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A determinação do local da incidência tributária do ISS

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01/10/2012 por Sílvia Helena Gomes Piva

Falar sobre a determinação do local da incidência tributária do ISSQN é falar de um tema controvertido. Embora muito já debatido pela Jurisprudência e pela Doutrina, os conflitos de competência entre municípios para a cobrança deste imposto continuam sendo altamente relevantes.

O avanço tecnológico dos meios de comunicação e informática ampliou substancialmente os tipos de serviços e o modo pelo qual é realizada a prestação, trazendo grande evolução a esse setor da economia. Atualmente, o ato de prestar serviços pode ser tranquilamente realizado a distância, sem a necessidade da presença física do prestador num local fixo e previamente determinado.

A evolução da dinâmica da prestação dos serviços trouxe mudanças que atingem tanto o prestador de serviços, que aprimora a técnica de seu trabalho ou simplesmente se utiliza da tecnologia colocada a sua disposição, como trouxe maior avanço dos mecanismos para a arrecadação dos tributos e para o controle das obrigações a serem cumpridas pelos contribuintes.

Infelizmente, porém, ainda que já determinado pela lei a regra geral para a determinação do local da incidência tributária do ISSQN, persistem as situações em quem um mesmo fato gerador está sujeito a múltiplas incidências pelo aludido imposto.

Em contribuição a tais circunstâncias, a nossa federação hoje conta com 5.565 Municípios, cada qual com suas especificidades locais, mas todos sob o entendimento que têm competência para arrecadar o ISSQN dos fatos jurídicos tributários ocorridos dentro de seus limites geográficos.

A insegurança jurídica é presença constante dos contribuintes do ISSQN, face à instabilidade na determinação do aspecto espacial deste imposto. As regras estão postas no sistema do direito positivo, mas a interpretação destas está em confronto com a dinâmica do tributo.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi, por muitos anos, calcada no entendimento de que o ISSQN é devido no local onde ocorrer o “fato gerador” do imposto, isto é, nos limites territoriais do Município onde for realizada a prestação do serviço, pois foi este o critério adotado pela Constituição Federal.

Verificamos, então, que a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por muitos anos, levou em consideração o local da realização do serviço, o qual seria um critério “constitucional” do ISSQN.

Não negamos que este seja um critério constitucional; no entanto, a aplicação da regra do local da prestação, isoladamente, é ensejadora de conflito e de difícil aplicação.

Após nos debruçarmos sobre o estudo deste tema, notamos que mesmo com a consolidação da jurisprudência do STJ que permaneceu por longos anos, essa interpretação, a nosso ver, não resolvia todos os problemas relativos ao ISSQN, pois, dada a complexidade que sempre permeou alguns tipos de serviços, restaria necessário definir muito bem quando deve ser e como deve ser considerada ocorrida a “prestação dos serviços.”

Com o advento da Lei Complementar n. 116/03, houve a revogação do artigo 12 do Decreto-lei n. 406/68, de forma que o texto atual trouxe critérios mistos para a incidência do ISSQN, isto é, i) manteve o critério do estabelecimento do prestador do serviço ou do domicílio, mas ii) trouxe uma lista de vinte exceções onde o serviço deverá ser considerado como prestado no local onde é executado; e, por fim, iii) incluiu a substituição tributária, objetivando que o tomador dos serviços torne-se responsável pelo pagamento do tributo.

Todavia, a utilização de todas essas regras em conjunto, sem que fosse estabelecido um equacionamento entre elas, também tem gerado a guerra fiscal, desta vez porque uma mesma prestação de serviços pode vir a ser tributada mais de uma vez, seja porque um Município entende que o ISSQN deverá ser pago no local do estabelecimento, seja porque outro Município pretenderá cobrar todos os serviços ocorridos dentro de seus limites territoriais, ainda que o prestador lá não se estabeleça, seja porque os tomadores poderão ser eleitos como responsáveis pelo pagamento do tributo sobre qualquer tipo de prestação de serviços e efetuarão a retenção deste, já recolhido no local do estabelecimento do prestador.

Toda essa dúvida tem gerado insegurança jurídica aos contribuintes do ISSQN, tornando-se comum o ingresso de ações judiciais, objetivando descobrir em qual Município deverá ser recolhido o ISSQN.

Então, notamos que a utilização de diversas regras sem a definição de como aplicá-las também gera consequências negativas aos contribuintes e aos Municípios.

