundo a forma prevista na legislação, a formalizar o crédito tributário, subsome o evento tributário à regra-matriz de incidência e determina o quantum debeatur. Definido o montante do tributo, efetua o pagamento, que pressupõe a formalização do crédito.

Pode-se concluir, assim, que a constituição do crédito tributário não exige necessariamente ato-norma administrativo de lançamento, pois, conforme expressa determinação do § 1o do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação. Nosso direito positivo, portanto, reconhece expressamente a possibilidade jurídica de o contribuinte constituir a relação jurídica tributária (crédito).

Conforme leciona PAULO DE BARROS CARVALHO,(28) quando o sujeito passivo é obrigado, em face de deveres formais expressos, a proceder à formalização do crédito tributário, há a edição de uma norma individual e concreta produzida pelo particular.

São identificáveis, nesse processo de positivação: (i) o ato de formalização do crédito pelo contribuinte; (ii) a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte, nesse procedimento; (iii) o crédito tributário constituído no consequente dessa norma; (iv) o ato de pagamento que extingue esse crédito sob condição resolutória; (v) o ato de homologação expressa efetivado ulteriormente pelo Fisco, ou, na ausência deste, a homologação tácita desse pagamento, ou no caso de irregularidade no pagamento, o procedimento administrativo de formalização do crédito, com edição do respectivo ato-norma de lançamento.

Nesse fluxo, não se confundem: o pagamento antecipado formalizado pelo contribuinte com o pagamento do crédito formalizado pelo lançamento de ofício, nem a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte com o ato-norma de lançamento produzido pelo Fisco, nem o procedimento do particular tendente a formalizar o crédito com o procedimento administrativo do Fisco dirigido à formalização do crédito.

5. Constituição do crédito realizada pela autoridade fiscal

Como vimos, o dever de a autoridade fiscal empreender a constituição do crédito tributário está previsto no art. 142 do CTN. Além disso, é determinado, seja por menção expressa da legislação tributária, independentemente de qualquer outro fato (art. 147 e art. 149, Inciso I), seja quando se comprove omissão na declaração prevista no art. 147 (Incisos II, III e IV do art. 149) do CTN ou vício no exercício da atividade prevista no art. 150 (Incisos V, VI e VII do art. 149).

Aí está incluído o chamado “lançamento por declaração”, que decorre da edição de um ato-norma administrativo e pertence, portanto, à categoria das modalidades que exigem ato de formalização realizado pela autoridade fiscal.

Outro ponto que merece ser desmistificado é o de que a modalidade de formalização do crédito está ligada à natureza específica do tributo. Se assim fosse, o ICMS seria sempre sujeito ao chamado “lançamento por homologação”. No entanto, conforme prescreve o Inciso V do art. 149 do CTN, pelo simples fato de se comprovar a omissão da atividade prevista no art. 150 pela pessoa legalmente obrigada, o ICMS submete-se ao procedimento de formalização do crédito realizado pela autoridade administrativa.

Portanto, só num primeiro momento é que a definição da legislação tributária ordinária é relevante para determinação da modalidade de formalização do crédito. Inúmeras outras circunstâncias fácticas inserem-se como relevantes (ex vi dos incisos do art. 149 do CTN) para impor o processo de formalização do Fisco àqueles tributos que, em razão da legislação originária, eram destinados ao ato de formalização do contribuinte.(29)

Conclui-se, assim, que a modalidade de formalização aplicável a cada caso concreto define-se em função da combinação de vários critérios definidos pelo próprio direito e não, simplesmente, em razão do que é estipulado pela legislação instituidora do tributo.

6. Revisão do ato-norma de lançamento

O crédito tributário, consequente do ato-norma de lançamento tributário, para ser alterado requer outra norma individual e concreta que invalide a norma original instituidora do crédito.(30) Segundo o art. 145 do CTN, o lançamento regularmente notificado ao contribuinte só pode ser alterado em virtude de: “I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149”.

É interessante notar, conforme sublinhou ALBERTO XAVIER,(31) que a lei usa o termo alteração para as três hipóteses de reapreciação do lançamento, reservando revisão, ex vi do art. 149 caput e parágrafo único, para indicar o ato-norma administrativo de reapreciação do ato-norma de lançamento tributário original. Nesse caso, a revisão consiste, juridicamente, em novo lançamento e, por consequência, novo crédito tributário.

