Cálculos apontam que, se as medidas anunciadas saírem do papel, carga tributária terá aumento de 0,8 ponto porcentual este ano
ALEXA SALOMÃO – O ESTADO DE S. PAULO
11 Maio 2015 | 05h 00
O ajuste fiscal proposto pelo governo deve elevar a carga tributária brasileira em 0,8 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Isso significa que, se tudo o que foi anunciado for colocado em prática, os brasileiros pagarão R$ 47,5 bilhões a mais em impostos e contribuições. E a projeção é que o adicional de tributos exigidos para melhorar as contas públicas, por baixo, chegue a R$ 100 bilhões a mais até o final do atual governo.
Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), feitos a pedido do Estado, todas as medidas anunciadas pela equipe econômica representam um adicional de R$ 39,80 bilhões à carga tributária. Outros R$ 7,7 bilhões virão de Estados e municípios, que também fizeram rodadas de aumentos nos impostos que lhes cabem, como IPTU e IPVA. Confirmada a tendência, a alta de impostos em 2015 seria o dobro da registrada em 2014 e a carga tributária fecharia o ano em 36,22%. “O governo não precisa negociar tributos e, assim, é mais fácil empurrar a conta”, diz Gilberto Luiz do Amaral/coordenador de estudos do IBPT.
Energia. O economista Mansueto Almeida também estima uma alta de 0,8 ponto porcentual, mas incluiria na contabilidade outros R$ 7,5 bilhões, que correspondem ao fim dos subsídios ao setor elétrico. Na sua avaliação, a medida tem efeito tributário: de um lado, alivia o Tesouro Nacional e, de outro, eleva a conta de luz – e os impostos que recaem sobre ela. Por causa dos reajustes, energia se transformou neste início de ano em um dos itens que mais pesam no orçamento das famílias e na alta de custos das empresas.
Dito isso, se todas as medidas anunciadas forem implementadas, o custo para a sociedade neste ano será de cerca de R$ 55 bilhões. Se todo esse dinheiro fosse usado para o superávit primário (a economia para pagamento dos juros da dívida pública), cobriria mais de 80% do total da meta que o ministro da Fazenda Joaquim Levy estabeleceu.
Mansueto Almeida contemporiza que o tamanho da contribuição tributária, ao final desta ano, vai depender do fôlego da economia e da confiança dos consumidores. Com a crise, as pessoas estão apertando o cinto, comprando menos e fazendo a arrecadação cair muito abaixo do esperado. Mas ele lamenta, que ainda assim, a alta de impostos está apenas no começo.
“Ao longo de todo o mandato de quatro anos, o ajuste vai exigir uns R$ 200 bilhões, e não há a menor dúvida que no mínimo metade disso, uns R$ 100 bilhões, terão de vir de aumentos de carga tributária”, diz Almeida.
No fim, diz, a história apenas se repete. Série histórica elaborada pelo economista (ver quadro) mostra que, após a Constituição de 1988, nenhum governo deixou de herança um gasto público menor e que, para ajustar as contas, elevou tributos: “Quando todos os presidentes saíram do Planalto, o gasto era maior, e o ajuste foi feito com aumento de impostos”, diz Almeida. “Se por todos esses anos tem sido assim, eu me pergunto por que seria diferente agora.”
Para economista, novas elevações serão necessárias
De acordo com Samuel Pessôa, sem uma nova rodada de alta nos tributos, País terá uma ‘crise aguda’
ALEXA SALOMÃO – O ESTADO DE S. PAULO
11 Maio 2015 | 05h 00
Na última sexta-feira, no seminário intitulado “O Desafio Fiscal Brasileiro”, promovido pelo Insper, em São Paulo, todos os especialistas em contas públicas presentes reforçaram a percepção de que não há como o Brasil escapar de uma nova rodada de aumentos de tributos. “Eu pergunto: dá para fazer o ajuste, evitando uma crise aguda, sem passarmos por uma nova rodada de carga tributária?”, disse Samuel Pessôa à plateia. “A resposta é: provavelmente, não. E mais: se não enfrentarmos uma nova rodada de aumento expressivo de carga tributária, nós vamos ter uma crise aguda.”
Segundo Pessôa, o importante é que, além de fazer o aumento na tributação, o governo inicie um ciclo de reformas, que possa mudar a estrutura dos gastos – que se tornaram insustentáveis.
A maior parte do gasto público é engessado. Após criado, é quase impossível cortá-lo. Junte-se a essa característica outro dado que ele considera crucial: o fato de a Constituição de 1988 ter estabelecido uma série de obrigações sociais para o Estado brasileiro. Saúde e educação, por exemplo, são universais. Apesar de não terem a qualidade mínima esperada pela população, são gastos engessados e crescentes. Benefícios sociais também devem ser levados em consideração.
Quase 80% dos aumentos de gastos do governo federal de 1991 a 2014 foram feitos para cobrir os chamados “programas de transferência de renda”, como abono salarial e, principalmente, Previdência. A demanda por esses benefícios só tende a aumentar. Em parte porque a sociedade exige (haja vista a resistência em cortar pensões para viúvas e mexer no segurodesemprego), em parte porque o País está envelhecendo (o que vai pressionar os serviços de saúde e o pagamento de aposentadorias).
O economista Fabio Giambiagi, estudiosos da previdência, tem coleções de dados para ratificar a tendência. Dos anos 80 para cá, o PIB cresceu 2,6% ao ano – e o gasto com a Previdência, 4,4% ao ano. Em 1990, os gastos com o INSS representavam 2,5% do PIB. Hoje, já são 7,5%. “Dois em cada três benefícios são atrelados ao salário mínimo: existe alguma dúvida sobre a tendência de aumento?”, pergunta Giambiagi.
Modelo. Para o economista Bernard Appy, o ajuste fiscal é uma prioridade porque pode melhorar a economia no longo prazo. Mas é preciso mudar a estrutura do gasto público, que “nos leva a ter carga tributária em alta, investimento em baixa e crescimento estagnado”.
“Desde a Constituição de 1988 é mesma história. Quando a economia vai bem, os governos elevam os gastos. A economia fica mal, fazem o ajuste elevando carga tributária porque as despesas são rígidas. Algumas são muito importantes socialmente, outras nem tanto”, disse. “Só quando o País entender que a trajetória de longo prazo é insustentável é que será possível abandonar esse modelo que nos leva a ter carga tributária em alta, investimento em baixa e crescimento estagnado.”
Fonte: O Estado de São Paulo