Qual seria então a melhor forma de solucionar o conflito sobre o local da prestação de serviço em se tratando de ISSQN?

Primeiramente, entendemos que é necessário compatibilizar a norma positivada por meio da Lei Complementar nº116/03, para, então, chegarmos ao entendimento de menor incidência de conflitos de competência intermunicipal.

Iniciemos nossa análise a partir do conceito de estabelecimento prestador do serviço.

Ao nosso ver, o estabelecimento prestador deve ser entendido como o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, compreendendo, nessa definição, o complexo de coisas que venham a configurar o núcleo habitual do exercício da atividade, pressupondo gerência e administração mínimas e que sejam aptas à atividade econômica de prestar serviços ou, na existência de local com tais especificações, o domicílio do prestador.

Portanto, necessária a existência de uma organização sob a forma unidade econômica indispensável à prestação do serviço, pois não será apenas a declaração de “estabelecimento prestador” pelo contribuinte que servirá como aspecto espacial para a tributação pelo Município competente.

Inegável que o estabelecimento prestador é um local de possível ocorrência do fato jurídico tributário vez que abriga o complexo de bens que serve como base ao exercício da atividade de prestar serviços. Traz uma conexão territorial com um determinado Município.

Portanto, o legislador complementar pode eleger o estabelecimento prestador como um critério apto a servir de aspecto espacial do ISSQN, pois traz conexão territorial com o elemento material da hipótese “prestar serviços”.

Essa eleição pelo legislador complementar poderá ser feita para que não ocorra a dúvida acerca do local de onde um determinado serviço foi concretizado, fornecendo segurança para o exercício da competência pelo Município para a exigência do cumprimento da obrigação tributária.

A regra do estabelecimento prestador, a nosso ver, deve ser tida como a efetiva regra geral para a tributação pelo ISSQN, pois fornece os elementos necessários para o exercício da competência tributária pelos Municípios, com o menor número de conflitos possíveis.

A lei complementar, por seu turno, deverá compatibilizar esta regra geral com outros critérios que eventualmente possam fazer parte da composição do aspecto espacial do ISSQN, a título de exceções.

Portanto a regra geral mais adequada será a do estabelecimento prestador, pois este critério diminui as dúvidas acerca de onde deverão ser considerados prestados determinados tipos de serviço.

Alinhado com a posição que enunciamos, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado posição que nos parece tentar eliminar os conflitos sobre o aspecto espacial do ISS após o advento da Lei Complementar 116/03.

O julgamento do Recurso Especial n. 1.117.121, que foi incluído como representativo da controvérsia, nos termos do artigo 543-C do Código Processual Civil, analisou o local da incidência do ISSQN quanto à prestação de serviços de construção civil, projetos, assessoramento e gerenciamento de obra. Neste caso, malgrado o julgado verse sobre uma exceção sobre o local da incidência tributária, a Ministra Eliana Calmon faz uma importante diferenciação entre os critérios espaciais do ISSQN, conforme a Lei Complementar 116/03:

“(…)

Com a edição da Lei Complementar 116/2003 houve alteração de entendimento em relação ao local de recolhimento do ISS sobre os serviços prestados, porque foi profundamente alterado o artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, revogado pelo novo diploma que, atendendo à reivindicação dos contribuintes, consignou o lugar da sede da empresa como o local de recolhimento do ISS. (…) Assim, a partir da LC 116/2003, temos as seguintes regras: 1ª) como regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, compreendendo-se como tal o local onde a empresa que é o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas; 2ª) na falta de estabelecimento do prestador, no local do domicílio do prestador. Assim, o imposto somente será devido no domicílio do prestador se no local onde o serviço for prestado não houver estabelecimento do prestador (sede, filial, agência,posto de atendimento, sucursal, escritório de representação); 3ª) nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, acima transcritos, mesmo que não haja local do estabelecimento prestador, ou local do domicílio do prestador, o imposto será devido nos locais indicados nas regras de exceção.

(…)

Verifica-se, portanto, uma alteração substancial da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça após o advento da Lei Complementar n. 116/03. Efetivamente podemos notar o reconhecimento pelo Tribunal de que a regra geral para fins de incidência do ISSQN é o estabelecimento prestador.

Em julgamento posterior ao que mencionamos, o Superior Tribunal de Justiça reforçou o entendimento do estabelecimento prestador como a efetiva regra geral para fins de incidência do ISSQN. Relevante a descrição de excertos do voto do Relator, Ministro Castro Meira, que se aprofunda na análise do aspecto espacial do ISS:

“A situação em apreço envolve, mais uma vez, a discussão em torno do Município competente para a cobrança de ISS.