Mas revisão pode significar também o procedimento de produção da norma substitutiva, regulado pela norma geral e abstrata de competência administrativa que delineia sua produção. Nesse plano, a norma definidora da competência administrativa para o exercício da revisão pressupõe em sua hipótese a existência jurídica de ato-norma administrativo passível de ser objeto de revisão e, além disso, o acontecimento de pelo menos uma das circunstâncias tipificadas nos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX do art. 149 do CTN, que, configuradas, implicam o consequente normativo dessa regra: o dever de realizar novo lançamento.

No patamar das normas individuais e concretas, a norma de revisão equivale a novo lançamento veiculador do crédito. Diferencia-se estruturalmente do lançamento original apenas em razão de sua motivação: naquele, é apenas o fato jurídico tributário, enquanto nesta, é a combinação do fato-evento com pelo menos uma das hipóteses, acima relacionadas.

Assim, a denominada revisão constitui novo ato-norma administrativo que instala, com a devida notificação, nova constituição do crédito, atendendo à hipótese prevista no art. 174 do CTN, funcionando como dies a quo do prazo prescricional.

7. A anulação por vício formal

No fenômeno de produção normativa, forma e matéria entrelaçam-se em mútua relação, como exemplifica RICARDO GUIBOURG: a exceção de incompetência é questão de forma em relação ao direito material, mas, se alegada extemporaneamente, a exceção, em relação ao argumento de sua intempestividade, passa a ser questão de conteúdo (do assunto competência).(32) Assim também, no direito tributário, o ato de lançamento é forma em relação à regra-matriz de incidência, mas é matéria em relação à sua anulação por vício formal.

Numa visão dinâmica, os conceitos de forma e matéria estão relacionados com o processo de positivação do direito. Considerando, por hipótese, quatro normas, sendo: N1 a norma constitucional que cuida do processo de produção de N3; N2 a norma constitucional que informa o conteúdo desse ato; N3 a norma infraconstitucional que cuida do procedimento de lançamento, e N4 a norma individual e concreta do lançamento. N1 será do âmbito da forma em relação a N3, que será do âmbito da matéria em relação a N1 e da forma em relação a N4, e N2 e N4 serão do âmbito da matéria.

Na visão estática do direito, como sistema de normas jurídicas válidas, não se leva em conta essa relatividade: são do âmbito da forma as normas jurídicas sobre processos de produção de outras normas jurídicas, e da matéria, as normas jurídicas que cuidam de prescrever condutas inter-humanas não vinculadas, imediatamente, à produção de outras normas. Fixada essa premissa, identificaríamos N1 e N3 como normas de direito formal, N2 e N4 como normas de direito material.

Importa notar, sob o enfoque da primeira visão, que direito formal e material se unem na realização de um único ato de aplicação do direito. No processo legislativo, por exemplo, estão presentes concomitantemente as normas constitucionais que disciplinam a forma do processo legislativo, bem como as normas constitucionais que delimitam o conteúdo da lei, definindo a competência material de cada ente tributante, de maneira que a lei é o resultado da aplicação da competência formal e da competência material. No processo administrativo, o mesmo ocorre: realizar ato-fato administrativo significa aplicar, concomitantemente, regras que disciplinam procedimento e regras que disciplinam condutas materiais. Exemplo: o guarda que lavra multa de trânsito, aplica, simultaneamente, a regra que disciplina o seu procedimento e a regra que disciplina que aquele que infringir o Código Nacional de Trânsito deve pagar multa.(33)

7.1. Uma proposta de distinção entre nulidade e anulação do lançamento

Partindo-se dessa coincidência do direito material e formal no ato de aplicação do direito, propõe-se ligar anulação aos vícios de forma e nulidade aos vícios de matéria no lançamento. Assim, para construir essa distinção tomaremos o direito posto, conquanto não haja registro expresso do contorno jurídico da anulação ou da nulidade no direito tributário positivo. Entendemos que, como a atividade administrativa é vinculada à lei, os mesmos critérios que determinam a produção do ato-norma de lançamento válido serão aplicáveis para identificar sua invalidade. Afinal, invalidade é o anverso da validade. Portanto, mesmo diante da ausência de enunciados expressos sobre a invalidação do lançamento, a distinção entre nulidade e anulação pode ser edificada a partir dos enunciados normativos que disciplinam as condições de validade do lançamento. Só assim obteremos critérios jurídicos para diferençar nulidade de anulação.(34)