(…) não é tão simples fixar como critério delimitador da competência tributária a localidade onde o serviço é desempenhado, pois nem sempre a obrigação de fazer se resume a um único ato, havendo situações nas quais a atividade é fracionada em várias etapas executadas em lugares diversos. Por outro lado, a Constituição Federal, a meu ver, não previu com rigidez que o ISS apenas poderia ser cobrado pelo Município situado no local em que efetivamente foi realizado o serviço. Da análise das demais normas constitucionais aplicáveis à espécie, observa-se justamente a possibilidade de a Lei Complementar estabelecer as normas gerais sobre direito tributário e disciplinar os conflitos em matéria tributária. Afastando a hipótese de poder absoluto dos entes municipais, destaco o seguinte trecho de Logo, entendo que a legislação complementar recebeu autorização da Carta Magna para regulamentar, em caráter geral, o aspecto espacial do ISS. Nesse contexto, editou-se a Lei Complementar 116/03 que revogou o diploma normativo anterior, trouxe maiores detalhes sobre a regra geral de incidência do ISS e ampliou o rol de exceções àquela regra.

(…)

Como se observa, a municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada como sede ou filial da pessoa jurídica.

Isso significa que nem sempre a tributação será devida no local em que o serviço é prestado. O âmbito de validade territorial da lei municipal compreenderá a localidade em que estiver configurada uma organização (complexo de bens) necessária ao exercício da atividade empresarial ou profissional.

Verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça após anos entendendo que a regra geral da incidência tributária do ISS era o local da efetiva prestação de serviços, modificou seu entendimento ao analisar o aspecto espacial do ISSQN no caso concreto, após o advento da Lei Complementar nº116/03, trazendo os elementos que nortearam a posição anterior do Tribunal quanto a esta questão, e explicitando que a posição anterior – que considerava o aspecto espacial como o local da prestação do serviço – tinha por fim evitar a guerra fiscal.

A partir desta análise, constrói o raciocínio de que a regra geral, após o advento da Lei Complementar nº116/03 passa a ser a do estabelecimento prestador.

Feitas as considerações sobre a alteração do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o que muito contribui para a evolução do entendimento quanto ao tema.

Atualmente, contamos com o texto veiculado pela Lei Complementar n. 116/03, que trouxe o critério do estabelecimento prestador, bem como o critério em razão do local da prestação a título de exceção.

Frente a essa constatação, temos como opinião que a Lei Complementar n. 116/03, conquanto não seja um instrumento legal que esteja apto por meio de suas disposições a resolver o conflito entre Municípios, deverá ser interpretada de forma a equacionar os critérios relacionados ao aspecto espacial do ISSQN.

Portanto, considerando que não devemos desprestigiar as normas já postas no sistema, isto é, a Lei Complementar n. 116/03, ainda que merecedora de ajustes, a interpretação que mais reflete o nosso posicionamento, em síntese, é a seguinte: i) o artigo 3º da Lei Complementar n.116/03 veicula regra geral para que os serviços sejam considerados no estabelecimento prestador; ii) o artigo 3º da Lei Complementar n.116/03 traz um rol exaustivo de exceções para que o tributo seja considerado devido no local da prestação; iii) o artigo 4º da Lei Complementar n.116/03 traz a definição do que vem a ser estabelecimento prestador, de forma que se o estabelecimento não preencher tais requisitos deverá ser desconsiderado, aplicando-se a regra geral do domicílio prestador, (ainda que nosso entendimento seja um conceito mais completo de estabelecimento); v) o artigo 6º da Lei Complementar n.116/03 que traz a possibilidade de instituição da responsabilidade tributária somente poderá ocorrer se a retenção for feita em favor do Município em que se localizar o estabelecimento prestador ou no caso do rol taxativo de exceções trazidos pelo artigo 3º.

Portanto, visando aproveitar a sistemática já posta pela Lei Complementar n. 116/03 e objetivando viabilizar a diminuição dos conflitos de competência entre Municípios, entendemos que esta é uma possível interpretação aos comandos legais nela trazidos, buscando minimizar os conflitos intermunicipais, evitar a bitributação e proporcionar maior segurança jurídica entre Fisco e contribuintes.

Fonte: Carta Forense

Site: Escritório de Contabilidade São Paulo