A anulação decorre do descumprimento dos dispositivos que determinam o ato-fato de lançamento, ex vi dos arts. 141,(35) 142 caput e parágrafo único,(36) 145,(37) 146(38) e 149,(39) do CTN. A nulidade decorre de vícios na aplicação da regra-matriz de incidência tributária, introjetados na estrutura do ato-norma administrativo, seja no antecedente (motivação), seja no consequente (crédito), tais como falta de motivação, defeito na composição ou determinação do sujeito ativo, do sujeito passivo, da base de cálculo ou da alíquota aplicáveis ex vi dos arts. 142, 143(40) e 144(41) do CTN.

Assim, se o lançamento anterior objeto de invalidação apresentar vício em seu processo de produção, ato-fato, é caso de anulação; se o vício estiver instalado em seu produto, ato-norma, é caso de nulidade. Vinculamos anulação aos problemas na aplicação dos enunciados prescritivos que se referem ao processo de produção do lançamento (vícios formais) e nulidade aos problemas inerentes ao conteúdo do ato (vícios materiais), ou seja, à norma individual e concreta que estabelece o crédito e sua motivação. Articulando-se esse tema às pesquisas de JOSÉ LUIZ FIORIN,(42) livre-docente do departamento de Línguística da Universidade de São Paulo, pode-se afirmar que a anulação está para os vícios da enunciação, assim como a nulidade está para os vícios do enunciado-enunciado.

Na anulação, figura-se problema na aplicação das normas de produção normativa (direito formal);(43) na nulidade, na aplicação da regra matriz de incidência (direito material). Nos patamares da teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO, nulidade é defeito no enunciado da norma individual e concreta, produzida pelo Fisco, seja no antecedente (fato jurídico tributário), seja no consequente (relação jurídica tributária ou crédito tributário); anulação é impropriedade verificada na fonte material, como antecedente da norma individual e concreta do veículo introdutor desse ato administrativo. Em suma, vício no veículo introdutor, anulação; vício no próprio ato-norma de lançamento, nulidade.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO(44) interpretando ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(45) entende que a possibilidade ou impossibilidade de convalidar-se(46) o vício do ato-norma administrativo é o critério superno para discriminar os dois tipos de invalidação: se o ato-norma é convalidável, é passível de anulação; se é inconvalidável, de nulidade.(47)

Diz expressamente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“São nulos:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos em que racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.
(…)
São anuláveis:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos que podem ser repraticados sem vício”.(48)

Portanto, convalidável, e anulável, é o ato administrativo que não apresente vício em seu conteúdo decorrente da aplicação distorcida do direito material, mas tão apenas defeito no procedimento administrativo que o formou. Inconvalidável, e sujeito à nulidade, é o ato administrativo que apresente vício em seu conteúdo, de maneira que, mesmo submetido a novo procedimento de aplicação, produziria o mesmo conteúdo viciado e que só seria válido tivesse seu conteúdo alterado. Só que, nesse caso, não seria mais o mesmo ato. Esse raciocínio permite afirmar que, enquanto na anulação o vício se encontra nos pressupostos de constituição do ato, na nulidade encontra-se entre os elementos do ato administrativo (conteúdo do ato), usando a terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

Ora, se, como diz o autor: “Sem os elementos não há ato jurídico algum (administrativo ou não). Sem pressupostos não há ato administrativo formado de maneira válida”,(49) então, nada mais coerente que centrar o estudo da invalidação nesses elementos e pressupostos. Na falta dos pressupostos, descumpre-se a norma de competência e o ato fica inquinado de anulação; na ausência dos elementos em conformidade com a lei material, compromete-se o próprio ato jurídico, que fica inquinado de nulidade. Entrementes, advirta-se: ato administrativo nenhum, em decorrência de sua inerente presunção de validade, torna-se nulo ou anulado sozinho. A invalidação requer sempre ato de aplicação do direito que lhe atribua, mediante ato-norma invalidador, uma ou outra dessas qualidades.

Sendo assim, os problemas do lançamento podem estar na aplicação da regra-matriz ou da regra de competência administrativa, ou, respectivamente, do direito material ou do direito formal na terminologia de RUY BARBOSA NOGUEIRA;(50) ou das normas de comportamento ou das normas de estrutura, na terminologia de NORBERTO BOBBIO.(51)

7.2. O procedimento de invalidação do ato-norma de lançamento tributário

Invalidade, como diz LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(52) ainda enquanto professora assistente da PUC/SP, é “a maneira como a Administração Pública corrige de ofício, ou a requerimento da parte, seu ato praticado, em desacordo com a legalidade”. Essa ilegalidade diz respeito tanto à regra-matriz de incidência tributária quanto ao exercício da competência administrativa, posto que a produção de ato válido exige a iteração dessas duas normas: a norma de direito material que se pretende aplicar e a que outorga competência para a prática do procedimento administrativo.

Para se corrigir um ato administrativo requer-se outro ato administrativo, como anota a autora. E, ainda, competência para agir, além de norma geral e abstrata que prescreva materialmente a invalidação, estabelecendo a hipótese e a consequência do ato-norma invalidador.(53) Na hipótese dessa norma geral e abstrata que cuida de disciplinar o ato-norma invalidador, encontramos os mesmos critérios de nulidade e anulação.

Será de nulidade o ato-norma invalidador que tiver por suposto vício nos elementos substanciais do ato-norma, fato-evento (motivação) e fato-conduta. Convém adscrever que fato-evento e fato-conduta, não por coincidência, correspondem à concreção do binômio hipótese tributária e consequente tributário presente na regra-matriz de incidência tributária.(54)

Será de anulação o ato-norma invalidador que tiver por pressuposto vício no procedimento administrativo, quer dizer, como sublinham MERKEL e ENTERRÍA,(55) no processo de concreção da competência administrativa tendente a produzir o ato administrativo.(56) Portanto, há anulação por vício formal quando há defeito na confecção do veículo introdutor do ato de lançamento.

7.3. O ato-norma administrativo de anulação

Sob o signo anulação, entendemos o ato-norma administrativo que retira do sistema normativo um lançamento anterior motivado pela verificação jurídica de vício em seu procedimento. Tratando-se de decisão definitiva, como faz, por exemplo, alusão o art. 173, II do CTN, consideramos que é a norma jurídica individual e concreta, veiculada por decisão judicial ou ato administrativo, que tem por objeto a invalidação de lançamento anterior.

Nessa norma individual e concreta de anulação há um antecedente e um consequente. Este último corresponde ao efeito do ato-norma invalidador que decorre do vínculo de imputação, como diria KELSEN. O efeito do ato-norma administrativo não é externo, mas interno à estrutura do ato-norma administrativo. Fora do ato-norma administrativo, como entreviu ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(57) não há que se falar em eficácia jurídica, mas em eficácia social.

É este ato decisório final que serve como pressuposto fáctico da regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior, como veremos adiante. Assim, o que é efeito pelo prisma da regra geral e abstrata de anulação, passa à condição de fato, previsto na hipótese dessa regra decadencial.

Notas

(1). Tratado lógico-filosófico, p. 114

(2). A ambiguidade do vocábulo posse foi nos revelada por LUIZ CÉSAR DE SOUZA QUEIROZ, autor do livro Sujeição passiva tributária, publicado pela Forense, e hoje professor de direito tributário da UERJ.

(3). No direito civil são, também, exemplos desse mesmo problema: (i) o termo “contrato” que pode significar a norma, o fato do acordo de vontades, o próprio instrumento ou o conteúdo contido no instrumento que firma o acordo de vontades e (ii) o vocábulo “negócio jurídico” que pode conotar o próprio acordo de vontades ou eficácia gerada pelo acordo de vontades. São palavras que propiciam a ambiguidade, cuja atenção sobre elas deve ser redobrada com o fito de se compreender o direito.

(4). Introducción al análisis del derecho, p. 261.

(5). Apercebendo-se dessa situação, em magnifico artigo publicado na RDP 32, esse autor qualifica como inadequada a expresso “ato administrativo”, inspirando, assim, de modo original todo o desdobramento do raciocínio que edificamos nesse tópico. Cf. Elementos do ato administrativo, p. 38.

(6). Direito administrativo brasileiro, p. 116-7.

(7). Identificamos o mesmo tipo de ambiguidade no uso de declaração, no conceito proposto por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: “declaração do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas ao controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (Curso de Direito Administrativo, p. 173-4). Entretanto, a poderosa intuição jurídica desse autor não deixou escapar essa dualidade ao efetuar a crítica à expressão requisitos do ato, propondo em seguida uma distinção entre pressupostos do ato e elementos do ato.

(8). A expressão ato-fato implica que se trata de ato humano em que o sentido psicológico da vontade é irrelevante. Cf. MARCOS BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico, p. 106.

(9). Cf. Lançamento tributário, p. 89.

(10). Idem, ibidem. p. 118-22.

(11). Curso de direito administrativo, p. 176-7.

(12). Tratado lógico-filosófico, p. 71.

(13). ARISTÓTELES entende por “elemento” o componente de uma coisa qualquer, que seja uma espécie irredutível a uma espécie diferente: neste sentido, p. ex., os elementos das palavras [isto é, as letras] são os elementos de que consistem as palavras, nos quais se dividem em última análise porque não podem dividir-se em partes de espécie diferente. Se um elemento for dividido, suas partes serão da mesma espécie; p. ex: uma parte de água é água, ao passo que a parte de uma sílaba não é uma sílaba”. Metafísica, V, 3, 1014 a 30.

(14). Cf. Lançamento tributário, Capítulo V, itens 7 e 8.

(15). PAULO DE BARROS CARVALHO, Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 107.

(16). V. infra o Item Fontes do direito.

(17). Não se confunde com o sujeito ativo do crédito, que é elemento do ato-norma administrativo de lançamento, compreendendo sim o conceito de fonte formal enquanto enunciação enunciada da autoridade produtora que necessariamente ocupará lugar no suporte enunciativo do ato administrativo.

(18). Não há de se confundi-lo com a motivação que é proposição fáctica que perfaz o antecedente do ato-norma individual e, portanto, perfaz a função de elemento do ato-norma.

(19). Não obstante descreva fato a motivação não se submete aos valores de verdade e falsidade, pois, enquanto antecedente de proposição normativa subjuga-se aos valores validade/não-validade que estabelecem justamente a relação de pertinência dessa proposição com o sistema jurídico.

(20). Curso de direito administrativo, p. 179.

(21). Curso de direito administrativo, p. 137.

(22). “Uma abordagem semântico-histórica, que refoge aos lindes deste trabalho, colocaria à luz as várias acepções que o termo “lançamento” assumiu perante os diversos contextos histórico-científicos em que foi empregada esta locução. Assim, no uso técnico-comercial-contábil temos o emprego da expressão “lançamento” como: – (i) ação ou (ii) efeito de escriturar uma verba em livros de escrituração comercial; (iii) a própria verba que se escritura; e (iv) efetuar o cálculo, conferir liquidez a crédito ou débito. (§) Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica-dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo “lançamento”, acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim: (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (Art. 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (Art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo; (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como o ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados “lançamentos por homologação” (Art. 150 do CTN e §§)”. Lançamento tributário, p. 145-6. O correspondente em italiano accertamento, segundo BERLIRI, também apresenta vários sentidos, o que seria “um dos motivos que justificam a confusão e os equívocos cometidos pela doutrina italiana na sistematização desta matéria, Principi di diritto tributário, tomo III, p. 7 e 24-33.

(23). Art. 82 § 2o, Art. 85 § 3o, como título da Secção I do Capítulo II, Art. 142 caput e parágrafo único, Art. 143, Art. 144 caput e § 1o, Art. 145, Art. 146, Art. 147 caput e § 1o, Art. 149 caput, incisos VIII, IX e parágrafo único, Art. 150 caput e §§ 1o e 4o, Art. 154, Art. 156 inciso VII, Art. 160, Art. 173 incisos I, II e III e no parágrafo único do Art. 195.

(24). Art. 146, III, b.

(25). Curso de direito administrativo.p. 137.

(26). Semiótica, p. 47.

(27). Esta interpretação de dever-poder nos afigura plenamente compatível com uma visão analítica do pensamento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que fixa por atividade administrativa o desempenho de “função”, que é em si a realização de uma conduta prescrita pelo direito, entendendo que: “Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito da função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para procipiar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir”. Curso de direito administrativo, p. 45.

(28). Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 248.

(29). Cf. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, Lançamento tributário, p. 393.

(30). Cabe aqui a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: “A alteração do lançamento corresponde apenas a um aspecto particular do problema mais genérico da alteração dos atos administrativos, transplantado para o campo do Direito Administrativo Tributário ou Direito Tributário Formal”. Lançamento tributário, p. 280.

(31). Do lançamento, teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 240.

(32). Forma y fondo, p. 1.

(33). Fato que também o direito cuida de positivar: a realização da regra procedimental comporá o veículo introdutor, a realização da regra material comporá o conteúdo desse ato-norma administrativo.

(34). Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, a distinção entre atos nulos e anuláveis “embora objeto de sistematização pelos civilistas, não envolve matéria jurídica de direito privado, mas de Teoria Geral do Direito, pertinente à ilegitimidade dos atos jurídicos, e, portanto, perfeitamente adaptável ao direito público, especialmente, ao direito administrativo”. Princípios gerais de direito administrativo, p. 651.

(35). Que impõe o princípio da legalidade no processo de anulação: “O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”.

(36). Determinando a autoridade, o procedimento e a vinculação do ato de lançamento: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

(37). Cuidando das formas em se pode dar a anulação: “O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo. 149”.

(38). Disciplinando os critérios jurídicos a serem adotados pela autoridade administrativa na constituição do lançamento: “A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

(39). “O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública”.

(40). “Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação”.

(41). “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1o Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. § 2o O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido”.

(42). V. Capílulo I, Astúcias da enunciação.

(43). Cf. terminologia de LUIZ CESAR DE SOUSA QUEIROZ com supedâneo em HERBERT HART, Sujeição passiva tributária, p. 53.

(44). CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 232.

(45). Registre-se que ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL não utiliza nem aceita a terminologia usual (ato anulável e ato nulo) posto que entende que não há atos nulos (todos são anuláveis conforme ensina Kelsen), preferindo, assim, a classificação de ato convalidável e ato não-convalidável. Extinção dos atos administrativos, p. 66.

(46). Tenha-se em tela que segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, convalidação é o suprimento da invalidade de um ato administrativo com efeitos retroativos. Curso de direito administrativo, p. 234.

(47). Cf. adscrevemos, Lançamento tributário, p. 117.

(48). Curso de direito administrativo, p. 257.

(49). Curso de direito administrativo, p. 177.

(50). Cf. Curso de direito tributário, p. 139.

(51). Teoria do ordenamento jurídico, p. 36.

(52). Panorama da extinção dos atos administrativos, p. 142. Entretanto, mais precisa e elaborada é a definição oferecida em seu “Curso”: “A invalidação de ato administrativo consiste em sua desconstituição, suprimindo-se seus efeitos típicos, por incompatibilidade com a ordem jurídica, com atribuição de efeitos ex tunc. Curso de direito administrativo, p. 198.

(53). Curso de direito administrativo, p. 200.

(54). Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 233-8.

(55). Cf. EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA & TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, Curso de direito administrativo, p. 483.

(56). O procedimento seria aqui, segundo ADOLPH MERKEL, o “modo de produção de um ato” por aplicação de normas superiores a esse ato, que enfeixam aquilo que denominamos competência administrativa. Como diz ENTERRÍA: “o procedimento administrativo aparece como uma ordenação unitária de uma pluralidade de operações expressadas em diversos atos realizados heterogeneamente (pela função, pela natureza) por vários sujeitos ou órgãos, operações e atos que, não obstante sua relativa autonomia, se articulam em ordem à produção de um ato decisório final”. Idem, ibidem, p. 484.

(57). “Eficácia é, a nosso ver, a produção de efeitos e não a aptidão para produzi-los”. Extinção do ato administrativo, p. 38.

Eurico Marcos Diniz de Santi

Fonte: FISCOSoft